Paul Samuelson (5 de Maio de 1915 - 13 de Dezembro de 2009)
Tinha 17 anos quando entrei na Faculdade de Direito. No meu primeiro ano – estávamos então em plena reforma "Veiga Simão" – a cadeira de Economia Política fazia parte do currículo. O meu professor era Pedro Soares Martinez, assumido fascista, antigo Ministro da Saúde de Salazar, conhecido pela decisão de colocar crucifixos nos quartos dos hospitais e mais versado em questões de Direito Corporativo. Era um mero economista de domingo e sem convicção. Os seus assistentes eram Jorge Braga de Macedo, que depois fez uma grande carreira como economista, e Marcelo Rebelo de Sousa, mais dado a outros ramos do Direito e, em geral, a outras actividades. Nenhum deles demonstrava qualquer respeito intelectual pelo professor da cadeira que a si próprio se denominara, numa célebre conferência no Grémio Literário onde um verdadeiro professor de Economia espanhol o enxovalhou ao indicar-lhe uma bibliografia de obras básicas, um trouble-fête. Mas nem tinha talento para isso.
Nessa altura, antes do 25 de Abril, eu tinha ainda a mania de vir a seguir uma carreira universitária – boas notas como aluno, assistente, professor. A tomada do poder pelos nossos amigos do MRPP dirigidos pelo Camarada Durão Barroso acabou com as minhas ilusões ao punir-me com três anos consecutivos de passagens administrativas, mais tarde transformadas, por decisão do Ministro da Educação do primeiro Governo de Mário Soares, Sottomayor Cardia, em notas de 10. Terminei o curso com média de 14 (16 nos dois primeiros anos, 16 no último) mas sem vontade de continuar. A única coisa que me apetecia era fugir da Faculdade.
Mas tinha gostado de economia e ainda fiz a cadeira antes da revolução. Para compreender Keynes, Marcelo indicou-me um livro de Francisco Pereira de Moura: Análise Económica da Conjuntura. Para compreender a Economia, no seu conjunto, alguém me falou do livro de Samuelson: dois volumes na capa castanha então tradicional dos manuais da Fundação Gulbenkian na tradução do Professor Almeida Garrett. Tive imensa dificuldade em o encontrar (julgo que a primeira edição tinha sido publicada em 1967) e acho que foi um dos poucos livros usados que alguma vez comprei antes de me habituar à moda da Amazon. Não o li por inteiro mas devorei alguns dos seus capítulos. E o pouco que percebo de economia hoje veio desse livro (e das Lições de Economia, também de Pereira de Moura). O livro de Martinez, deitei-o ao lixo. Nunca me fez falta e não me lembro duma única palavra nele escrita, com a excepção do título (e apenas do título) do capítulo dedicado às relações entre Economia e Informática, que era um disparate pegado, mas sobre um amigo meu foi interrogado no seu exame com o célebre professor. A mim, vinda do mesmo bicho, calhou-me uma mera pergunta sobre a planificação soviética (teria eu, na altura, imerecida fama de esquerdista?) A parte épica do meu exame veio de uma questão posta por Marcelo, sobre as relações entre Keynes e os Friedman, à qual, confesso, tive alguma dificuldade em responder porque, sinceramente, nunca tinha ouvido falar de Anna e Milton Friedman. Mas Keynes, eu conhecia bem e falei vinte minutos sem nunca aflorar directamente a pergunta que me fora feita. Era um talento meu, nessa altura.
Samuelson morreu esta semana com 94 anos de idade. Foi certamente o economista mais conhecido da sua geração e foi, sobretudo, um grande professor. Recebeu o Prémio Nobel de Economia em 1970, no segundo ano em que foi atribuído, mas o que é mais notável é que a maioria dos que o receberam depois estudou com ele. A primeira edição de Economics: An Introductory Analysis foi publicada em 1948; a décima oitava e última em 2004. Samuelson pode bem ser considerado, não como o maior economista do século passado, mas seguramente como o mais influente. No meu caso, recordo-o com a ternura de saber que foi o primeiro que me mostrou que esta disciplina valia a pena. Não que tivesse seguido a sua via; nem sequer que hoje, aos cinquenta e quatro anos, que me apeteça dizê-lo em voz alta ou sequer que ainda acredite que isso seja verdade: tantas coisas nos foram roubadas por uma forma estranha de endeusar uma ciência aproximativa. Mas o que nos acontece quando envelhecemos não nos faz esquecer, felizmente, o que sentimos quando éramos jovens. E, quando era novo e pronto a encarar a vida com a garra da juventude indomável, Samuelson foi para mim uma espécie de herói intelectual. A minha pena pela sua morte é uma forma de saudade desse tempo. Acho que ele gostaria de ser lembrado dessa maneira.
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