domingo, 13 de julho de 2008

Morreu Bronislaw Geremek

Há homens que caíram na política apenas porque uma certa concepção da vida a isso os obrigou. Para eles, não se trata de exercer o poder, de adquirir estatuto ou posição, muito menos de obter ganhos materiais – mas de responder a um ideal, de seguir a sua consciência que lhes diz que existem valores que é necessário defender contra os tiranos ou simplesmente contra a prepotência das ideias feitas e dos hábitos instalados, de realizar um sonho ou uma utopia, de contribuir para a paz, a justiça, a liberdade e o bem-estar dos outros seres humanos, seus semelhantes, seus compatriotas.

No caso de Bronislaw Geremek, morto hoje aos 76 anos num estúpido desastre de automóvel, foi a certeza de que a liberdade e a justiça mereciam que ele morresse por elas e que a sua promoção e a sua defesa justificavam e impunham qualquer sacrifício. Primeiro quando se afastou do Partido Comunista na altura da invasão da Checoslováquia pela tropas soviéticas e entrou em dissidência contra o regime de Gomulka, Gierek e, mais tarde, Jaruzelski, no último estertor dum sistema que morria de morte violenta; em 1976, ao colaborar com o Comité de Defesa dos Operários polacos, embrião da oposição democrática; depois, no Verão de 1980, ao acompanhar os operários dos estaleiros de Gdansk e Lech Walesa, ajudando-os na fundação do primeiro sindicato livre do Pacto de Varsóvia, o Solidarnosc; e, finalmente, como representante e Ministro dos Negócios Estrangeiros duma Polónia democrática e europeia e como parlamentar europeu – em todas esses momentos duma existência plena, Geremek, para além de emérito historiador, especialista da Idade Média europeia e de história social, com trabalhos sobre os marginais e os pobres nesse período histórico, dedicou a sua vida à liberdade, à justiça e à Europa, aderindo a uma concepção da res publica que hoje quase parece fora de moda, em que a defesa impenitente de certos ideais não se compadece com os compromissos e cedências que fazem parte dos dia-a-dia dos políticos tradicionais. Foi assim que, em obediência a tais princípios e já no período democrático, ainda se opôs aos gémeos Kaczynski a propósito da chamada lei da lustração, que obrigava os titulares de cargos públicos, políticos e administrativos, a declarar as suas actividades passadas de colaboração com as polícias secretas polaca e soviética, ameaçando demitir-se do seu cargo de parlamentar europeu. (Esta lei veio finalmente a ser considerada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional da Polónia).

Harlem Désir, porta-voz do PS francês, chamou-lhe, numa homenagem profundamente sentida, que pode reflectir, parece-me, a opinião da grande maioria dos europeus, de esquerda ou de direita, «un grand sage, érudit, engagé au service d'un idéal d'humanisme, de liberté pour une nouvelle renaissance européenne un Erasme moderne».

É raro que se possa dizer a respeito de alguém que a sua vida foi um exemplo. Não é contudo difícil fazê-lo a propósito deste Homem. É com emoção e tristeza que a Europa (e o Parlamento Europeu, que perde o mais ilustre dos seus representantes) deve acolher a notícia da morte de Bronislaw Geremek, que incarnava, no mais alto grau, os valores de uma certa Europa, uma Europa da liberdade, baseados, como ele próprio sempre afirmou, na solidariedade, na justiça e na autonomia do ser humano.