Disparates graves
Há certas coisas que se passam em Portugal sobre as quais não sabemos se devemos chorar se rir à gargalhada. O problema, claro, é que essas situações infernizam a vida das pessoas que por acaso se confrontam com elas e se sentem, as mais das vezes, impotentes perante as consequências de acções claramente ilícitas.
Uma vez, em casa da minha Mãe, tendo regressado duma fatigante viagem aos Açores, fui acordado às duas da manhã por uma festa improvisada no largo para onde dava o seu andar. Tratava-se duma flagrante ilegalidade. Telefonei para a polícia que mês disse que não fazia tenção de intervir: que a população tinha direito a divertir-se mesmo se a lei dizia o contrário! Que fazer? Nada... Li um livro até que os «divertidos» decidiram ir deitar-se.
O mãe do meu genro João, a Guida, teve que suportar durante meses uns vizinhos do andar de cima que achavam que ouvir a telefonia em altos berros durante todo o dia era uma forma de vida... De nada lhe valeu chamar a polícia ou a GNR. Julgo que o problema só se resolveu quando tais vizinhos mudaram de casa.
Estas pequenas coisas parecem nada mas a verdade é que, para quem as sofre, se transformam em tragédias quotidianas, não menos horríveis por parecerem o resultado de coisas banais.
Por isso, considero uma notícia no Público de hoje como um claro exemplo do que vai mal em Portugal. Um habitante de Reguengos queixou-se 47 vezes do barulho que fazia uma discoteca ao lado de sua casa. O Presidente da Câmara arquivou todas essas queixas - 47 autos de notícia que a GNR preparou. A sua actuação foi considerada ilegal pela Inspecção Geral da Administração do Território (IGAT) e de tal forma grave que a pena seria a perda do mandato. Como, entretanto, o caso prescreveu, nenhuma sanção foi aplicada ao autarca.
Mas o que mais me espanta – e enoja – é a justificação do dito Presidente da Câmara, um senhor chamado Vítor Martelo, cujas palavras (desculpem este ataque de snobismo) correspondem perfeitamente ao seu nome. Martelo garante que «todos os autos de notícia da GNR deram lugar à instauração dos correspondentes processos de contra-ordenação e neste âmbito é que se procedeu ao arquivamento dos mesmos». E sublinha que, «independentemente do arquivamento legal dos autos por não se considerarem provados, entendia que havia uma discriminação relativamente a este estabelecimento face a outros similares, já que, era público e notório, estes, sim, violavam sistematicamente o horário de funcionamento sem que tal situação tivesse sido alvo de levantamento de qualquer auto de notícia» por parte da GNR.
Ou seja, havia vários estabelecimentos que violavam a lei. Assim, para não discriminar, absolvia-se um deles em vez de os acusar todos. Digam-me lá se não é mesmo de chorar!
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home