Eleições europeias - O desastre anunciado da esquerda
Não há volta a dar-lhe. Com algumas excepções justificadas por motivos meramente nacionais, os grandes vencidos das eleições para o Parlamento Europeu foram os partidos sociais-democratas. E isto aconteceu num momento de crise económica e financeira grave, geralmente atribuída aos excessos do capitalismo liberal, que parecia dar-lhes a oportunidade de apresentarem alternativas credíveis às políticas seguidas pelos conservadores, programas que galvanizassem o eleitorado e, sobretudo, propostas políticas que permitissem que as camadas da população que sofrem na pele os efeitos da depressão económica – que são obviamente os mais desfavorecidos – vencessem a enorme desesperança que delas se apoderou. Ora, em qualquer destes aspectos, a esquerda europeia falhou redondamente. Há que tentar compreender porquê!
Mas existem, segundo creio, dois aspectos nesta discussão. Um de natureza conjuntural: porquê esta derrota, aqui e agora? Outro, mais fundamental, que é o de saber como pode essa esquerda, a esquerda moderada, voltar a apresentar-se como alternativa credível diante dum eleitorado temeroso e descrente. Neste comentário, falarei apenas do primeiro ponto. O segundo necessita uma reflexão mais profunda mas espero poder ainda alinhar algumas ideias a este respeito ainda antes do final da semana.
Vamos então às razões conjunturais deste verdadeiro descalabro dos partidos sociais-democratas. Uma primeira constatação – especialmente verdadeira no caso português mas generalizável à maioria dos países europeus – é que a sua descida assustadora não se fez principalmente em favor dos partidos de direita. A hemorragia do seu apoio popular beneficiou sobretudo a esquerda mais radical ou os partidos ecologistas. Esta situação resultou duma campanha pobre e, sobretudo, da incapacidade da esquerda de definir uma agenda política favorável.
Com efeito, não se ganham eleições quando se deixa, em primeiro lugar, que sejam os nossos adversários a determinar os contornos da discussão política e ideológica e, depois, quando se concede aos partidos com que competimos no nosso lado do espectro político a exclusividade da elaboração de propostas para os problemas que mais preocupam os eleitores. Ora, seja por estar no Governo e, por isso, de certa forma comprometidos com decisões contestáveis, seja porque, na oposição, decidiu concentrar os seus esforços simplesmente nos ataques à gestão dos conservadores (como aconteceu no caso francês), a esquerda não conseguiu orientar a sua campanha em torno de temas mobilizadores, como, por exemplo, o desenvolvimento sustentável e a mudança climática ou a regulação económica. No primeiro caso, abriram às escâncaras as portas aos movimentos ecologistas (ou, como em Portugal, onde os verdes não existem, aos partidos da esquerda radical); no segundo, para cúmulo, deixaram a direita, principalmente a direita que governava, aproveitar-se das suas ideias, nomeadamente em matéria de controlo e supervisão do mercado, principalmente do mercado financeiro, e até da luta contra as remunerações iníquas de certos gestores: em França, por exemplo, foi Sarkozy que se apoderou destas bandeiras e as apresentou como suas. E foi a extrema-esquerda que falou de injustiças na distribuição das riquezas, pugnando por medidas de redistribuição e solidariedade, e que trouxe para a ribalta o problema dos paraísos fiscais e da fuga aos impostos, arrebanhando por completo o prestígio moral de se posicionar de forma clara em relação a estas matérias, enquanto os sociais-democratas pareciam hesitar entre solidariedade e eficiência (um dos problemas de fundo de que tentarei falar no próximo comentário).
Os sociais-democratas apresentaram-se, assim, ao eleitorado, ou como simples partidos de uma oposição manca ou como partidos do poder – e, em ambos os casos, esse eleitorado deixou bem claro que não era isso que pretendia deles. Quando Pedro Santana Lopes foi nomeado Primeiro-Ministro, eu disse a um amigo seu que não era possível a ninguém chefiar um Governo sem ter uma ideia sequer a respeito do destino para onde queria conduzir o país. Foi isso, aproximadamente, o que aconteceu agora à esquerda europeia: nenhum projecto mobilizador, nada que pudesse responder às preocupações de uma população crescentemente cansada, descrente e desesperada. Neste sentido, penso, aliás, que não foi por acaso que o Partido Socialista Espanhol foi o menos castigado de todos: pelo menos, Zapatero, embora a braços com uma crise económica extremamente grave, tem tido o cuidado permanente de afirmar a sua diferença ideológica face aos seus adversários de direita.
Em segundo lugar, os partidos desta esquerda tradicional, na sua generalidade, enganaram-se de eleição. A Europa esteve ausente da maioria dos debates que se centraram sobre problemas tipicamente nacionais. Daí não viria grande mal ao mundo, como já defendi neste blogue. Mas, na actual situação da esquerda, sem ideologia, sem programa e sem propostas, tratou-se de um erro táctico fundamental. Era, com efeito, do seu interesse evidente centrar o debate nas questões europeias, como fizeram com grande sucesso, por exemplo, Cohn Bendit em França, e Miguel Portas, em Portugal. Trazer para o espaço público o que pode e deve significar a construção europeia; apontar as formas como a Europa pode contribuir para debelar a crise ou combater os fenómenos de degradação ambiental ou demográfica; apelar, por exemplo, a um novo entendimento, necessariamente europeu, dos problemas da emigração e do comunitarismo; referir, tendo em conta as mudanças demográficas, a dimensão transnacional das reformas dos sistemas educativo, de saúde e de segurança social; falar da contribuição de uma União reforçada para a solução dos problemas energéticos ou de defesa e segurança, num mundo crescentemente perigoso – tudo isso era necessário e nada disso fizeram estes partidos da velha ou nova esquerda moderada. Na verdade, limitaram-se a debitar frases retiradas duma velha cartilha que nada tem a ver com os problemas presentes. E foram, por isso, e bem, duramente punidos.
Só que o castigo traz consigo esta consequência gravíssima que é a subida eleitoral dos partidos independentistas e, entre estes, com especial realce, a dos partidos de extrema-direita, nacionalistas e xenófobos. É tempo, que mais não seja por isso, de a social-democracia europeia deixar de olhar para o seu próprio umbigo e se decidir a encarar o futuro. Sobre isso, pretendo ainda dizer qualquer coisa no tal próximo artigo que prometi. Mas, com a gente que actualmente a dirige, em Portugal como noutros lugares, qualquer caminho nesse sentido não será fácil de percorrer.
2 Comments:
pois não é que não concordo em nada contigo?
ora bem, na minha opinião os partidos de esquerda no poder tem feito uma política de direita para "salvar o país das consequências da crise", e o que os eleitores vêm são medidas para que os bancos não vão à falência, para que os accionistas desses bancos não percam dinheiro, e logo de seguida empresas a fechar, desemprego às catadupas. Isto parece mesmo incompreensível a qualquer eleitor, mesmo o mais burro: isto não é uma política de esquerda, de modo que....pimba, ou não vão votar ou votam noutros: mais à esquerda ou muito mais à direita (caso do voto trabalhista no UK que foi parar ao UKip e ao BNP, como já foi o caso em França...)
Para te convencer do meu argumento faço-te notar que nalguns países como a Dinamarca ou a Grécia, em que a direita tem feito este mesmo "trabalhito" de vencer a crise foram os partidos da oposição que ganharam.... o inverso parece pois ser verdade também, o que tenderia a validar a minha hipótese.
Mas falamos disto quando formos, finalmente, almoçar.
Pois não é que não compreendo a razão da tua discordância? Porque me parece que estamos mais ou menos de acordo. Falaremos disso na sexta-feira mas o que eu tentei dizer no artigo - e direi, espero que de forma mais clara no próximo - é que os partidos de esquerda perderam precisamente porque não se apresentaram como alternativa... de esquerda. Falei claramente dos partidos sociais-democratas no poder comprometidos por decisões contestáveis. Por outro lado, mesmo nos países em que, como dizes, a direita se encarregou de fazer o tal trabalhito, a derrocada dos conservadores no poder foi comparativamente muito mais leve do que a dos socalistas e, por exemplo, no caso de França, nem sequer aconteceu, bem pelo contrário. Para além disso, estou profundamente convencido de que os partidos da esquerda tradicional, precisamente porque têm adoptado as políticas da direita com argumentos pragmáticos, correm o risco de desaparecer. E isto porque os eleitores não são parvos: para fazer uma política de direita, então é melhor votar nos que se afirmam como tal, sem complexos nem hesitações.
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