Bandeiras, hinos, Portugal
No passado dia 10 de Agosto, um grupo de monárquicos munidos de escadote em vez de espadas subiu à varanda principal da Câmara Municipal de Lisboa e substituiu a bandeira da cidade, que aí se encontrava hasteada, pela bandeira da Monarquia. Como seria de esperar, o caso não provocou grande celeuma nem controvérsia de maior. Pesem embora estas graças reais, em Portugal, a questão do regime (República ou Monarquia) é uma questão resolvida. Quase ninguém, em seu perfeito juízo, se atreveria a voltar a um regime em que a chefia do Estado é determinada pelo facto de nascer numa dada família um bebé que seja o primeiro filho varão (ou, se já morreu, o seu filho ou neto ou bisneto, ou um seu irmão ou primo ou parente, ou... Fiquemos por aqui nos arcanos segredos das regras de sucessão!) do rei anterior. Mesmo se os portugueses gostassem de tradições (e não gostam: perguntem a Mário Soares!), a restauração da monarquia seria sempre inimaginável, sem falar de que transformaria o país numa anedota universal. Para além disso, o herdeiro do trono não ajuda: está-lhe estampado na cara o espírito dos Braganças. Alguns acham graça a ver a sua fotografia nas revistas sociais. Mesmos esses não ficam impressionados com a ideia de o ver a viver em Belém, ou na Ajuda a receber dignatários estrangeiros, ou em Vila Viçosa a preparar a próxima caçada!
Pela minha parte, tenho tendência a apreciar estes gestos anárquicos que não envolvem violência. Acho graça à ideia de um grupo de jovens e menos jovens desejar passar a noite em tais traquinices. Significa, pelo menos, que nem todos estamos mortos - embora possa ser diferente a conclusão que se tira a respeito do estado mental duma pequena parte do povo que somos. Mas, tudo pesado e ponderado, acho que devíamos receber estas notícias com alguma dose de sentido de humor.
Acontece que, durante as minhas férias em Lisboa, comprei um livro de ensaios de Vasco Pulido Valente - aliás, uma mera colectânea de trabalhos já anteriormente publicados, o que não resultava claro da folhinha enrolada na capa que o publicitava como a última obra de Pulido Valente. Na página 54, lê-se o seguinte: «No começo de 1911 o conservadorismo português exigia que se guardasse a bandeira azul e branca da Monarquia (sem a coroa), em vez de a substituir pela bandeira encarnada e verde do PRP [Partido Republicano Português]; que o hino nacional fosse a Maria da Fonte e não A Portuguesa (...)»
A vantagem disto que a que os seus autores chamaram, com disparatado exagero, uma acção revolucionária, foi que pudemos ver a bandeira da Monarquia e ouvir a Maria da Fonte. Julgo que já pouca gente se lembraria duma e doutra se é que alguma vez as conheceram. A bandeira antiga é, efectivamente, muito mais bonita do que a actual (concordo com Rui Pereira, no seu artigo de hoje, no Público) - mas isto não é difícil: quase todas as bandeiras do mundo, presentes, passadas e futuras são mais bonitas que a republicana bandeira portuguesa, com aquela inacreditável mistura de feios vermelho, verde e amarelo.
A Maria da Fonte tem alguma graça mas as palavras são claramente datadas, principalmente na primeira estrofe, com a sua referência aos Cabrais. A música é mais folclórica (e alegre), menos solene, do que a do hino actual. Se soaria melhor ou pior quando ouvido nos estádios de futebol - o lugar onde, nos nossos tempos, mais se ouve o hino de Portugal, é questão de gosto. Creio que, nas pomposas cerimónias oficiais com que costumamos «festejar» os dias nacionais (o 10 de Junho, o 25 de Abril), seria uma lufada de ar fresco a opor à enjoada cadência da Portuguesa. Mas isto é apenas uma opinião pessoal e, para mais, ditada por esta minha tendência a gozar com toda a forma de exercício da autoridade. (A minha Mãe, por exemplo, gostava bastante do nosso hino actual.)
Virá a propósito recordar que, há alguns anos, por ter proposto que se mudasse a sua letra, que considerava violenta, agressiva e passadista, António Alçada Baptista quase foi condenado ao pelourinho, com Paulo Portas a chefiar a força policial que o iria apanhar a casa e conduzi-lo às masmorras? Estas coisas de bandeiras e hinos têm, ao que parece, muito que se lhes diga!
Ah! Já me esquecia. Podem ver o hastear da bandeira e ouvir a Maria da Fonte aqui:
http://www.youtube.com/watch?v=tyNMQ_fWre4&feature=player_embedded
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