quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Uma nova interpretação das «Variações Goldberg» de Bach

Comprei recentemente o disco aqui ao lado: as «Variações Goldberg» de Bach, tocadas por Simone Dinnerstein, uma pianista relativamente desconhecida que, ao que parece, teve, que publicar a sua versão das Goldberg em edição de autor. O sucesso desta nova interpretação tem sido enorme. A Classica-Répertoire, revista em que costumo confiar, atribui-lhe a sua nota máxima (Referência: 10). As apreciações críticas no site britânico da Amazon são também extremamente favoráveis: dois 5 (a maior pontuação) e um 4 (e mesmo este é acompanhado de comentários muito lisonjeiros). E também parece que a Gramophone se lhe referiu em termos elogiosos.

Quem sou eu então para dizer que a escuta deste disco me deixou quase gelado? Não vejo nele nenhum entusiasmo, garra nenhuma: tudo me parece plat, ajuizado, certinho. Até a a interpretação de Murray Perahia, que me cansou, mas apenas depois de a ouvir mais de vinte vezes, me parece preferível, pese embora ter sido recebida com apreciável frieza por muitos críticos (os mesmos, certamente, que preferem Kovacevich a Pollini nas Sonatas de Beethoven. Por mim, com excepção da última sonata, Op.111, que Kovacevich gravou duas vezes em edições que me parecem quase impossíveis de igualar, considero Pollini superior na quase totalidade do ciclo, mas reconheço que esta é uma opinião minoritária.)

Assim, erro meu, certamente, nesta apreciação de Dinnerstein. Mas nem por isso deixei de recordar a história de Joyce Hatto, que constituiu a maior mistificação no mundo da música clássica em que assistimos à generalidade dos críticos musicais de todo o mundo a aplaudir e aceitar como originais interpretações já anteriormente gravadas por diferentes pianistas e, na altura, tinham sido recebidas com enormes reservas. (Estou a preparar um artigo sobre Joyce Hatto, que espero aqui colocar dentro dos próximos dias – mas isto não é uma promessa, apenas uma intenção.)



Quanto às Goldberg, continuarei a ouvir esta interpretação de Rosalyn Tureck, que descobri há pouco e que considero extraordinária embora o som deixe a desejar (há uma outra versão, gravada ao vivo, em 1993, que já encomendei mas ainda não ouvi.) Considero este disco um daqueles que gostaria de levar uma ilha deserta. Talvez não seja o mais puro, do ponto de vista dum musicólogo. Mas é uma beleza. Nele, a cumplicidade de anos sem conta entre a pianista e a música de Bach é posta em relevo, através de tempos próprios e duma notável mestria. Esta gravação data de 1958/59.




Ou então, virar-me-ei para as duas, controversas mas não menos magníficas, versões de Glenn Gould (1955 e 1981), facilmente disponíveis (e de que podem ouvir-se excertos no filme que foi dedicado ao pianista por Bruno Monsaingeon - «Glenn Gould: Au-delà du temps»). Já agora, aqui fica esta frase de Gould, que bem define a sua arte: «The purpose of art is not the release of a momentary ejection of adrenaline but rather the gradual, lifelong construction of a state of wonder and serenity." A State of Wonder foi, aliás, o título escolhido para, já depois da sua morte, reunir em disco as suas duas versões das Variações Goldberg. Mais do que apropriado, não somente pela intepretação mas sobretudo pela obra de Bach: genial!