domingo, 20 de julho de 2008

A sombra de Goebbels pesa na negociação do acordo da OMC

Difícil de compreender a emoção que acolheu as palavras do Ministro das Relações Externas do Brasil, Celso Amorim, quando este afirmou, no contexto da negociação dum acordo global no seio da Organização Mundial do Comércio (OMC), que a estratégia dos países ricos se inspirava numa frase de Goebbels, Ministro da Propaganda de Hitler, que costumava gabar-se de que «uma mentira repetida muitas vezes se transforma em verdade». Com efeito, o que o ministro brasileiro pretendeu foi sublinhar a hipocrisia dos negociantes das nações desenvolvidas, que dão a entender que o acordo final apenas depende da aquiescência do chamado Terceiro Mundo em relação às regras aplicáveis aos produtos industriais porque, segundo eles, o dossier agrícola se encontraria praticamente concluído. Ora, a verdade é que isso é mentira: em matéria agrícola, ainda há concessões indispensáveis a fazer pela Europa, Estados Unidos, Canadá Japão, Austrália, etc., e as propostas que se encontram em cima da mesa nesta matéria estão muito aquém do que é exigível no que respeita à indispensável liberalização do acesso aos mercados agrícolas, necessária para assegurar o crescimento económico sustentado dos países mais pobres.

Para isso, e apenas para isso, Celso Amorim lembrou as palavras do dirigente nazi. Mas esta referência foi feita apenas, como toda a gente compreendeu embora alguns afirmem o contrário, para sublinhar que a responsabilidade pelo atraso e eventual fracasso das negociações não pode ser assacada a apenas uma das partes.


Assim, nada justifica a emoção da negociadora americana, Susan Schwab, mesmo se pode compreender-se que o facto de os seus pais terem sido vítimas do Holocausto torne este aspecto das coisas particularmente doloroso. O ministro brasileiro nem de perto nem de longe pretendeu compará-la ao dirigente nazi, limitando-se, o que é seu dever mais ainda do que seu direito, a chamar a atenção para um aspecto das negociações que é extremamente importante para a maioria das nações sub-desenvolvidas e tentando mostrar como a propaganda pode, ainda hoje e sempre, sobrepor-se aos factos nus. Por isso já declarou que não tem a intenção de apresentar desculpas porque não houve intenção de ofender nem de equiparar comportamentos ou atitudes.

De qualquer maneira, pode acreditar-se que não haverá excesso de sorrisos quando ambos se encontrarem esta noite no jantar oferecido por Pascal Lamy, director-geral da OMC.