O cinismo de Tony Blair - II
Ainda estou sob o choque das declarações de Tony Blair, aqui criticadas ontem. Tony Blair é – pressupõe-se – um político democrático. Assim sendo, sabe, tem que saber, tem obrigação de saber, que há uma diferença entre convencer o Parlamento e o povo com falsos pretextos e dar-lhe uma ideia correcta da situação pedindo-lhe, nessa base, que escolha.
Quando vem dizer que, se as armas de destruição maciça não existissem, encontraria outros argumentos para o derrube de Saddam, penso estar a sonhar. Primeiro, porque ainda não vi nenhum outro argumento (para além do facto de Saddam ser um ditador cruel mas isso levanta questões às quais Blair não está disposto a responder) que pudesse justificar a invasão; segundo, porque – e é o mais importante – o mandato que lhe foi dado se baseou nessas informações erradas ou, pelo menos, incompletas que Blair afiançou ter.
Dito duma forma crua: Saddam foi derrubado por que Bush queria prosseguir a intervenção do seu pai no Médio Oriente, que considerava manca; e do que se tratou foi de encontrar razões para justificar publicamente uma decisão já privadamente tomada. O armamento de Saddam – puro engano, que os inspectores da ONU revelariam em menos de algumas semanas – foi utilizado porque estava ao alcance da mão e era, à primeira vista, credível. Mas, se não esse, outro se arranjaria...
Ou seja, segundo Blair, uma decisão desta importância foi tomada por algumas pessoas, políticos pretensamente democráticos, no conforto acolhedor dos seus gabinetes – que depois correram a encontrar uma justificação que pudesse ser engolida pelos seus pares e pela população. Será difícil encontrar outro exemplo mais claro de puro cinismo político.
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