segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Ainda os livros electrónicos - Desacordo com Francisco José Viegas

Ele há pessoas inteligentes que dizem grandes asneiras. Francisco José Viegas é indubitavelmente inteligente e, para além disso, um bom escritor de que gosto muito, um excelente director de uma revista notável ("Ler") que só não assino por ter medo que acabe bruscamente. Contudo, o seguinte passo do seu blogue, “A Origem das Espécies”, é um disparate pegado. Não há quase nada que se aproveite neste texto escrito certamente em hora de menor inspiração.

Quando os entusiastas do e-book festejam o lançamento de mais um novo leitor de livros electrónicos, tenho dúvidas. Tenho dúvidas porque sou conservador – e tenho dúvidas porque tenho receio da pirataria informática que afetará (sic: acordo ortográfico) os direitos de autor e a indústria do livro. Ontem, o CM (Correio da Manhã, presumo) noticiou: o título mais pirateado das bibliotecas digitais foi o Kamasutra, com cem mil a 250 mil cópias falsas. Neste caso não há problema com os direitos de autor, evidentemente – mas o top das falsificações revela o perfil do pirata de livros: "softporno", informática, bricolage (não estou a brincar) e em oitavo lugar vampiros e Stephenie Meyer. Ainda são piratas de pacotilha. A "The Economist" diz que até 2011 se vão vender 18 milhões de leitores de e-books. É fazer contas, piratas.

O que falta aqui, como qualquer espírito, mesmo que muito distraído, verificará, é uma comparação com as vendas de livros em papel – que seriam os verdadeiros livros, os bons, os próprios, na opinião de Francisco José Viegas. Será que a situação é muito diferente? Não conheço os números relativos ao Kamasutra mas os de Stéphanie Meyer não enganam. Na Amazon papel, ela também foi uma das autoras mais vendidas. Assim, parece que o problema não está na forma mas no conteúdo. É desagradável que as pessoas prefiram livros de vampiros à Comédia Humana, de Balzac. Mas isso nada tem a ver com os e-books. Pelo contrário, na Amazon, neste detestável formato electrónico, é possível comprar quase todas as obras de Balzac, todas as obras de Dickens, a maioria das de Henry James, os sete romances de Jane Austen, e uma enorme quantidade de outros grandes romances de outros grandes autores, por menos de dois euros. Repito: todas (ou quase todas) as obras destes escritores (mais Conrad, Dostoiésvski, Tolstói, Platão, Santo Agostinho, e tantos, tantos, outros) por menos de dois euros. O que não acontece, evidentemente, nas edições em papel.

Claro que Francisco José Viegas se refere à pirataria de livros - e não às suas vendas, embora o seu texto não seja imediatamente claro a este respeito. (Piratas ou não, esses são os livros que se lêem). Compete à indústria do livro, como à da música, encontrar formas de evitar esse estado de coisas. Com a certeza de que a solução não é a de colocar entraves a esta nova maneira de vender livros. É como se, no tempo de Gutenberg, alguém se tivesse lembrado de impedir a impressão por causa da enorme qualidade dos manuscritos iluminados.

Chamem-me conservador. É por isso que considero magníficos os livros electrónicos. Francisco José Viegas dá a impressão, certamente falsa para quem o conhece, de que prefere manusear os livros. Eu prefiro lê-los. Em papel ou no Kindle. Não importa.