Morreu Bronislaw Geremek
Há homens que caíram na política apenas porque uma certa concepção da vida a isso os obrigou. Para eles, não se trata de exercer o poder, de adquirir estatuto ou posição, muito menos de obter ganhos materiais – mas de responder a um ideal, de seguir a sua consciência que lhes diz que existem valores que é necessário defender contra os tiranos ou simplesmente contra a prepotência das ideias feitas e dos hábitos instalados, de realizar um sonho ou uma utopia, de contribuir para a paz, a justiça, a liberdade e o bem-estar dos outros seres humanos, seus semelhantes, seus compatriotas.
No caso de Bronislaw Geremek, morto hoje aos 76 anos num estúpido desastre de automóvel, foi a certeza de que a liberdade e a justiça mereciam que ele morresse por elas e que a sua promoção e a sua defesa justificavam e impunham qualquer sacrifício. Primeiro quando se afastou do Partido Comunista na altura da invasão da Checoslováquia pela tropas soviéticas e entrou em dissidência contra o regime de Gomulka, Gierek e, mais tarde, Jaruzelski, no último estertor dum sistema que morria de morte violenta; em 1976, ao colaborar com o Comité de Defesa dos Operários polacos, embrião da oposição democrática; depois, no Verão de 1980, ao acompanhar os operários dos estaleiros de Gdansk e Lech Walesa, ajudando-os na fundação do primeiro sindicato livre do Pacto de Varsóvia, o Solidarnosc; e, finalmente, como representante e Ministro dos Negócios Estrangeiros duma Polónia democrática e europeia e como parlamentar europeu – em todas esses momentos duma existência plena, Geremek, para além de emérito historiador, especialista da Idade Média europeia e de história social, com trabalhos sobre os marginais e os pobres nesse período histórico, dedicou a sua vida à liberdade, à justiça e à Europa, aderindo a uma concepção da res publica que hoje quase parece fora de moda, em que a defesa impenitente de certos ideais não se compadece com os compromissos e cedências que fazem parte dos dia-a-dia dos políticos tradicionais. Foi assim que, em obediência a tais princípios e já no período democrático, ainda se opôs aos gémeos Kaczynski a propósito da chamada lei da lustração, que obrigava os titulares de cargos públicos, políticos e administrativos, a declarar as suas actividades passadas de colaboração com as polícias secretas polaca e soviética, ameaçando demitir-se do seu cargo de parlamentar europeu. (Esta lei veio finalmente a ser considerada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional da Polónia).
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