Conclusão
Sempre fui uma pessoa privada. O meu universo não se resumiu exclusivamente às minhas filhas e ao meu filho, e mais tarde às minhas netas, mas a Sofia, a Inês, a Trezzu e o Dico, e depois a Xá e a Constança, foram sempre a parte mais importante da minha vida. Nunca me impliquei de forma inteira na vida profissional: não me interessava. Concentrei os meus esforços em criar em torno de mim, com as minhas filhas e o meu filho, as minhas netas, e os meus filhos por acrescento, um espaço de amor e de ternura. Dei-lhes o que podia. Fui recompensado: recebi tudo o que dei e muito mais.
Minhas queridas, meu querido: aflige-me não vos encontrar palavras de consolação. Não sou religioso; não acredito que voltemos a encontrar-nos. E sei a dor, a tristeza, imensas, que a minha morte vos deixará. É isto que mais me desola. Não poder ver-vos mais, não ouvir os vossos risos, a vossa voz, as nossas discussões; não reatar esta comunhão que sempre nos uniu. Um universo em que todos cabíamos, e que se abriu, ao longo dos anos, ao Diogo e o João. Posso apenas dizer-vos que nunca perdemos aqueles que amamos. De uma certa forma, estaremos juntos: na vossa memória e, sobretudo, no vosso coração. São bocados de mim que guardarei convosco. Parece pouco mas, em alguns momentos da vossa vida, será muito.
Hoje é dia de tristeza mas não quero esquecer a alegria. Os meus livros, a minha música, o meu i-Pod... Vejo-me, por vezes, já depois dos cinquenta anos, desenhando nas ruas uma figura algo desajustada, com os auscultadores pendurados nas orelhas, um livro nas mãos, a mochila a tiracolo, e, mergulhado na leitura, sucedendo-se os inevitáveis encontrões com quem me cruzava distraído. E o mar, as ondas da Foz do Arelho, a praia, Cascais, a Pérgola, as livrarias, as discotecas... Isto é o que quero que principalmente recordem, os momentos felizes: o nascimento das minhas filhas, do meu filho, das minhas netas, algumas conversas com a minha Mãe, as conversas de sábado com a Xá, o riso da Constança, algumas viagens a Itália, e tantos momentos de tranquila solidão, aquela solidão que se suporta facilmente porque se sabe que o bulício das crianças que entretanto cresceram virá decerto e depressa.
E quero lembrar alguns amigos. O Francisco, meu irmão, que comunga comigo da memória da Mãe, e a Nanuz; o Pedro, primo que se transformou em irmão, com o seu optimismo que tantas vezes me deu forças, e a Ana; o Rui, o mais velho amigo, mais de quarenta anos em cumplicidade, mesmo se às vezes longínqua embora nunca distante, e a Margarida; o Carlos, sem quem estes últimos meses teriam sido muito mais difíceis, e a Prista; e alguns outros.
Sendo eu esta pessoa íntima, privada, sempre pensei o meu futuro com muitos anos mais, rodeado da minha família, filhas, filho, filhos, netas, netos, até bisnetos. É apenas nesta medida que sinto esta partida como uma injustiça: mas a sorte, ou a má sorte, decidiu de outra forma. Não queria ir-me embora tão depressa. Não parto resignado: queria viver. Enraivece-me ter de deixar-vos cedo: queria ficar convosco muito mais tempo.
Mas não tenho medo.
E pronto. Se a minha vida acabou agora, a vossa vida, Sofia, Inês, Trezzu, Dico, Xá e Nini, continua ou começa. Gostaria, depois destes momentos de tristeza, que ela fosse coberta de alegria e, principalmente, de ternura. Porque esta é a mensagem que vos deixo: a ternura que semeei em vós e que quero que continue a crescer, mesmo que eu esteja longe. Esta ternura dar-vos-á o amparo necessário.
Minhas queridas, meu querido: o vosso amor foi o que de mais importante me aconteceu. Despeço-me com as mesmas palavras das minhas mensagens. Um grande beijinho et je vous aime beaucoup.