quinta-feira, 2 de julho de 2009

Miguel Sousa Tavares, auto-estradas, comboios e pontes

A minha filha Sofia mandou-me uma cópia dum artigo de Miguel Sousa Tavares em que ele goza com a fúria das infraestruturas que, desde os célebres governos de Cavaco Silva e, agora, sob a impulsão do Ministro Mário Lino, se apoderou do país. (O artigo, bem escrito, com graça, pode encontrar-se no link indicado no final desta entrada). Reconheço a Miguel Sousa Tavares uma certa coerência: isto é, ele já discordava destas obras públicas no tempo de Cavaco e não o fez apenas quando Sócrates se tornou Primeiro-Ministro. E, ao contrário da Sofia, gosto dele: como o seu pai, hoje tão esquecido, sempre me pareceu que, em questões essenciais, nunca se enganava; e não consigo esquecer que é filho dum dos maiores poetas portugueses - Sophia. Claro que, mesmo com este pedigree, podia ser um idiota - mas não é.

Mas coerência e, até, admiração, não significam que se lhe reconheça sempre razão. Infelizmente, neste caso, não posso concordar com ele. Vou mais longe: nem sequer o percebo.

Ele tem, como eu, idade para se lembrar das nove horas que passávamos na Estrada Nacional nº 1 para fazermos os 300/350 quilómetros que separavam Lisboa do Porto. Idade para se lembrar, se por acaso lhe aconteceu ir de Lisboa à Covilhã, das quatro horas e meia que levava essa viagem. Idade para se lembrar do desastre em que depressa se transformou a EN5 porque Cavaco se recusou a construir a auto-estrada que, mais tarde e com muitos maiores custos, acabámos por ser obrigados a fazer. Estou certamente desfasado do que é hoje politicamente correcto em Portugal. Mas trabalhei bastantes anos na Comissão Europeia, encarregado de programas financiados com fundos comunitários e nacionais, para saber que os investimentos em infraestruturas não foram dinheiro deitado pela janela fora.

É claro que acho um completo disparate fazer uma segunda auto-estrada entre Lisboa e Porto... Mas não acho disparate nenhum ter feito a primeira! E sou claramente partidário de beneficiar dos fundos comunitários para dotar Portugal duma rede de comboios de alta velocidade. Já tenho dúvidas quanto à necessidade dum novo aeroporto de Lisboa. Neste caso, a única razão que julgo válida para avançar com esse projecto é o imenso perigo do actual aeroporto para os habitantes da capital. Claro – dir-me-ão – nunca houve nenhum desastre aéreo. Mas pode haver. E, quando isso acontecer – esperemos que não! – as consequências serão dramáticas. Miguel Sousa Tavares acha um luxo ter um aeroporto dentro da cidade; eu acho um perigo.

Da minha experiência com fundos comunitários, julgo que as infraestruturas construídas se revelaram, em geral, mais proveitosas para o país do que os chamados investimentos soft: ajudas às empresas (que normalmente se limitaram a financiar ou maus projectos ou projectos que, de qualquer forma, as empresas teriam promovido, quando não encheram simplesmente os bolsos de empresários desonestos), formações de todo o tipo e dirigidas a todo e qualquer basbaque (poderia escrever-se um livro inteiro sobre estes desperdícios; ouvi alguém dizer que as verbas atribuídas a uma dada região pelo Fundo Social Europeu chegavam para formar toda a respectiva população pelo menos duas vezes!) Pelo contrário, os investimentos em infraestruturas, com excepção das chamadas obras de prestígio (como o Alqueva, bem pensado, mal aproveitado), permitiram dotar Portugal dum conjunto de equipamentos, nomeadamente em matéria ambiental, que doutra forma teriam sido de concretização impossível – lembre-se o caso da despoluição do Rio Ave. O problema, reconheço-o, é que, como sempre entre nós, o esforço de investimento não foi acompanhado por uma adequada previsão do que representaria o trabalho de manutenção. Acho, por exemplo, que as queixas quanto aos pendulares têm muito a ver com as obras de reparação dos troços afectados do que com o investimento inicial – e nada a ver com o facto de se proibir que as pessoas fumem nos comboios (por amor de Deus!) Aliás, já nessa altura, defendi que devíamos ter seguido a opção TGV (ou CAV).

Em suma, Miguel Sousa Tavares goza com o estado da nação – e fá-lo de maneira engraçada – mas esquece-se do estado deste mesmo país antes de haver a tal auto-estrada, ou a tal estação de tratamento de águas residuais, ou até aquele equipamento colectivo (piscinas, pavilhões desportivos) que serve as populações e (é verdade) contribui para as reeleições dos Presidentes das Câmaras. Estamos melhor do que estávamos há vinte anos? Claro que sim. Poderíamos estar ainda melhor? Sem dúvida. Mas não certamente a gastar dinheiro em apoio a «projectos» culturais ou turísticos de duvidosa validade (a falta de investimento no património histórico e cultural foi certamente um erro clamoroso) ou a apoiar empresas manhosas. Ainda assim, valham-nos as estradas, as pontes, os caminhos de ferro...

Aliás, é estranho que o PSD se preocupe tanto com estas obras em Portugal continental e as apoie na Madeira, quando são feitas por Alberto João Jardim... Disso não acuso Sousa Tavares. Mas acho que ele devia pensar um pouco no país que éramos antes de chegarem esses dinheiros da Europa. A amiga que o acompanhou nesta viagem já lhe teria pedido milhares de vezes para parar numa bomba de gasolina só para poder descansar do enervamento do trânsito. Eu sei – fiz essa estrada com uma amiga minha antes da nova auto-estrada. Ficámos em Coimbra dois dias só porque não queríamos pegar no carro outra vez.

http://maissempremais.blogspot.com/2009/06/miguel-sousa-tavares.html)