sexta-feira, 10 de julho de 2009

Foi Deus - Amália e Alberto Janes

Alberto Janes não era um poeta ou compositor excepcional. Mas aconteceu-lhe encontrar Amália e escrever para ela dois fados cuja popularidade nunca foi desmentida (escreveu outros como Ouça lá, ó Senhor Vinho que não merecem grande referência). Os dois de que falo foram Foi Deus e A Casa da Mariquinhas. Amália dizia que Janes entrava em sua casa com pautas e pautas de música – mas que ela apenas escolhia algumas. Nestas escolhas, teve sorte. Hoje, fica aqui o Foi Deus. No último espectáculo de Amália a que assisti, na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa, em 1986, pouco antes de vir para Bruxelas, pedi-lhe (gritei-lhe do meio do público) que cantasse esse fado. Ela olhou-me e disse que não sabia se ainda seria capaz de o fazer; mas cantou-o. Foi o último grande recital de Amália. A princípio, estávamos todos aflitos – ninguém sabia se ela ainda conseguiria cantar como dantes. Mas, depois das primeiras canções de aquecimento, veio um Há Festa na Mouraria memorável. E aí compreendemos que iríamos assistir a um grande concerto - o seu último grande concerto. Foi Deus veio quase no fim. Não estava previsto. A voz já estava cansada. Mas nunca esquecerei nesse momento.

Para além da interpretação de Amália, deixo aqui também uma interpretação excepcional de Mariza (mais a guitarra portuguesa tocada duma forma especial) num espectáculo de homenagem a Amália, em 2007.

Foi Deus

Não sei, não sabe ninguém
Por que canto o fado
Neste tom magoado
De dor e de pranto
E neste tormento
Todo o sofrimento
Eu sinto que a alma
Cá dentro se acalma
Nos versos que canto

Foi deus
Que deu luz aos olhos
Perfumou as rosas
Deu oiro ao sol
E prata ao luar

Foi deus
Que me pôs no peito
Um rosário de penas
Que vou desfiando
E choro a cantar

E pôs as estrelas no céu
E fez o espaço sem fim
Deu o luto as andorinhas
Ai, e deu-me esta voz a mim

Se canto
Não sei o que canto
Misto de ventura
Saudade, ternura
E talvez amor
Mas sei que cantando
Sinto o mesmo quando
Se tem um desgosto
E o pranto no rosto
Nos deixa melhor

Foi deus
Que deu voz ao vento
Luz ao firmamento
E deu o azul às ondas do mar
Foi deus
Que me pôs no peito
Um rosário de penas
Que vou desfiando
E choro a cantar

Fez poeta o rouxinol
Pôs no campo o alecrim
Deu as flores à primavera
Ai!, e deu-me esta voz a mim.


Amália:
http://www.youtube.com/watch?v=PZFPPnO9qRU&hl=fr

Mariza:
http://www.youtube.com/watch?v=RaTjzSTSVL0