segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Mínimo é máximo

Se ainda algumas dúvidas existissem de que a substituição de José Manuel Fernandes na direcção do Público teria efeitos na orientação do jornal, o editorial de hoje, assinado colectivamente como é agora hábito (facto que, por si mesmo, mostra que algo mudou naquela casa), seria suficiente para as desfazer.

Com o seguinte subtítulo, já de si importante, "o valor do salário mínimo traduz o padrão de coesão social que um país está disposto a promover", este editorial apresenta os argumentos contra e a favor do aumento do salário mínimo para 475 euros e da promessa de que ele alcançará 500 euros em 2011. De um lado, estão "alguns empresários de sectores menos competitivos ou mais sujeitos à concorrência internacional": estes defendem que qualquer aumento no salário mínimo "ameaçará a sua viabilidade". Do outro, estão aqueles para quem "o agravamento da factura salarial no conjunto da economia é irrisório (entre 0,06 e 0,18 por cento dos actuais custos) e que se deve manter o padrão que situa o salário mínimo na ordem dos 60 por cento da remuneração média nacional".

Mas o Público, e muito bem, não se fica por aqui. Do que se trata, segundo o jornal – e eu concordo plenamente – não é de discutir a mera questão económica de saber se algumas empresas podem sobreviver a um aumento do salário mínimo como o proposto. Do que se trata é, para utilizar o chavão tão querido dos jornais portugueses, de uma questão de sociedade. Até que ponto estamos dispostos a ajudar quem mais precisa. O aumento do salário mínimo é, como diz este editorial, num português que podia ser melhorado, "um sinal de que não se pode baixar os braços perante o destino de centenas de milhares de cidadãos que trabalham sem que com isso possam escapar da pobreza".

Dois comentários. Em primeiro lugar, para dizer que está na moda – e é uma moda perversa – discutir todos os assuntos em termos meramente económicos, de custos e perdas financeiros, sem considerar os restantes e vastíssimos aspectos das questões que se discutem. O exemplo mais acabado deste disparate foi dado, há poucos dias, por Ricardo Reis, economista, que explicava a gravidade da crise económica nacional e perguntava por que andavam os nossos políticos a perder tempo com questões como a redefinição do casamento (penso que falava da questão da admissão do casamento homossexual) sem se aperceber, ao que parece, que esses temas podem ser essenciais para alguns cidadãos, ou mesmo para uma maioria destes. Ou seja, considera-se que, face ao deficit das contas públicas, devíamos concentrar todos os nossos esforços na política orçamental e deixar de lado outros "pequenos" problemas. Diga-se que, na primeira página do jornal onde vinha publicado o artigo de Ricardo Reis, aparecia uma referência ao aumento de casos de violência doméstica: também este assunto deveria ser sacrificado à necessidade imperiosa de pôr em ordem as contas públicas? Subjacente a esta opinião, tão corrente quanto estranha, está a ideia – que o ilustre economista não aplicaria certamente em sua casa se, por exemplo, um dos seus filhos estivesse doente ou com problemas escolares – de que as finanças das Nação (oh! meu bom Salazar) são o único aspecto importante da vida pública de um país – ou, pelo menos, o mais importante entre todos. O que é evidentemente falso.

O segundo comentário tem a ver com esta nova linha política do Público. Alguém tem dúvidas de que este editorial não apareceria sob a pena de José Manuel Fernandes? Pelo contrário, estaríamos a discutir os perigos da intervenção do Estado na economia, as gravíssimas consequências da interferência com a famosa mão invisível e os méritos de empresas que não deveriam ser entravados com questões sociais de menor importância. Só posso dizer que, do meu ponto de vista, esta mudança é positiva.