As novas faces da Europa

Catherine Ashton deve a sua nomeação a três circunstâncias: é socialista (embora da "terceira via"), mulher e britânica. O cocktail ideal! O facto de não ter qualquer experiência internacional (para além daquela que acumulou nas negociações de acordos comerciais) e de não parecer que consiga, pelo menos de início, afirmar-se como a face da política externa europeia – se é que esse bicho existe – foi considerado questão de somenos. Mas é duvidoso que venha a ser o dela, o número de telefone que Kissinger reclamava quando pedia algum que pudesse contactar facilmente nessa Europa de que tanto se falava e que ele, infelizmente, quase desconhecia. Mesmo assim, Solana, antes de ser o oficioso Ministro dos Negócios Estrangeiros desta Europa que temos, tinha sido Secretário-Geral da NATO.
Por sua vez, Van Rompuy foi nomeado pela sua suposta e pressuposta capacidade de construir consensos, qualidade que, segundo se pensa na Europa, faz necessariamente parte do perfil de qualquer Primeiro-Ministro belga. Não me preocupa particularmente o tratamento condescendente de que é alvo na imprensa britânica – e não só nos tablóides mas também em jornais ou revistas que deveriam ser um bocado mais rigorosas, como o Economist (já agora, quando é que ponho termo à minha assinatura neste magazine que, depois da sua viragem à direita nos anos noventa, crescentemente me irrita?). Mr Who?, como lhe chamam por lá, pode revelar-se um político capaz e há muito em Van Rompuy que agrada: uma certa austeridade e modéstia no trato e uma competência discreta fazem dele o exacto oposto de Tony Blair – e isso, para mim, é muito, muito, positivo. O que me preocupa são as suas tendências claramente conservadoras, mesmo para um político oriundo do Partido Popular Europeu; a sua oposição à adesão da Turquia (que contraria a linha ainda oficial da Comissão Europeia mas que deve agradar a Sarkozy e Merkel); e, principalmente, a sua recusa, enquanto político belga, de assinar a convenção europeia para a protecção das minorias étnicas e linguísticas, com o objectivo evidente de permitir que os flamengos mantenham a mãos livres para tratarem como entenderem (submissão ou expulsão) os valões instalados na Flandres. Estas coisas são (muito) graves.
A generalidade das reacções às nomeações de quinta-feira, com a óbvia excepção dos que para elas contribuíram, foi negativa. Um título do Público descreve bem a situação: "surpresa, perplexidade e desilusão em toda a Europa": Daniel Cohn-Bendit não vai por caminhos travessos: "A Europa bateu no fundo". Alguns jornais são ainda mais duros: "Zés-ninguéns" ou "equipa de sonho (que) põe a Europa a dormir". Mesmo os mais recatados falam de "desconhecidos", de "figuras apagadas", "de nomes fracos para grandes desafios".
Há pessoas que dizem que Durão Barroso sorri. Nesta troika, ele é, sem dúvida, o mais conhecido – pode mesmo dizer-se o único conhecido. Por enquanto, nenhum dos novos nomeados lhe faz sombra (embora eu, se estivesse no seu lugar, começasse a desconfiar de Van Rompuy, que já anunciou a sua intenção de representar a União Europeia nas reuniões do G-20 e que me parece perito em actuar pela calada). Mas quem ri com gosto são o Presidente francês e a Chanceler alemã (o Primeiro-Ministro britânico, em fase final de mandato e perante sondagens catastróficas, está numa fase em que já não ri de nada). Porque estas nomeações, acompanhadas pela contínua perda de poderes da Comissão, reforçam claramente o peso dos Governos e dos seus acordos pontuais no processo de tomada de decisão da União Europeia – ou seja, a sua componente intergovernamental. Que é, precisamente, o que querem os pesos pesados da Europa dos nossos dias – e a razão profunda destas nomeações.
PS. Sou funcionário da Comissão Europeia. Devo dizer, de forma expressa, que considero este blogue como uma forma particular de comunicação com a minha família e os meus amigos. Não sou uma figura pública e não penso que venham bisbilhotar o que escrevo ou que o que escrevo tenha alguma importância para além desse círculo fechado. Normalmente, não sentiria necessidade de clarificar a minha posição. Mas, nos tempos que correm, todo o cuidado é pouco para além de que, gato escaldado... de água fria tem medo.
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