Tia Paule - Netos
E, para terminar esta forma de lembrança, aqui fica o texto lido pelo Tiago, neto mais velho, na missa do trigésimo dia.
Querida Avó Paule,
Não lhe vou falar de recordações de infância ou de episódios ou momentos que foram vividos sem a noção de que um dia ia partir. Porque esses ficarão para sempre na minha memória e no meu coração.
Quero antes dizer-lhe que a Avó era uma mulher inteligente, interessante, independente, sensata, carismática. Sem ser muito afectiva, conseguia ser extremamente doce e calorosa.
A Avó para mim era uma figura emblemática que representava a mulher forte dos tempos modernos e que se antecipou à sua geração. A Avó foi alguém que deu tudo e que dedicou a sua vida à família, mas sempre com o seu próprio espaço inviolável e impenetrável.
Bastou um olhar seu e um sorriso para que o Avô Ângelo , que era um grande homem, saber que a Avó Paule era a mulher com quem queria passar o resto da vida. (Era) o tipo de mulher que todos os homens gostariam de ter ao seu lado, mas poucos ousam arriscar, exactamente pelo espírito independente e pelo desafio que comporta ter uma mulher assim - segura, forte, sem falsos moralismos, nem princípios obsoletos e pouco consistentes.
A Avó foi para mim muito importante e recordar-me-ei sempre dos nossos almoços, em que eu sentia que podia falar de tudo consigo. Não ia ter com a Avó para ser simpático e fazer uma boa acção mas sim porque gostava muito de falar consigo. E quando me ia embora, não ia com a sensação de dever cumprido. Ia sim com o sentimento de paz de espírito por poder falar consigo à vontade, sobre tudo o que me ia na alma e que estava a viver naquele momento. Falava consigo de qualquer assunto que quisesse, sem haver momentos de silêncio e mesmo de coisas de que normalmente não se falam com uma Avó. Quando achava que me estava a exceder e eventualmente ser atrevido, pedia-lhe, envergonhado, desculpa. E a Avó dizia:
"Menino, eu sou da terra do biquíni, e a mim nada me choca...!"
A Avó foi livre e independente até ao fim. Quando a fui ver ao hospital dias antes de partir, estivemos um bocado a conversar, e mal sabia eu que seria a última vez que falaríamos.
E a Avó disse-me uma coisa que nunca esquecerei: que a única pessoa a quem eu tinha que provar qualquer coisa, era a mim próprio...
Perguntei-lhe quando voltaria para casa. E a Avó, que já não conseguia sequer levantar-se, respondeu-me:
"Se não me derem alta, apanho um táxi para o aeroporto, vou para Nice e quem quiser que vá à minha procura!"
Beijo grande, Avó
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