segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Faltam duas demissões

Um assessor do Presidente da República decide confiar a um jornalista – sem nenhuma prova – a informação espantosa de que a Presidência está a ser vigiada (de forma que seria obviamente ilegal) pelo Governo. Os jornalistas do Público definem um estratagema destinado a garantir que a notícia tivesse alguma credibilidade: através duma mensagem electrónica, a edição nacional do jornal pede ao seu correspondente madeirense (que levanta dúvidas) que divulgue essa informação, falando de um colaborador do Primeiro-Ministro que teria acompanhado uma viagem do Presidente à Madeira. Esse jornalista conclui – e disso avisa o jornal – que nada do que foi aventado é verosímil. Mais de 16 meses depois, em plena campanha eleitoral, o Público, em primeira página, anuncia que a Presidência da República pensa estar a ser vigiada pelo Governo...

O que se passa quando toda esta porcaria é conhecida? Pôr em questão a idoneidade do colaborador do Presidente da República ou do Director do Público? Não! Em vez disso, dispara-se sobre o mensageiro. A culpa é do Diário de Notícias, que divulgou esta nojeira (em colaboração, é claro, com os serviços secretos e com a Presidência do Governo!) É como se disséssemos que a culpa do Watergate foi do homem que o denunciou – ou dos jornalistas que relataram o caso, obviamente (embora um deles fosse republicano) interessados em conseguir a demissão de Nixon.

Hoje sabemos quem foi o responsável por esta série de disparates gravíssimos (que José Miguel Júdice, com a sua habitual clarividência denunciou): Fernando Lima, assessor de Cavaco Silva, homem de sua inteira confiança, que o acompanha há quase ou mais de vinte anos; e, por sua via – porque não nos retas outra alternativa senão pensá-lo – o próprio Presidente. Coisas destas ditas durante o período da campanha eleitoral não podem senão ser vistas como uma interferência desastrada e desastrosa do Presidente numa campanha em que tem a obrigação constitucional de manter uma estrita independência. Que José Manuel Fernandes, Director do Público, pretenso jornalista, homem com uma evidente agenda política ao serviço dos seus proprietários, considere mais importante saber como foi descoberto o correio electrónico entre colaboradores do seu jornal do que saber como foi possível que uma notícia sem qualquer fundamento fosse nele acolhida, não é grave apenas porque nós conhecemos José Manuel Fernandes.

Assim, as suspeitas de escutas por parte do gabinete do Primeiro-Ministro à Presidência da República foram levantadas por um homem da confiança de Cavaco Silva. Lima terá, segundo documentos a que o DN teve acesso, procurado o jornalista do Público Luciano Alvarez, segundo este último, em nome do próprio Presidente. Num encontro, que terá decorrido em Abril de 2008, «num café discreto da Av. de Roma», o assessor de Belém entregou a Luciano Alvarez um dossier sobre Rui Paulo de Figueiredo, adjunto jurídico de José Sócrates, cujo comportamento teria levantado suspeitas (desmentidas, repita-se pelo próprio jornalista do Público) aquando da visita de Cavaco Silva à Madeira. Lima estaria convencido que este adjunto de Sócrates integrou a comitiva para «observar, o mais dentro possível, os passos da visita do Presidente e o modo de funcionamento interno do gabinete presidencial».

Todas estas informações constam de uma mensagem electrónica enviada por Alvarez ao correspondente na Madeira, Tolentino de Nóbrega, no qual relata o encontro com Fernando Lima e sugere que até seria bom que a história viesse da Madeira, para que o ónus não recaísse sobre a Presidência: «O Lima sugere e eu acho bem duas perguntas para o início do trabalho (até porque a eles também interessa que isto comece na Madeira para não parecer que foi Belém que passou esta informação, mas sim alguém ligado ao Jardim)». Vão ao ponto de dizer que se trata de paranóia – mas, mesmo assim, importante: «Nem os homens do Presidente da República arriscam a falar por telefone». Admitindo que «tudo» não passe de «paranóia do Presidente e do Lima, Alvarez, de férias, faz questão de frisar que «não deixa de ser grave que o PR pense isto e que ande a passar informação ao Público, manifestando grande vontade da história vir a público». E nisso, estamos de acordo. É grave! Seria gravbe, principalmente se fosse verdade.

O Provedor dos Leitores do Público já disse o que tinha a dizer sobre este assunto. Numa palavra, que o jornal de que é Provedor agiu mal – contra todas a regras de uma deontologia esquecida (para além de lhe ter rebuscada a correspondência!)

Fernando Lima foi hoje afastado, ou demitido, por Cavaco Silva. Mas faltam duas demissões.

A primeira, evidente, de José Manuel Fernandes. Não se brinca com os leitores, não se publicam notícias claramente falsas ou não fundamentadas, principalmente em fase de campanha eleitoral. O reconhecimento de que o Público se limitou a ser correia de transmissão de Fernando Lima basta para impor a demissão de um director que pactuou com essa atitude.

A segunda, de Cavaco Silva. Permitir (ou ignorar) que um seu assessor lance uma suspeita desta gravidade sobre o Governo do país – e andar, durante tanto tempo, a fugir com o rabo à seringa, a evitar o assunto, a fingir que nada sabia – é uma atitude indigna. É uma regra não escrita da actividade política – e de qualquer outra – que devemos assumir a responsabilidade pelos actos dos nossos colaboradores. O Presidente deve resignar. Não tem, infelizmente, condições para continuar a representar os portugueses... Que não são desonestos como os seus colaboradores.