sábado, 28 de julho de 2007

Simão Sabrosa

A primeira imagem do telejornal da uma da tarde de hoje foi esta: Simão a chorar. (Passados poucos segundos, tivemos, aliás, direito a repetição das frases e das lágrimas.) Ouvimos o jogador dizer que ia oferecer a última camisola que vestiu ao serviço do Benfica «ao Presidente, (...) grande amigo.» E, mantendo a veia poética, Simão acrescentou que vai «recordar a história» esperando «ser tão feliz» no Atlético de Madrid como o foi no clube que agora deixa. Simão disse ainda que gostaria de regressar um dia e anunciou que «agora, vou ser apenas adepto (do Benfica) e vou torcer para que a equipa continue a ganhar.» O que terá decerto animado Fernando Santos, a quem o Presidente (para não haver confusões, trata-se de Luís Filipe Vieira e não de Cavaco Silva) já tinha dito que se aguentasse porque nenhum treinador, em nenhum clube do mundo, se poderia queixar do plantel que o Benfica tem.

Tudo bem. O jogador vai para onde lhe pagam mais ou lhe oferecem melhores condições. Nada a dizer! O futebol é um negócio, Simão é um profissional, e nestas palavras não há nenhuma intenção pejorativa.

Mas será necessário começar um telejornal com uma notícia destas? Isso não acontece, que eu saiba, noutros países europeus. Seria impossível no Reino Unido e não sucede nem em França nem na Bélgica. Não sei como se passam as coisas em Espanha e Itália mas custa-me a acreditar que a transferência de um jogador mereça estas honras de primeira página nas televisões. Porque será que estas coisas ocorrem em Portugal? Como dizia O’Neill: «Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo. (...) Ó Portugal se fosses só três sílabas / de plástico que era mais barato.»

Campo santo










O meu Pai também tinha os olhos muito azuis. Por isso, este poema de Vasco Graça Moura sempre me comoveu. Mas o meu Pai nem vinha de Leça mas da Covilhã, duma cidade que, na altura, estaria como nestas fotografias aqui em cima (e muitas vezes me pendurei na balaustrada que se vê na fotografia da esquerda), nem está em Leça, mas nas Caldas, como a minha Mãe, no jazigo que lá temos. Mas isso são detalhes. O que importa é a sensação de pena e de distância que nos deixa o poema e, ao mesmo tempo, o orgulho e o amor que nele descobrimos.


campo santo em leça da palmeira

o meu pai está em leça da palmeira, lá perto do farol da boa nova,
num cemitério varrido pela nortada e pelo cheiro a maresia,
não longe das melhores coisas do siza vieira e de lugares do antónio nobre,
não longe da petrogal e dos seus grandes cilindros metálicos,
não longe do lugar onde nasceu, numa casa depois demolida para as obras do porto de [leixões,

quando ele era pequeno. um dia a mécia de sena trouxe uma fotografia,
cedida por um amigo comum, de um renque de casas junto ao mar.
fiquei com uma ideia da casa dos meus avós na leça de fins do século
e de como o mumdo é ainda mais pequeno do que eu imaginava.
agora o meu pai já só escuta o ronco da sereia e as buzinas do nevoeiro,

e passa-lhe por cima, em cadências regulares, um facho de luz rasgando a noite.
agora já não vê as banhistas a menearem-se entre o sol, a areia e a água,
nem diz "olha, aquela é muito potável" com um riso que sempre irritou a minha mãe,
agora fiquei eu com a integral do balzac que ele passava a vida a ler,
e faz-me a maior das impressões que ele esteja para ali sem livros, sem o eça, sem nós todos.

o meu pai morava ali perto. no silêncio das luas já não sabe onde era a sua casa.
a gente passa nos dias do costume a deixar-lhe flores e algum recolhimento,
ou então um de nós diz "fui com a mãe pelo cemitério", sem falar no nome dele.
isso não é uma rasura, mas um sinal mais forte que perturba a densidade das palavras,
porque o meu pai tinha os olhos muito azuis, e essa cor às vezes fica ali no mar.

(Vasco Graça Moura)

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Retorno ao trabalho

De regresso ao trabalho, na Comissão, ainda com bastantes dores (como prova, ofereço o facto de não ter participado nos últimos torneios de bridge do clube) e com pouca paciência. Felizmente é Verão - embora aqui, em Bruxelas, se possa duvidar - e não há muita gente a pedir coisas sem interesse nenhum. Espero ansiosamente o dia 9, em que me vou daqui para o Algarve, para o sol e para o mar, com toda a minha gente.

sexta-feira, 20 de julho de 2007

Cervicais




Há uma série de artigos que gostaria de preparar (um sobre Maria Callas, de quem em Setembro se comemorará o trigéssimo ano da morte; outro sobre Manuel de Lucena e a sua obra «O Salazarismo») mas as minhas dores cervicais não me deixam quase chegar ao pé do computador. Por isso, esses projectos têm que esperar algum tempo.

A título de informação, segundo me dizem os médicos, é a vértebra C7 que me provoca as dores.

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Harry Potter

Fui ver, com a Teresa e o Diogo, o último Harry Potter: Harry Potter and the Order of Phoenix. Uma sala de cinema cheia, num raro dia quente (e, como sempre, quando quente em Bruxelas, húmido, com as roupas a colarem-se à pele e o cortejo de cheiros a acompanhar.) Tenho gostado dos filmes de Potter mas este desiludiu-me. Noto um certo cansaço, mais na mise en scène cinematográfica do que no argumento (que até me pareceu razoável), a tentativa de provocar riso fácil (com a personagem da professora mandada pelo Ministério da Magia para substituir Dumbledore, o velho director de Hogwarts, a escola dos feiticeiros), e até uma certa displicência na utilização dos efeitos especiais, que estão, em minha opinião, a léguas dos anteriores filmes da série. Entretanto, Harry Potter e os seus amigos cresceram e é relativamente ridículo apresentá-los como se tivessem catorze anos. (Na altura em que fez o filme, Daniel Radcliffe já participava na peça Equus num teatro londrino e aparecia em palco completamente desnudo, como se vê na fotografia abaixo que, ao que parece, segundo informação do Guardian, teve imenso sucesso na Internet, nomeadamente nos sites gay.) Mas da nova idade dos alunos de Hogwarts, disso, o filme apenas nos dá um laivo de lembrança numa cena em que Harry dá o seu primeiro beijo a uma bonita chinesa da Terra dos Feiticeiros. Mesmo assim, minutos depois, limita-se a dizer aos amigos embasbacados que o beijo foi «molhado»! Um tal comentário, nos nossos tempos, nem mesmo aos doze anos, mas ficamos a supor que, na Terra dos Feiticeiros, ainda estão em voga alguns valores vitorianos...

O principal problema do filme é que o enredo é pouco credível – sem ironia: pouco credível mesmo tendo em conta que se trata dum filme sobre feiticeiros, pouco credível duma forma que não acontecia nos filmes anteriores – e que as personagens foram desenhadas de forma apressada. Para além disso, é excessivamente longo e muitas vezes maçador. Isto, a juntar ao ambiente irrespirável dos cinemas bruxellois (e desta terra em geral) em dias de calor, fez que esta ida ao cinema só tenha sido agradável pela companhia (espero que a Teresa e o Diogo vejam - e leiam - este artigo) e pelo jantar que se seguiu, no Guignol, um restaurante do nosso bairro de Woluwe St-Lambert que a minha prole adora (e onde já tinha almoçado na terça-feira passada, com a Sofia e o Diogo-genro, quando vieram a Bruxelas para escolher a creche da Teresinha.)

Lisboa: Eleições para a Câmara - O dia depois

António Costa ganhou, com menos votos do que eu esperava. A verdadeira vencedora da noite foi Helena Roseta, que provou que uma campanha pautada por uma intervenção «comedida e construtiva» (José Manuel Fernandes, no Público de hoje; esta minha concordância recente com o que escreve o inefável director do Público começa a preocupar-me) pode dar frutos. Sempre gostei de Helena Roseta, da sua recusa de andar em rebanho, da sua coragem e dessa forma especial que tem de partir a louça. Resta saber qual será a sua actuação na vereação e como poderá contribuir para a governação da cidade. Roseta é melhor na reivindicação do que na acção prática. Mas uma boa intervenção nos próximos dois anos pode transformá-la em candidata credível à Presidência da Câmara em futuro acto eleitoral. A ver vamos...

domingo, 15 de julho de 2007

Lisboa: Eleições para a Câmara - O dia antes

Tudo parece decidido. A acreditar nas últimas sondagens, António Costa ganhará facilmente embora provavelmente sem maioria absoluta. Contas feitas, eu também votaria nele: mas sem entusiasmo de maior, por simples razões de eficácia. A situação na Câmara é de tal modo grave, com o simples serviço da dívida a consumir uma assustadora parte dos recursos financeiros, a proliferação de funcionários, dentro e fora do quadro, com um recurso diaparatado a acessores, boys de confiança pessoal e política, a ausência de estratégia (qual o papel de Lisboa no país, qual a sua posição entre as cidades europeias, qual a sua contribuição para o desenvolvimento económico de Portugal, qual o seu perfil urbano, que tipo de economia citadina, que empresas atrair, que turismo?), as obras adiadas, o trânsito caótico, os casos de corrupção, etc., etc.. Ora, tudo isto parece apontar para a necessidade de um executivo firme e só António Costa, sozinho ou em coligação estável (por exemplo, com o PCP ou com Roseta), está em condições de o assegurar. Se é verdade que me agrada um certo quixotismo presente na candidatura de Helena Roseta, que tem aliás a vantagem, não só de conhecer a cidade mas de ter ideias claras sobre o que é preciso fazer - mas também, infelizmente, a desvantagem de uma incompreensível falta de sensibilidade política, como o prova o simples detalhe de o seu nome nem sequer aparecer no boletim de voto, o que não facilitará a vida dos que pretenderiam nela votar - isso não seria, espero, suficiente para me levar a pôr de parte o único projecto realista que é apresentado aos lisboetas. As dificuldades, claro, começam depois das eleições. António Costa necessita de saber e sorte. Só podemos desejar que os tenha, e em abundância! Por Lisboa...

sexta-feira, 13 de julho de 2007

Outro poema de Eugénio de Andrade





Mesmo cheio de dores nas costas (e escrever no computador é o que me faz pior) quero aqui deixar, por sugestão do Carlos, um outro poema de Eugénio de Andrade, acompanhado duma imagem do poeta enquanto jovem. Certas passagens («meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada»; «o passado é inútil como um trapo») recordam-me Fernando Pessoa / Álvaro de Campos.









Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

(Os amantes sem Dinheiro, 1950)

quarta-feira, 11 de julho de 2007

Nepotismo






















Sabia que a palavra nepotismo tem origem em nipote, que significa sobrinho em italiano? Nesta pintura de Ticiano, um homem a quem o termo pode ser justamente aplicado, embora nada mais fizesse do que o costume na época. Trata-se do Papa Paulo III (Alexandre Farnese, nasceu em 1468, foi Papa em 1534 e morreu em 1549) acompanhado do seu sobrinho, o cardeal Alexandre Farnese, e do seu neto, Octávio Farnese, Duque de Parma. Escusado será dizer que, seguindo uma tradição bem firmada, quer o cardeal, quer o duque, ficaram a dever títulos, comendas e rendas ao Papa tio e avô.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Isto por cá não vai bem (2): Dores nas costas





E as minhas cervicais voltaram a atacar... É a crise anual.

Isto por cá não vai bem (1): O tempo






O tempo está assim e ontem liguei o aquecimento...

A Europa e a Grã-Bretanha: uma entrevista de Giscard d'Estaing

Valéry Giscard d’Estaing, hoje com 81 anos, continua a ser uma das personalidades mais lúcidas da cena política europeia. Este homem que, em termos de inteligência pura (se este conceito tem alguma validade) não perde em comparação com nenhum outro político europeu, viu-se afastado do poder e exerceu sobre o seu país uma influência limitada, muito aquém do que podia esperar-se, unicamente em razão do seu defeito maior: uma arrogância patrícia, propriamente insuportável, traduzida as mais das vezes numa condescendência aborrecida em relação ao resto do mundo. Esta complacência levou-o a desprezar Chirac e a não prestar atenção a Mitterrand. E por isso, de entre todos os Presidentes da Republica francesa, de de Gaulle a Chirac, ele foi o único que não foi reeleito. No seu célebre debate com Mitterrand em 1981, este, muito mais à-vontade do que sete anos antes, lançou-lhe, em resposta à acusação de Giscard segundo a qual ele seria «l’homme du passé», a réplica célebre: «et vous, vous êtes l’homme du passif.» A sorte de Giscard ficou assim selada até porque Chirac, seu antigo Primeiro-ministro, manobrou secretamente para garantir-lhe a derrota (embora publicamente lhe tivesse prometido apoio.) Quando deixou a presidência, Giscard deu aos franceses um espectáculo ridículo, difícil de esquecer mas bem demonstrativo da dimensão do orgulho desse homem em que a soberba fazia esquecer a inteligência: depois dum discurso tosco, levantou-se, deixou a cadeira vazia, e saiu por uma porta de duplo batente que se via ao fundo do ecrã, deixando os franceses perplexos à procura do sentido desse gesto mais do que déplacé que ainda hoje faz o gaúdio de caricaturistas... Como quer que seja, Giscard nunca se recompôs e, anos depois, teve mesmo que assistir, com um sorriso forçado, à eleição de Chirac, que detestava, para o lugar que considerava seu por direito.

Mais tarde, Giscard foi o Presidente da Convenção que, em 2003, elaborou o projecto do Tratado de Constituição Europeia, de triste memória depois dos referendos francês e holandês, nos quais cidadãos irritados por um projecto que parecia avançar sem que ninguém fosse ouvido votaram de forma clara no sentido de matá-lo e enterrá-lo.

Mas Giscard d’Estaing continua a ser, nomeadamente em matéria de política europeia, um homem lúcido, com uma inigualável capacidade de comunicação e persuasão. Vale a pena, assim, ler com atenção a sua entrevista à revista Le Point (5 de Julho.) Para além de alguns esclarecimentos sobre o contexto e os resultados do recente Conselho Europeu, as suas considerações sobre o papel da Grã-Bretanha no processo de construção europeia são essenciais e merecedoras de profunda reflexão.

Giscard considera que os britânicos, em relação ao texto do projecto de Tratado Constitucional, conseguiram atenuar muitos dos progressos arduamente conseguidos: mesmo que não sejam de subestimar os avanços em matéria institucional (presidência estável, comissão com composição reduzida, controlo mais eficaz do princípio da subsidiariedade, melhor organização do poder legislativo do Parlamento Europeu) não há, no texto recentemente aprovado em Bruxelas, «aucune autre avancée institutionnelles que celles prévues dans le projet de Constitution. En fait de nouveautés, il n’y a que quelques reculs ou quelques baisses d’ambition, qui vont dans le sens des demandes britanniques

Mas o essencial dos comentários de Giscard tem a ver com a sua análise da evolução das concepções britânicas relativamente ao projecto europeu. Assistimos a um «changement profond dans l’attitude des britanniques vis-à-vis de l’Europe. Ils sont passés d’une traditionnelle interrogation sur l’intérêt de participer à l’intégration européenne à une conviction: il n’est pas utile pour la Grande-Bretagne de franchir de nouvelles étapes dans (cette) intégration

Esta mudança de atitude verifica-se, não apenas nos meios populares, tradicionalmente desconfiados em relação à Europa continental, mas sobretudo nos meios económicos e financeiros e, através deles, na classe política e naquilo que, antes de Margaret Thatcher, era costume denominar como o «establishment» (e que, claro, continua a existir embora os diplomados de Oxford e Cambridge tenham sido, em parte, substituído por milionários recentes.) Ela justifica-se pelo facto de a Grã-Bretanha considerar que, num mundo caracterizado pela globalização e pela abertura mundial dos mercados, a Europa surge como «un obstacle, un frein, une source de complications.» Londres orienta-se claramente na direcção da aliança atlântica, com os Estados Unidos como parceiro privilegiado, da mesma forma que, pelo menos até 1970, sempre preferiu reforçar os seus laços com a Commonwealth em relação às suas ligações europeias. Ninguém, no Reino Unido, pretende aderir ao euro ou a Schengen; pelo que existe actualmente «une spécificité britannique forte dans l’Union européenne

Ora, isso obriga o governo britânico, mas sobretudo os outros governos europeus que queiram prosseguir na via da integração, na construção duma união estreita entre os povos do velho continente, a reflectir sobre «la nature de la participation britannique à la construction européenne. (...) Il faut imaginer avec (le Royaume-Uni) quelque chose qui ne me paraît pas hors de portée. Intellectuellement, c’est assez facile; pratiquement, c’est plus compliqué. La démarche pourrait être la suivante: dans tout ce qui est économie de marché et coopération intergouvernementale, les Britanniques ont leur place. Dans ce qui est intégration politique, ils peuvent, s’ils le désirent, se tenir en marge. La difficulté est institutionnelle. Comment, dans ces conditions, participent-ils au Parlement européen? Comment votent-ils et sur quels sujets au Conseil?»

Independentemente de concordarmos ou não com o Presidente Giscard d’Estaing (em França, os títulos mantém-se com carácter honorífico mesmo depois de terem cessado as funções que os justificam), não podemos evitar a questão que ele coloca nesta entrevista: a do concreto papel do Reino Unido na estrutura institucional europeia ou, dito doutro modo, do claro afastamento britânico em relação ao projecto europeu. Até porque Gordon Brown, o novo Primeiro-ministro inglês é dos principais representantes dessa corrente de opinião que não compreende o lugar e o papel da União Europeia num mundo caracterizado pela globalização. A posição britânica não vai aproximar-se, nos próximos tempos, da opinião da maioria dos países europeus (que, por outro lado, beneficiariam também se se dessem ao trabalho de reflectirem sobre a sua posição e os seus interesses em vez de papaguearem as palavras dos pais fundadores, como se estas fossem tiradas do Evangelho.) Todos em suma ganhariam em pegar no telefone e fazer uma chamadinha para Clermont-Ferrand.

domingo, 8 de julho de 2007

Um quadro de Rafael

Descobrir, nos nossos dias, um quadro de Rafael de Urbino que não faça parte duma colecção pública ou privada é uma situação excepcional. Por isso, não admira que o Retrato de Lorenzo de Medicis, esta semana leiloado na Christie’s de Londres, tenha atingido o preço de 27,4 milhões de euros, um valor recorde para uma obra deste pintor renascentista, que Vasari considerava o maior de todos.

Rafaello Sanzio ou Santi nasceu em Urbino em 1483. Orfão muito cedo, é educado por um tio e, aos dezasseis anos, ainda em Urbino, entra no atelier de Perugino como aprendiz. Entre 1504 et 1509, vive em Florença, onde descobre Leonardo de Vinci et Miguel Ângelo. Instala-se depois em Roma e torna-se o pintor favorito do Papa Júlio II, o mesmo que encomenda a Miguel Ângelo os frescos da Capela Sixtina. Participa na decoração do Palácio do Vaticano e morre jovem, com 37 anos, em 1520. Entre os seus quadros mais célebres, destaca-se
A Escola de Atenas, em que sábios clássicos (Platão, Aristóteles, Pitágoras, Euclides, por exemplo) são representados sob traços que fazem lembrar homens modernos, como Leonardo, Miguel Ângelo ou Bramante, como que a sublinhar a continuidade entre a Antiguidade e o Renascimento.


Por sua vez, Lourenço de Medicis, duque de Urbino, descendente da famosa família de mercadores e banqueiros florentinos (mas não confundir com Lourenço o Magnífico, de quem era neto), sobrinho de Leão X (que precedeu Júlio II, que o detestava), foi governador da cidade de Florença. O tio contratou-lhe o casamento com uma fidalga francesa, Margarida de la Tour d’Auvergne, prima de Francisco I, rei de França. Desse enlace, nasceu Catarina de Medicis, que viria a casar com Henrique II, filho de Francisco I, e também rei de França depois da morte do primeiro em 1547. Contudo, o reinado de Henrique II dura pouco mais de dez anos já que o rei morre acidentalmente em 1559, ferido por um escudeiro num combate simulado integrado no grande torneiro que comemorava o casamento de sua filha Isabel com Filipe II de Espanha, I de Portugal. Catarina de Medicis foi várias vezes regente de França em lugar dos seus três filhos que sucessivamente ascenderam ao trono e morreram sem descendência, num século conturbado que ficaria conhecido, na história desse país, como o século das Guerras de Religião.

O quadro de Rafael foi provavelmente pintado com vista a esse casamento já que, como era costume, os noivos nunca se teriam encontrado antes da boda. A Christie’s afirma que, no retrato, Lourenço tem na mão esquerda uma miniatura da sua futura mulher.

A autenticidade do quadro não é hoje disputada. É referido num inventário dos bens de Cosme de Medicis e, no século XIX, faz parte do espólio de dois dos mais importantes coleccionadores do tempo: Lord Northwick e o negociante de arte Hollingworth Magniac. Um perito da Renascença Italiana, Sir Charles Robinson (1824-1913), autentifica-o no início do século XX e mais recentemente, em 1971, o Professor Konrad Oberhuber, outro especialista renomado, pronunciou-se também pela autoria de Rafael.

Ira Spanierman, o vendedor do quadro, não fez mau negócio. Comprou-o em 1968 por 325 dólares e vendeu-o agora para, segundo afirmou, poder ainda beneficiar dos lucros do seu (magro) investimento. O quadro só foi, com efeito, autentificado depois da compra e Spanierman teve a sorte de o ter comprado num país que não prevê a anulação do contrato quando se descobre posteriormente o valor anormal do objecto vendido.

E o preço, se bem que elevado, deve ser relativizado. Para quadros de época mais ou menos comparável, o recorde é ainda detido por Rubens (49,5 milhões de libras, em 2002.) Mas estamos ainda a milhas de distância dos recordes obtidos nos últimos anos por quadros modernos ou contemporâneos: 135 milhões de dólares por um Klimt, em New York, Novembro de 2006, ou 72,8 milhões de dólares por um Rothko, muito recentemente em Maio de 2007.

sábado, 7 de julho de 2007

Eugénio de Andrade

Eugénio de Andrade conta-se entre os maiores poetas portugueses de sempre e faz parte do conjunto de poetas da segunda metade do século XX que justificam que esse tempo constitua um dos períodos mais extraordinários de sempre da poesia portuguesa. Para mim, o seu nome acompanha os de Sophia de Mello Breyner, Jorge de Sena e David Mourão-Ferreira para formar o quarteto sublime dos poetas portugueses posteriores a Fernando Pessoa. (Outros, como Torga ou ainda Manuel Alegre, Ruy Belo, Pedro Tamen, Graça Moura, Ramos Rosa ou Fiama Hasse Pais Brandão, podiam ser acrescentados à lista, mas esta representa, como é evidente, a minha sensibilidade pessoal.) Qualquer um deles teria merecido o Prémio Nobel e, se este tivesse sido atribuído a um poeta português, recompensaria um género que, entre nós, assumiu uma pujança notável que suplanta, sem comparação, a prosa lusa do mesmo período. Para além do mais, Eugénio de Andrade é o poeta preferido do Carlos Bonhorst e ele já por várias vezes me censurou o seu esquecimento neste blogue. Mais valendo tarde do que nunca, ficam aqui alguns dos seus poemas.

Antes deles, no entanto, um breve comentário. Os versos de Eugénio de Andrade caracterizam-se por uma enorme beleza formal; cada palavra, cada nome, cada verbo, são cuidadosamente pensados, em função do seu valor expressivo mas também da sua conjugação com a forma e na medida do poema. Há uma profusão de imagens ligadas ao campo, à natureza: aves, árvores, flores, frutos, espigas de trigo, fontes, rios... O amor que o poeta canta é enxertado nestas paisagens construídas que dançam com o corpo, as mãos, a face, os olhos, a boca dos amantes em surpreendentes combinações.

Os seus poemas são belos – mas não são, ao contrário por exemplo dos de Pedro Homem de Mello, cantáveis (era Natália Correia que considerava este último poeta como o poeta cantabile por excelência.) Opõe-se ao canto, precisamente, o rigor do discurso. Uma vez, ouvi Miguel Veiga dizer que Eugénio de Andrade escrevia em papel quadriculado, fazendo corresponder cada quadrícula a uma letra ou a uma sílaba, tal era a sua preocupação com os aspectos formais que lhe apareciam como essenciais para a definição da sua voz e do seu ritmo. Vale a pena considerar as palavras do poeta a respeito da sua própria poesia. Eugénio de Andrade era não só um criador mas também como um espírito lúcido e crítico. Eis o que ele diz de si mesmo: «Sou um homem da margem, na grande tradição da poesia portuguesa, e a criação poética não é para mim coisa amável – a poesia é uma prática de desassossego. (...) A poesia é a fala de uma pessoa com outra. (O carácter da minha escrita), as minhas preferências vão para arquitecturas mais rigorosas, onde um punhado de substantivos e alguns verbos, fascinados pela transparência, se equilibram em tensão constante, e a voz contida não impeça cada sílaba de subir a prumo.»

Aqui ficam alguns poemas.

I.

Só as tuas mãos trazem os frutos.
Só elas despem a mágoa
destes olhos, e dos choupos,
carregados de sombra e rasos de água.

Só elas são
estrelas penduradas nos meus dedos.
- Ó mãos da minha alma,
flores abertas aos meus segredos


III.

Quando em silêncio passas entre as folhas,
uma ave renasce da sua morte
e agita as asas de repente;
tremem maduras todas as espigas
como se o próprio dia as inclinasse,
e gravemente, comedidas,
param as fontes a beber-te a face.

V.

Nos teus dedos nasceram horizontes
e aves verdes vieram desvairadas
beber neles julgando serem fontes.

IX. Madrigal

Tu já tinhas um nome, e eu não sei
se eras fonte ou brisa ou mar ou flor.
Nos meus versos chamar-te-ei amor.

XXVIII.

Hoje deitei-me ao lado da minha solidão.
O seu corpo perfeito, linha a linha,
derramava-se no meu, e eu sentia
nele o pulsar do próprio coração.

Moreno, era a forma das pedras e da lua.
Dentro de mim alguma coisa ardia:
a brancura das palavras maduras
ou o medo de perder quem me perdia.

Hoje deitei-me ao lado da minha solidão
e longamente bebi os horizontes.
E longamente fiquei até sentir
o meu sangue jorrar nas próprias fontes.

(As Mãos e os Frutos, 1948)


Os Amantes sem Dinheiro

Tinham o rosto aberto a quem passava.
Tinham lendas e mitos
e frio no coração.
Tinham jardins onde a lua passeava
de mãos dadas com a água
e um anjo de pedra por irmão.

Tinham como toda a gente
o milagre de cada dia
escorrendo pelos telhados;
e olhos de oiro
onde ardiam
os sonhos mais tresmalhados.

Tinham fome e sede como os bichos,
e silêncio
à roda dos seus passos.
Mas a cada gesto que faziam
um pássaro nascia dos sues dedos
e deslumbrado penetrava nos espaços.

(Os Amantes sem Dinheiro, 1950)

Anunciação da Alegria

Devia ser verão, devia ser jovem:
ao encontro da manhã ia cantando
como quem entra na água.

Um corpo nu brilhava nas areias
– corpo ou pedra?, pedra ou flor?

Verde era a luz, e a espuma
do vento rolava pelas dunas.

Soltei os olhos sobre aquele corpo,
o coração latindo de alegria.

De repente vi o mar subir a prumo,
desabar inteiro nos meus ombros.

Sem muros era a terra, e tudo ardia.

(Ostinato Rigore, 1964)

sexta-feira, 6 de julho de 2007

A Europa e Mugabe

É muito raro encontrar-me de acordo com José Manuel Fernandes, o ultra-liberal (mas vindo da extrema-esquerda) director do Público. Assim, quando isso acontece, é caso para referência e regozijo (ou então, cedendo a um ataque súbito de cinismo, caso para pensar que estaremos ambos enganados!)

Vem isto a propósito da futura cimeira Europa-África, uma das prioridades da Presidência portuguesa, e do convite ou não-convite dirigido a Robert Mugae, Presidente do Zimbabwe, para nela participar. À primeira vista, a situação parece simples. Mugabe é um ditador impiedoso. A sua política, orientada apenas pela vontade de se manter no poder a qualquer custo, traduziu-se e traduz-se (utilizando as palavras de José Manuel Fernandes) em «destruir o país e aterrorizar a sua população.» A oposição é perseguida e os seus líderes são presos e maltratados ao menor pretexto, ou mesmo sem pretexto. A política económica é um desastre: não há possibilidade de atenuar ou sequer matizar esta constatação. A esperança de vida é de 37 anos para os homens e de 34 para as mulheres. Os níveis de incidência do sida são dos mais altos de África e, em cada hora, uma criança sofre abusos sexuais. A agricultura do Zimbabwe foi destruída pela perseguição demagógica aos agricultores brancos – motivada apenas, através da criação dum clima de medo, pela necessidade de evitar uma derrota eleitoral prevista. «No antigo celeiro de África, hoje morre-se de fome.» Não há investimento e a inflação atinge a taxa anual de 3.700%.

É este governante, um homem que desqualifica os líderes africanos e até a luta pela independência, que a Europa, cedendo à chantagem da União Africana, quer convidar para a cimeira. Diz José Sócrates que a cimeira é mais importante do que posições de princípio relativamente a Mugabe. Que, se «há países (europeus) que podem muito bem conviver com a ausência de diálogo político com África ao longo de sete anos, há um país que não convive bem com isso e que não quer que isso continue: Portugal, país que ocupa agora a presidência (da União)». Trata-se duma espécie até agora desconhecida de argumento de autoridade. Sou presidente da UE, logo posso e quero e mando...

Mas nem por isso deixa de ser um argumento fantástico (que, em última análise, poderia ser utilizado para justificar que nunca se interrompessem contactos com qualquer ditador que tivesse merecido o opróbio da comunidade internacional: lembro-me de Milosevic ou Saddam Hussein e pergunto-me se o nosso primeiro-ministro estaria disposto a retirar todas as consequências do que diz também nestes casos!) Quem sofre com Mugabe não é o resto do mundo nem, muito menos, os países e governos europeus ou, em particular, Portugal, cujos interesses José Sócrates considera estarem em jogo nesta cimeira. Quem sofre com Mugane são os cidadãos do Zimbabwe. Vale a pena, assim, ouvir as suas vozes. Em particular, vale a pena pena atentar nas palavras recentes do Arcebispo de Bulawayo, Pius Ncube, que pediu a intervenção não violenta de forças estrangeiras para remover Mugabe do poder, dada a terrível situação em que se encontra o país. Portugal que, no caso de Timor, conseguiu ultrapassar as receitas dum falso e improvável realismo diplomático, devia ter agora a coragem de pautar a sua conduta pelos princípios que defende, especialmente pelo que respeita a uma intransigente defesa dos direitos humanos onde quer que eles sejam desrespeitados. Devia, neste caso lamentável, recusar a presença em Lisboa do tirnao africano. Concordo com os que dizem que a União Africana é a principal responsável por esta situação, ao insistir na presença de Mugabe na cimeira de Dezembro. Mas a chantagem dos governos africanos não deveria merecer senão o desprezo dos políticos ocidentais, para além do mais sempre prontos a dar lições de moral quando se dirigem aos povos do resto do mundo, árabes, asiáticos ou africanos, ou quando apressadamente, e por meras razões de política interna, aparecem a promover esse tonto diálogo de civilizações ou religiões, tão tonto como o choque ou conflito entre elas. (Como já ouvi dizer, as pessoas dialogam e conversam, e até lutam, as civilizações e as religiões não!).

Se a anulação da cimeira é o preço a pagar por não ceder a essa chantagem, so be it. Trata-se de mostrar solidariedade a quem a merece e dela necessita: a população, o povo do Zimbabwe. E isso parece-me muito mais importante do que os benefícios eventuais que podem retirar-se destes grandes espectáculos teatrais que são estas cimeiras.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Mais uma parte da família em Bruxelas

Tenho andado à procura de creche (ou nourrice – daí a fotografia ao lado) para a Teresinha, que vem viver para Bruxelas com os pais em Setembro ou Outubro (O Diogo virá talvez um pouco mais tarde, dependendo do que se conseguir arranjar a nível profissional; a Sofia vai completar o seu doutoramento em Louvain-la-Neuve e começa a 1 de Outurbo.) Grande excitação cá em casa com esta reagrupamento parcial da família. Para mim, como é evidente, não podia haver melhor notícia. A ideia de passar (muito) tempo com a minha neta enche-me de entusiasmo. Vou assumir plenamente o meu papel de avô e baysitter. Prometido!

quarta-feira, 4 de julho de 2007

Libertação de Alan Johnston

Alan Johnston, repórter da BBC, foi libertado depois de 114 dias passados em cativeiro. «É formidável estar livre», disse. «As últimas semanas foram as piores da minha vida. Era como estar enterrado vivo.» Várias vezes pensou que podia morrer: os seus captores ameaçaram-no dizendo-lhe que lhe cortariam a garganta «como a um carneiro.» «Estava nas mãos de gente muito perigosa e imprevisível. Não sabia como as coisas acabariam e pensei que teria cinquenta por cento de possibilidades de escapar com vida. (Os meus captores) falavam em matar-me ou em torturar-me e bateram-me.»

Durante três meses, Johnston não viu a luz do dia. Os seus carcereiros eram muitas vezes «duros e desagradáveis.» Esteve detido em vários locais diferentes: uma vez, num quarto com casa de banho; outra vez, com possibilidade de utilizar uma cozinha ao lado do quarto, com um frigorífico. Os raptores pertenciam a um grupo djihadista. Finalmente, Johston foi libertado com a ajuda do Hamas.

Esta manhã, ao ter conhecimento da sua libertação, lembrei-me de Jean-Paul Kaufmann, que esteve em cativeiro durante três anos, no Líbano, entre Maio de 1985 e Maio de 1988. Recordo as imagens da sua libertação e o seu ar, ao mesmo tempo espantado e feliz, quando viu o seu filho, três anos mais velho, diferente, crescido. Numa entrevista recente, Kaufmann diz que se considera como um sobrevivente, o que o leva a apreciar de forma diferente cada momento da vida, cada minuto roubado a essa morte que viu perto. Mas, ao mesmo tempo, há algo que se quebrou definitivamente. Existe uma linha que divide a sua existência «entre um antes e um depois.» Nunca esquecerá: a recordação do cativeiro é «como uma cicatriz.» Pode-se viver com ela mas ela não desaparece.

Depois de libertado, Jean-Paul Kaufmann escreveu um livro sobre os últimos dias de Napoleão, deportado na ilha de Santa Helena sem esperança de regresso à Pátria, associando uma investigação histórica a uma reportagem sobre a sua visita à Santa Helena dos nosso dias, misturando passado e presente, livro de História e reflexões pessoais. Santa Helena fica a mais de mil e oitocentos quilómetros da costa mais próxima. Ainda hoje, os seus habitantes se comportam, em certos casos, como prisioneiros ou pelo menos como exilados. Napoleão sabia que morreria lá. O que dá particular valor ao livro é a compreensão íntima que Jean-Paul Kaufmann é capaz de transmitir relativamente à experiência de cativeiro que viveu o imperador destituído. O livro chama-se La Chambre Noire de Longwood. Vale a pena lê-lo!

Julho em Bruxelas - Heavy showers



Por cá, continuamos como na fotografia ao lado. Começamos a ficar mesmo deprimidos... Estamos a pagar a melhor Primavera dos últimos vinte anos com o pior começo de Verão: é assim nesta terra. E falta mais de um mês para as férias

terça-feira, 3 de julho de 2007

Vai um cafezinho?

Os produtos NESPRESSO têm todas as características que normalmente associamos a um monopólio: exclusividade (só podemos as cápsulas da própria marca), definição autoritária de preços (que para mais não são baratos) e produtos, etc. Estas condições conduzem geralmente a um mau serviço mas, neste caso, traduzem-se numa inigualável qualidade do café vendido acompanhada duma satisfatória variedade de sabores. Como diz um amigo meu, depois de nos habituarmos ao NESPRESSO deixamos (principalmente na Bélgica) de tomar café fora de casa. E ficamos contentes por estarmos a ser assim explorados... Eu, pelo menos, fico: sou um fã! E não me parece que seja por alguma tendência masoquista.

Terrorismo no Reino Unido














As recentes tentativas de atentados em Londres e Glasgow, cuja concretização a polícia britânica, num misto de sorte e eficácia, conseguiu evitar, colocam problemas particulares. Nos últimos tempos, o Reino Unido tínha-se habituado à ideia dos terroristas vindo de within – acções cometidas por cidadãos britânicos, embora de ascendência árabe, paquistanesa ou indiana. Os terroristas envolvidos nos acontecimentos da passada semana são estrangeiros. São indivíduos com formação universitária (médicos na maior parte) que se encontram no Reino Unido, como emigrantes legais, para formação ou para colmatar as deficiências em pessoal que afectam o sistema de saúde britânico. Assim, como primeira e imediata consequência do que se passou, é de temer que aumente o rigor das políticas de imigração dos Estados membros da União Europeia, que não se caracterizam já por grande abertura.

Um segundo comentário tem a ver com a ligação entre estes actos (felizmente falhados) e o envolvimento britânico no Iraque. Assim como seria ingénuo negar qualquer ligação entre as duas situações (é evidente que o Reino Unido se encontra, em comparação com outros países do mundo, numa situação de maior vulnerabilidade face às ameaças terroristas e que esta situação decorre da política iraquiana de Tony Blair), será perigoso retirar daí conclusões apressadas quanto, por um lado, à justificação (se se pode utilizar esta palavra!) de tais actos ou, por outro lado, a uma eventual correcção das orientações do governo britânico nesta matéria.

A verdade é que nada nunca justifica nenhuma forma de terrorismo. O terrorismo faz cair sobre pessoas inocentes, de forma brutal e indiscriminada, os custos das opções políticas de governos e grupos políticos. Isto não significa que não devamos prestar atenção às suas causas, já que isso até nos ajudará a combatê-lo mais eficazmente. Significa apenas que procurar as causas não é equivalente a procurar justificação ou desculpa. Entre as causas, em particular, é evidentemente preciso não esquecer que o Ocidente (e os Estados Unidos em particular, se não fosse a política disparatada de Bush) tem um papel fundamental relativamente à mais importante questão que envenena as suas relações com o mundo árabe: a questão palestiniana. Aliás, só os Estados Unidos podem exercer pressão sobre Israel para que este país aceite uma solução do conflito que permita que os palestinianos construam um Estado viável em parte da terra que consideram como sua. Neste sentido, a nomeação de Tony Blair como enviado especial do Quarteto para o Médio Oriente, composto pela Rússia, Estados Unidos, União Europeia e ONU, só pode ter sido entendida pelo mundo árabe (mesmo se os governos árabes – por oposição à população – a receberam com enganadora aprovação, e mesmo assim uma aprovação claramente forçada) como uma provocação. Para além das suas responsabilidades no conflito iraquiano, é preciso não esquecer que, aos olhos do mundo árabe, Blair se encontra totalmente desacreditado por ter sido o único político europeu a colocar-se ao lado de Israel em relação à recente intervenção militar deste país no sul do Líbano. Para mim, estes atentados têm muito mais a ver com esta nomeação do que a ascensão de Gordon Brown ao cargo de Primeiro-Ministro.

Isto posto, não é em resposta a actos ou ameaças terroristas que deve ter lugar uma alteração nas orientações de política externa de qualquer país. Se mudança deve haver – e eu creio que ela se impõe, embora de forma que tenha em conta a situação entretanto criada, o que significa que uma retirada unilateral e imediata das tropas estrangeiras estacionadas no Iraque apenas poderá conduzir a mais caos e confusão, impondo-se provavelmente o anúncio duma data limite para a intervenção acompanhado de um plano de estabilização do país (muito, muitíssimo, mais fácil de escrever do que fazer mas também não é a mim que compete estabelecer essas orientações) – ela deve ser pensada num ambiente de tranquilidade evidentemente incompatível com a pressão exercida por esses actos ou tentativas. Gordon Brown deu um exemplo dessa serenidade indispensável ao recusar-se a aproveitar os atentados para impor legislação restritiva em matéria de direitos humanos e especialmente dos direitos de defesa dos acusados em processos de terrorismo. Ele disse que, neste momento, o que importava era investigar plenamente as acções que tiveram lugar em Londres e Glasgow e não beneficiar do clima de apreensão para fazer passar, à pressa, qualquer tipo de legislação – com fizeram nos Estados Unidos com o Patriotic Act. (Com esta atitude, Gordon Brown marcou aliás, numa só frase, a sua diferença face ao seu antecessor, que nunca teria resistido a aproveitar uma ocasião favorável para prosseguir os seus objectivos.) A mesma atitude de prudência deve ser tomada em relação à reconsideração da estratégia britânica face ao problema iraquiano: é matéria que tem que ser decidida mas em seu devido tempo.

E entretanto esperemos que o inquérito em curso, que parece estar a ser conduzido com particular eficácia (embora eu já tenha ouvido dizer que, se os britânicos, beneficiando do número inacreditável de câmaras de vigilância que existem no Reino Unido, são particularmente eficazes nas investigações ex-post, o são muito menos em matéria de prevenção - o que é motivo de preocupação) nos leve a compreeender melhor a organização das redes terroristas que nos ameaçam e consequentemente a combatê-las de forma mais enérgica.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Roubos

Cá em casa, andamos em fase de roubos. Ao Diogo, na quinta-feira, à saída duma discoteca, roubaram o telemóvel. À Teresa, no comboio, aproveitando uma distracção, roubaram a carteira, com telemóvel também mais passaporte, cartão bancário e dinheiro. O homem da loja dos telefones quase ficou admirado por eu ainda ter o meu telemóvel – afinal, o único que resta cá em casa. A Teresa tem seguro, embora não seja evidente que sejamos reembolsados já que o roubo pode ser atribuído a negligência sua; e quanto ao resto, resta pedir novos documentos e pagar. No caso do Diogo, é pura perda.

Má forma de começarem as férias – mas esperemos que a sorte mude e que, depois deste começo atribulado, se sucedam tempos mais calmos. Sei que se diz que os espanhóis não gostam de ver «bons princípios» nos filhos... Mesmo assim, eu preferiria uma certa serenidade.

domingo, 1 de julho de 2007

Respeitinho...

Não resisto a inserir esta caricatura de Luís Afonso (no Público de hoje) no dia em que se sabe que o Ministro da Saúde, invocando uma vez mais o dever de lealdade (mas era bom que se lembrasse ao senhor Ministro que não estamos em sede de casamento e que lealdade não se identifica com uma espécie de fidelidade conjugal, para mais em actos e palavras), não reconduziu, tempos atrás, o director do Hospital de São João da Madeira por este ter assumido posições públicas de discordância com a reformas dos serviços de urgência preconizada pelo Ministério. E se acharem que estou a exagerar nestas críticas, ou a tomar sistematicamente o partido de quem contesta o Governo, desenganem-se: estas atitudes, para além de mesquinhas, são extraordinariamente graves. Até porque a submissão perante a autoridade, a incapacidade de pensar fora de esquemas hierárquicos, a falta de independência de espírito e de sentido crítico e uma certa maneira de ser atenta e reverenciadora característica dos anos do salazarismo são factores decisivos do atraso do nosso país. E nem pensem Sócrates e quejandos que conseguirão construir um país moderno, activo e inovador, se continuarem a pretender que os portugueses se portem como carneiros.