domingo, 29 de novembro de 2009

Kovacevich e Solomon - Tromboses

Não sabia que Stephen Kovacevich, o magnífico pianista, autor de uma integral das sonatas de Beethoven geralmente considerada como um dos sommets da discografia beethoveniana, tinha tido uma trombose há mais ou menos dois anos; e ainda menos que a sua recente gravação das Variações Diabelli, também de Beethoven, tinha sido feita depois de encetada a sua recuperação.

Como podia adivinhá-lo? Se há uma diferença de concepção entre esta nova interpretação e a da gravação Philips de 1968, ela não tem a ver com qualquer envelhecimento ou incapacidade provocada pela doença. A gravação actual é mais profunda e livre, há um contraste e uma dinâmica nos tempos, uma progressão que não é linear e adere ao ritmo da obra, como só é capaz um grande artista na plena posse das suas faculdades. Ao ouvi-la, nunca pensei que Kovacevich pudesse ter passado por uma situação de saúde que, para um pianista, é potencialmente fatal – impedindo-o de praticar a sua arte. Não é, felizmente, o caso. Ao que parece, Martha Argerich, de que Kovacevich foi o terceiro marido, diz que ele está a tocar melhor do que nunca. Talvez a súbita apreensão da fugacidade da vida e da arte tenham contribuído para conferir outra dimensão ao seu canto.

Veio-me à memória a recordação doutro grande pianista, Solomon (Solomon Cutner), que se viu obrigado a interromper definitivamente a sua carreira em 1956, aos 54 anos, também por cauda de uma trombose que o deixou paralisado do lado direito. Para Solomon, não houve recuperação. Viveu até aos 86 anos, dando lições e tentando transmitir a diversos alunos a sua concepção da música. Mas pode imaginar-se a tristeza e a miséria de um homem para quem o piano era a vida e que se viu incapacitado de tocar e, portanto, de viver. A minha Mãe gostava particularmente duma sua interpretação (disponível em DVD, embora apenas como bónus que se deixa passar facilmente!) da sonata Appassionata de Beethoven. E tinha razão. Olhar as suas mãos, sentir a serenidade com que encara o piano, ouvir o seu som sumptuoso, ao mesmo tempo grave e recolhido, é uma emoção musical incomparável.

Que alegria que Kovacevich, ao contrário de Solomon, tenha podido recuperar.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Merci pour votre article; stephen est un si merveilleux artiste !!

19 dezembro, 2010 11:04  

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