sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Sous les vents de Neptune - Filme policial francês

Não sou um apreciador incondicional dos romances policiais de Fred Vargas (uma mulher, apesar do nome), cujo herói, Jean-Baptiste (como Molière) Adamsberg, me parece normalmente demasiado artificial: pouco asseado, nada amigo de duches ou banhos e, ainda por cima, com a mania desagradável de fazer o seu jogging matinal já vestido com as roupas que leva para o emprego, solitário em excesso, um género de personagem à espera de encontrar alguém que o compreenda. Mas gostei bastante da adaptação que fez Josée Dayan (outra mulher) deste romance «Sous les vents de Neptune» transmitido em dois episódios, sexta-feira passada e hoje, na France 2, com Jean-Hugues Anglade no principal papel e com a participação especial e extraordinária de Jeanne Moreau. A intriga foi bem transcrita, as personagens bem desenhadas e há um ritmo pouco habitual nos filmes policiais franceses que me atraiu. Recomendo.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Fidel Castro - Traidor de um ideal

É hoje difícil compreender como Fidel Castro conseguiu, durante tantos anos, representar uma esperança para a libertação dos países sujeitos ao colonialismo. Quando derrubou Batista, o antigo ditador cubano, Fidel ascendeu ao estatuto de herói de uma guerra de libertação. O simples facto de ter posto fim à influência norte-americana num país da América Latina desculpou-lhe quase tudo. E, no entanto, bem cedo podíamos todos ter compreendido o carácter abjecto do regime de Fidel: a liberdade espezinhada, as prisões cheias, as vozes caladas, as mentes ocultas, dissidentes perseguidos, homens e mulheres destruídos, homossexuais e outros que se recusavam a viver segundo as regras do regime (penso principalmente em Reinaldo Arenas, esse grande escritor cubano que se suicidou no exílio) enxovalhados e forçados a fugir de Cuba – enfim, todos os que discordavam do líder máximo ou simplesmente queriam viver a sua vida, aqueles que «por serem fiéis a um Deus, a um pensamento, a uma pátria, uma esperança, ou muito apenas à fome irrespondível que lhes roía as entranhas, foram estripados, esfolados, queimados, gaseados, e os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido, ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória, (os que) às vezes, por serem de uma raça, outras por serem de uma classe, expiaram todos os erros que não tinham cometido ou não tinham consciência de haver cometido», nas belas palavras de Jorge de Sena. Fidel enganou todos os que acreditavam no mundo melhor prometido pela ilusão do comunismo. Se há diferença entre o comunismo e o fascismo ou o nazismo - e eu penso que ela existe - ela só pode estar na intenção porque a prática, afinal, se revelou quase idêntica. Como até Raymond Aron reconheceu em L'Opium des intelectuels, os defeitos do comunismo, se desfaziam, na prática, o seu ideal inicial, não lhe retiravam a maior valia moral face ao nazismo ou ao fascismo, na medida em que o seu objectivo era a melhoria da condição dos ofendidos e humilhados enquanto que, nestes últimos regimes, se tratava apenas de dar poder a um grupo de poderosos e arrogantes convencidos que valiam mais do que o resto da humanidade. Mas, no caso de Fidel, como no de Lenine ou Estaline e tantos outros, esse ideal sempre espezinhado não foi senão a máscara do oportunismo. Com a sua demissão, hoje, sai de cena um reles ditador, tarde e a más horas, pela porta pequena, pela porta das traseiras, sem acusação ou culpa formada, sem julgamento, sem pena, sem castigo. Deixa os que sofreram sob a sua ditadura sem sequer (por enquanto) a possibilidade de serem reabilitados, sem reconhecimento nem desculpa. Tal como vão as coisas, quando morrer, terá direito a funerais nacionais. Mas não merece que tenhamos pena dele.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Cheias em Lisboa

E que fazem o Ministro do Ambiente e o Presidente da Associação Nacional de Municípios? Discutem de quem é a culpa. Como já há alguns anos atrás, o Presidente da Câmara de Lisboa e (outro) Ministro do Ambiente. Assim vai o país... A mim, aqui em Bruxelas, estas controvérsias quase que me dão vontade de rir. Mas em Lisboa, as pessoas não devem achar graça nenhuma. E pode ser que, daqui a pouco, venha aí o Primeiro-Ministro, com ar irritado ou maçado, dizer que são manobras da oposição, como aconteceu com a manifestação dos professores no Largo do Rato - qualificada como tentativa inadmissível (porquê?) de influenciar um partido político. Só queria lembrar que era o que também dizia o Professor Marcelo Caetano. De acordo, Sócrates não é fascista: só não gosta que o contrariem. Para quando algumas conversas em família?

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Obama - A vitória ao alcance da mão

Os resultados das primárias e caucus de ontem, aliados aos das do passado fim-de-semana, confirmam a quase irresistível progressão do Senador Barak Obama e acentuam o clima de derrota que pesa sobre a candidatura de Hillary Clinton, ocupada agora em aceitar as demissões da maioria dos membros dirigentes da sua campanha. Obama parece ter conseguido apoios importantíssimos nos sectores que tradicionalmente apoiavam Clinton (mulheres e trabalhadores) e seria disparate negar o momentum está do seu lado. Nada está ainda completamente decidido mas as coisas apresentam-se feias para o campo adversário. Só uma mais que convincente vitótia no Texas e em Ohio (em Março) pode ainda salvar Hillary Clinton; mas é cada vez mais improvável e alguns jornais já começaram a compará-la a Giuliani. De alguma forma, lamento que as coisas se passem deste modo (parecia-me importante ver uma mulher como ela na Casa Branca) mas, mesmo tendo em conta as inegáveis qualidades pessoais de John McCain, o meu voto no confronto entre Obama e McCain vai sem sombra de dúvida para o primeiro. McCain tem o apoio dos neo-conservadores (embora não da direita religiosa e da ala anti-impostos do Partido Republicano) e é favorável à continuação da guerra no Iraque, tendo mesmo apoiado o reforço das forças militares decidido por Bush no ano passado. Preocupa-me, em Obama, a sua inexperiência e desagrada-me o seu carisma, que se baseia, em grande parte, num certo desconhecimento de uma personagem que está na política há muito pouco tempo. Mas nada disso é suficiente para me fazer preferir a (má) experiência de McCain em matéria de política externa.

O povo de Sócrates

Depois da morte do meu irmão, tenho prestado pouca atenção às notícias que vêm de Portugal. Mas, ao compulsar jornais antigos, dei com uma informação segundo a qual, numa cerimónia de balanço e perspectivas do «Simplex» – Programa de Simplificação dos Procedimentos da Administração Pública, o Primeiro-Ministro teria dito que confiava nos portugueses.

Embora eu pensasse, ingenuamente, que as coisas se deviam passar exactamente ao contrário, com os portugueses a confiar no Governo e não este neles, fico descansado. Ao contrário do que previa Brecht para a desaparecida RDA (em tempos que se acreditavam ultrapassados), o povo não será dissolvido. Valha-nos isso.

Resta acrescentar que, na dita cerimónia, foram apresentadas nada menos do que 180 medidas com o objectivo de simplificar procedimentos, o que levanta logo algumas dúvidas sobre o sucesso duma iniciativa que, para tornar as coisas fáceis, utiliza métodos tão complicados. Algumas dessas medidas agrupam-se num pacote chamado «Simplex sénior» que, como o nome indica, se dirige aos cidadãos mais velhos e que se baseia essencialmente na sua reconhecida capacidade em utilizar computadores e sistemas de mensagens electrónicas. E eu que pensava, como antigamente o Ministro Mariano Gago, que esta coisa da iliteracia informática era um problema em Portugal. Saliento ainda que uma personagem de que não recordo o nome veio à televisão dizer que mesmo estes cidadãos mais idosos que não saibam utilizar computadores têm sempre alguém na família que o pode fazer por eles. E eu que pensava, como antigamente o Ministro Vieira da Silva, que um dos problemas principais dos mais velhos era a solidão em que tantas vezes se encontram. Estes problemas devem ter sido entretanto resolvidos.

Afinal, Portugal mudou mesmo muito nos últimos anos. Deve ser, precisamente, por causa do «Simplex».

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

João Luís (23 de Julho de 1956 / 3 de Fevereiro de 2008)

Passámos quase cinquenta e dois anos juntos – e de certeza mais de trinta a discutir. Nunca berrei com ninguém como contigo, nunca berraste ou berrarás agora com ninguém como comigo. Durante muito tempo, não nos demos bem: a rivalidade natural entre dois irmãos de idades muito próximas, eu, o filho mais velho, tu, o mais novo e, depois, com o nascimento do Kiko, o filho do meio. A morte do Pai, quando éramos ainda adolescentes, não contribuiu para melhorar as nossas relações: foste para um lado, eu segui outro caminho. Mas foi a morte da Mãe que nos aproximou e reuniu. E imagino o seu sorriso, João, ao pensar que nos tínhamos tornado amigos, que nos falávamos quase todos os dias, que nos ajudávamos e, milagre, que já não discutíamos. Passámos, com o Kiko, uns bons momentos juntos nestes dois últimos anos. Estavas numa fase boa, sentias-te bem, mesmo com a diálise e os problemas dos rins. Os meus filhos aprenderam a gostar de ti e recordam agora o teu feitio cáustico, a tua ironia destrutiva, nos nossos almoços nessa marisqueira de Lisboa a que nos levaste pela primeira vez. Fico tão contente, tão contente, de que a nossa reconciliação tenha permitido que a Sofia, a Inês, a Teresinha e o Diogo (e até os meus genros, Diogo e João) guardem de ti esta imagem de ternura que não teriam se tivesses desaparecido mais cedo. Eu próprio só muito recentemente compreendi o que nos unia, a nós e ao Kiko. Devemos à Mãe essa certeza de que mais tarde ou mais cedo nos aproximaríamos e que a ternura que, em sua opinião, tinha que existir entre nós viria ao de cima. Veio. Foi só pouco o tempo de a vivermos, de partilharmos esse amor. Daí a minha desolação, o meu pesar, até o meu remorso.

Se o céu existe (e, nestas alturas, dá imenso jeito pensar que sim), já terás ido esta manhã tomar a bica com a Mãe e contar-lhe as tuas intermináveis histórias. Não te alongues muito na conversa, deixa-a sossegar um bocadinho e habituar-se à tua presença. A Mãe foi a pessoa que sempre, sempre, te ouviu. Se o céu existe, como disse, ao menos estarás acompanhado.

Amo-te, meu irmão. E vais fazer-me falta. A tua vida foi complicada, dolorosa e dura (digam o que disserem, perder o Pai aos dezoito anos, é difícil!) Passaste por muito, muitas vezes por tua culpa, outras nem tanto. Mas sempre te levantaste, sempre continuaste. Eras um batalhador, um homem teimoso. Nunca deitaste para trás das costas a responsabilidade que sentias perante a Isabel, tua mulher, o Luís Maria e o Manuel, teus filhos. Nunca fugiste de batalhas e combates: sempre renasceste. Mal ou bem, enfrentando maiores ou menores obstáculos, nunca desististe! Eu não teria tido essa força...

Descansa agora, João. Um beijo. Que era a forma que tínhamos de nos despedir. Que foi a última palavra que nos dissemos quando falámos ao telefone na quinta-feira passada. Descansa, meu irmão, meu amigo.