segunda-feira, 29 de junho de 2009

Michael Jackson

De acordo: o resto da sua vida foi um desastre. Mas, nos seus tempos áureos, Michael Jackson não tinha rival. Lembro-me, em Macau, nos meus vinte e seis anos, de dançar até à loucura as músicas do seu álbum Thriller nas diversas discotecas (boîtes) da antiga colónia portuguesa. Com The eyes of the Tiger, do filme Rocky e I will survive, de Gloria Gaynor, Michael Jackson esteve presente na mais complicada fase da minha vida: que me trouxe muitos trabalhos e poucas alegrias. Mas era uma questão de idade: a minha juventude perdida. Por isso, recordo-o com alguma ternura e tento esquecer a tortura dos seus últimos anos.

domingo, 28 de junho de 2009

Provedor de Justiça

Alfredo José de Sousa foi um bom Presidente do Tribunal de Contas e será, certamente, um bom Provedor de Justiça. Tem uma carreira ligada ao Direito e ao controlo e vigilância dos orgãos de Estado. O seu único problema é não ser conhecido. Esta foi a única fotografia que consegui encontrar dele numa pesquisa no Google. Obviamente que isso não é um defeito grave. Mas pode representar uma perda de poder político para uma instituição que devia ser importante, mas a que, infelizmente, quase ninguém liga. O novo Presidente não me parece pessoa capaz de mudar esta situação. Mas espero que ele me desiluda - ou seja, que dê ao cargo o prestígio que merece.

Gestores e regalias

É mesmo por coisas como esta que acho que Campos e Cunha está a brincar quando afirma que os salários dos gestores das empresas cotadas na bolsa e, particularmente, das empresas financeiras, deve ser deixado ao critério dos accionistas.

Nem sequer quero falar de Jardim Gonçalves! Mas outro gestor do BCP, Paulo Teixeira Pinto, não se distinguiu particularmente como seu presidente. Lançou uma operação (falhada) de aquisição do BPI, conseguiu unir contra si a maioria dos administradores do seu próprio banco e foi obrigado a demitir-se pelo homem que o tinha colocado no cargo, este mesmo Jardim Gonçalves. Vale a Teixeira Pinto a sua honestidade: ninguém alguma vez supôs que ele estivesse ligado às manigâncias duma administração corrupta. Concordo. Um homem honesto na selva da desonestidade.

Mas os detalhes do seu golden parachute são, mesmo assim, desconsoladores (hoje, estou em fase simpática). 500 mil euros por mês a título perpétuo, mais 10 milhões de euros como indemnização no momento da demissão! E o direito – é verdade que não o exerce – a dispor do avião do banco e a ver as suas despesas pessoais pagas pela instituição. Se bem me lembro, Teixeira Pinto foi Presidente do BCP por pouco mais de três anos...

Dir-se-á que Ronaldo ganha mais: 30 mil euros por dia. Mas não está reformado! Ainda joga...

Isto diz tudo. Principalmente quando gente como esta pede contenção aos mais pobres...

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Cavaco e Portugal Telecom

Mesmo tendo em conta todas as razões avançadas, será que um Presidente da República deve pronunciar-se sobre um negócio entre empresas privadas? Mesmo se o Estado detiver uma golden-share numa das empresas em causa?

Não! O Presidente não tem estes poderes, estas competências. Ainda podia argumentar-se sobre se o chefe do governo deveria ou não ter uma opinião, ou um poder de decisão, sobre estes assuntos. Na minha opinião, eles deveriam relevar da competência da gestão normal ou extraordinária da empresa - ou seja, dos seus administradores (e é, aliás, por isso que sou contra as tais golden-shares). Mas o Presidente da República? Que tem ele a dizer sobre estas coisas? A sua missão é outra. Cair nestas polémicas prejudica a distância que deveria manter em relação à política politiqueira. Em suma, Cavaco Silva deveria simplesmente calar-se! Os Presidentes não têm que, não devem, botar palavra sobre tudo o que lhes apetece.

Quando parará este Presidente? A concepção que adopta dos seus poderes constitucionais está simplesmente errada. Acrescente-se que, no plano dos princípios, a PT não é diferente da Caixa Geral de Depósitos ou do Banco Comercial Português. Não cabe a um Presidente da República pronunciar-se sobre estratégias empresariais, sejam elas quais forem, em qualquer domínio, sector de actividade ou de negócios. E, muito menos, não lhe fica bem ser o eco da chefe da oposição, que se tinha pronunciado sobre o mesmo assunto no mesmo dia e em sentido idèntico ao do Presidente. Até o Presidente da Associação Comercial do Porto, Rui Moreira, pouco suspeito de simpatia por José Sócrates, o disse.

Má, péssima, maneira de exercer a função presidencial. Mas as coisas são mais complicadas do que isso. No tempo de Mário Soares e Jorge Sampaio, os Presidentes aceitavam que era nos Governos, mesmo se erravam, que se estabelecia a legitimidade da decisão política governamental. Cavaco deixa isso de lado. As suas declarações sobre o TGV mostram-no bem. Infelizmente, para ele, ver-se livre de Sócrates é mais importante do que guardar a integridade das instituições democráticas.

Que tem a dizer a isto um homem como Paulo Rangel, especialista em direito constitucional? Nada! Todos andam na arena da política como os touros feridos dirigidos para o matadouro. Ninguém é capaz - nem mesmo os socialistas que se escudam, como o Ministro da Presidência, em vagas referências à lei sobre a concentração de poderes nos meios de comunicação social, que o PS queria aporovar e que Cavaco vetou, mas sem mesmo o dizer de forma clara - de acusar Cavaco, com esta sua forma de actuar, de preverter o funcionamento do regime constitucional.

Mas, infelizmente, e tendo em conta os nossos brandos costumes, Cavaco será releito faça o que fizer. É pena.

Jorge Miranda, outra vez

A imagem mostra tudo: um homem cansado, farto da triste paródia em que se transformou a política portuguesa, desiste da sua candidatura a Provedor de Justiça. Devia ser difícil encontrar pessoa mais qualificada para o cargo (e não sou apenas eu que o julgo: José Miguel Júdice afirmou-o, alto e bom som, na sua coluna do Público) e, em boa verdade, toda a gente o sabe. Exigia-se, ao menos, um certo pudor da parte de Manuela Ferreira Leite: afinal, Jorge Miranda foi amigo e colaborador próximo de Francisco Sá-Carneiro. Claro que este PSD já não é o partido de Sá-Carneiro. Mas faz pena que, neste novo partido, um advogado como Aguiar Branco não tenha vindo a terreiro defender alguém que, como Jorge Miranda, devia ser uma referência para qualquer jurista português.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Meu doce torrão lusitano

Julgo que regressar a Portugal deve ser assim como deixar de comer mostarda de Dijon e voltar à nossa Savora. Um amigo da minha filha e do meu genro, que deixou Bruxelas há poucas semanas, mandou-lhes uma carta com as suas primeiras impressões. Transcrevo-a com a sua autorização mas sem o identificar porque, no caso contrário, e segundo ele, ainda se arriscava a ir ao programa do (Manuel Luís) Goucha para justificar algumas afirmações que faz e dispor dos 15 minutos de fama a que todo o português tem direito (nem que seja, acresscento eu, a vociferar «linchem-na, linchem-na» numa multidão filmada pela televisão no exercício do seu dever de informar).

Eis a mensagem:

«Aproveito o entre feriados para dar algumas notícias (não é o prometido diário, mas apenas alguns comentários sobre como é regressar ao nosso belo Portugal).

É claro que é bom (sobretudo nos primeiros dias), mas depois a coisa arrefece, perde-se o vapor das saudades e nem os 33º ajudam.

Primeiro conselho: evitar Lisboa. Parece óbvio, mas mesmo assim vou tentar ser claro: é importante evitar locais onde muitos portugueses se juntam. Assim, Lisboa é ponto negro a evitar. E porquê, perguntam vocês? Como já sabem temos a sorte (?) de viver a 10m a pé do Jean Monnet (não do próprio mas do edifício), onde passo longas horas dos meus dias (com uma bela vista sobre o castelo, a baixa e a colina do bairro alto, única coisa boa que consigo encontrar neste sítio para além do ar condicionado). Num dos percursos pedestres diários, de ida e volta, este vosso amigo ia sendo atropelado por várias vezes! "Claro, atravessas à papo-seco, fora da passadeira e com sinal vermelho!", exultam vocês. Errado! É verdade que qualquer idoso português, com uma bengala ou graves dificuldades de locomoção, atravessa assim qualquer estrada e em diagonal para demorar mais tempo. Mas eu, parvo que nem um estrangeirado, atravesso sempre nas passadeiras e mesmo assim (talvez por ter esse estranho comportamento!) arrisco-me a levar com um carro nos costados. Conduzir e andar a pé em Lisboa é o que há de mais parecido com a roleta russa.

A cidade é bonita, a luz fantástica, mas isso só serve para nos ajudar a evitar os cocozinhos que habitam os passeios da bela cidade (e são muitos cocós por metro quadrado).

Também já fui alvo da célebre modalidade do lançamento da escarreta, que se fosse modalidade olímpica seria ganha por um tuga, sem dúvida alguma. E pensam que foi durante um jogo de futebol com ânimos mais exaltados depois de ter fraturado a tíbia a um adversário? Nada disso! Foi num desses passeios onde um senhor se encontrava tranquilamente encostado à porta de um prédio, provavelmente a dar ao petardo a consistência necessária para ultrapassar os 15 metros.

Verdade seja dita, em qualquer destes quase-atropelamentos e do ataque à escarreta, a mão no ar e o pedido de desculpa serviram de alívio de consciência aos idiotas.

Conclusão: sabemos que fazemos asneiras mas mesmo assim continuamos a fazê-las, porque ser javardo (ler em múltiplos sentidos) compensa.

Segundo conselho: isto é o paradigma do desrespeito, da impunidade e do caos. Se muitas razões houvesse para (nos) irmos embora (proximamente), chegar, ver e escarnecer dar-nos-ia muitas mais. Uns amigos com quem jantámos esta semana contaram que na fila de um supermercado, depois de uma outra caixa ter sido aberta e a senhora ter dito "podem passar para aqui, mas por ordem", só não morreram pessoas esmagadas por sorte, tal foi a fúria para ser o primeiro. Em Portugal a palavra ordem tem sempre o prefixo "des".

Fica sempre bem dizer que quem vem de fora tem a mania de só ver o que é mau e não o que está bem. Devo estar a ficar cada vez mais míope. Portugal não é mau, é muito mau.

Mas tirando isto tudo está óptimo.
»

Pois é! Tenho a impressão de que o sentido da palavra «saudade» mudou singularmente nestes últimos anos. Dantes era a nostalgia de estar longe da nossa terra; agora é a doce lembrança dos momentos que passámos fora dela!

Mais novas de Portugal

Acho que vou dedicar-me, a partir de agora, a gozar com algumas coisas que se passam no meu país. Não por mal; apenas por estar farto.

Esta notícia, que apareceu na Última Hora do Público, há pouco mais de uma hora, é daquelas perante as quais só podemos abraçar a pança e rir a bandeiras despregadas.

Um ex-Presidente da Câmara do Porto, um arquitecto chamado Nuno Cardoso de que ninguém se lembra, uma verdadeira não-personagem, foi acusado de favorecer o Boavista. Tratava-se de permitir ao clube «colocar em marcha» a construção de habitações particulares e hotéis sem para tal possuir as licenças correspondentes. O tribunal considerou que Nuno Cardoso agiu ilegalmente ao ordenar o arquivamento das contra-ordenações e a sentença foi particularmente severa, ao considerar que «houve intenção de beneficiar o Boavista FC» e uma «elevada ilicitude de (dos) factos».

Qual foi a defesa de Nuno Cardoso? A de afirmar que os despachos em causa lhe teriam sido ditados! Mas ainda foi dizendo que não se lembrava deles. E qual foi a sua reacção à condenação? A de se mostrar indignado - repito: indignado; REPITO: INDIGNADO; REPITO: INDIGNADO - com uma condenação «manifestamente injusta e parcial» que considera ser uma «mancha» no seu currículo. Ao mesmo tempo, anunciou o seu regresso à política. Repito: ao mesmo tempo, anunciou o seu regresso à política... REPITO... E eu que detesto sublinhados ou letras a negro!

Tratar-se-ia provavelmente duma mancha se o currículo valesse um chavo. Quanto ao regresso à política, deve ser uma nova forma de hilaridade em Portugal à qual, depois de tantos anos no estrangeiro, não estou habituado. Um Presidente da segunda maior câmara do país pretende que despachos, dos quais nem se lembra embora estivessem em causa milhares de contos, lhe foram ditados, acha a sua condenação injusta e pretende voltar à política.

É tarde. Já soou a meia-noite. Digam-me apenas se estou acordado!

sábado, 20 de junho de 2009

Novo mandato do Presidente da Comissão

Gostava imenso de dizer a minha opinião sobre a recondução de Barroso como Presidente da Comissão. Mas não posso: mesmo se este blogue é apenas lido por pessoas de quem sou amigo e o considero, nessa base, privado, não posso esquecer que sou funcionário dessa mesma Comissão a que ele preside. Assim, o meu apoio a essa recondução, ou a minha oposição a ela, fica como assunto de consciência sobre o qual não me pronunciarei publicamente. A questão principal a que o Presidente da Comissão deve dar resposta é a de saber como transformar o projecto europeu para lhe permitir constituir ainda o foco de esperança que foi nas décadas imediatamente a seguir à Guerra e, depois, na altura de Delors. Este é o desafio que se coloca a Durão Barroso ou a qualquer outro homem político que se visse, por vias hoje obscuras, designado Presidente da Comissão. O papel do Parlamento Europeu devia, sob este ponto de vista, ser fundamental: em Julho ou em Outubro, Novembro ou Dezembro, pouco importa. Os povos afastam-se duma Europa que sentem como tecnocrática, preocupada com as suas negociações de «deve e haver», sem ideais para lhes oferecer. Pode até ser, como disse Pulido Valente, que, na Europa de hoje, apenas pretendam paz e sossego - e se estejam nas tintas para projectos, programas ou ideais. Mas eu não concordo com essas tertas. Isso também se dizia dos Estados Unidos e a eleição de Obama provou que, pelo menos pelo espaço duma ilusão, é possível mobilizar as pessoas em busca duma sociedade melhor. Pode discutir-se se cabe à instituições europeias ou aos Governos nacionais essa mobilização: mas a certeza é de que nunca caberá às primeiras se os homens que as liderarem não inspirarem entusiasmo. Por isso, com alguma cobardia mas muito a propósito, transfiro o problema para a nomeação, depois da aprovação do Tratado de Lisboa, do próximo Presidente do Conselho Europeu. E declaro a minha oposição clara (mas é certo que sem consequências de maior) ao nome de Tony Blair.

Irão

Ninguém sabe bem o que aconteceu. É provável, mas longe de estar provado, que o Presidente Ahmadinejad tenha ganho as eleições. Normalmente, a forma que o regime tem de assegurar a sua continuidade é impedir certos candidatos de concorrerem ao voto e não de falsificar os resultados. Mas nunca se sabe. Talvez, este ano, os ayatollahs tenham compreendido que o jogo tinha acabado...

A verdade é que assistimos a levantamentos populares que não aconteceram desde a revolução que acabou com o regime do Xá e criou a República Islâmica. Em suma, alguma coisa de novo se passa no Irão. Numa palavra: a juventude iraniana está farta dum regime que, internamente, a impede de viver em liberdade e que, externamente, se enrodilha em conflitos sucessivos que podem pôr em causa a capacidade do país de se afirmar como potência regional. Os chamados reformadores, com efeito, mais não pretendem do que assegurar a relevância do Irão no Mádio Oriente, como único adversário credível de Israel. Discordam do actual Presidente, Mahmoud Ahmadinejad, sobre os meios utilizados: a sua retórica anti-judaica e anti-americana parece-lhes prejudicar esse objectivo.

O apoio a Ahmadinejad vem das camadas rurais e dos estratos mais conservadores da sociedade iraniana. Resta saber o que decidirão os ayatollahs. Por que é na chamada Assembleia dos Peritos, uma espécie de Conselho Islâmico presidido por Rafsandjani, adversário feroz do Presidente que o derrotou nas últimas eleições e o acusou de corrupção nestas, que tudo se decidirá.

As pessoas que olham para o Médio-Oriente sob a perspectiva enviesada do Estado Judaico não compreendam a necessidade de um Irão forte agora que o Iraque deixou praticamente de existir. A culpa é de George Bush: ninguém, como ele, deixou crescer o poder xiita naquela região, resultado claro da estúpida invasão do Iraque, para além do mais sob pretextos mentirosos. Mas é por isso mesmo que a vitória das forças anti-conservadoras, de Moussavi e dos seus aliados, é fundamental. Os iranianos teriam interesse em entender isto. Mas, se continuarem dominados por uma clique religiosa cujo único objectivo é manter-se no poder, é pouco provável que tragam soluções para os problemas em causa.

Disparates graves

Há certas coisas que se passam em Portugal sobre as quais não sabemos se devemos chorar se rir à gargalhada. O problema, claro, é que essas situações infernizam a vida das pessoas que por acaso se confrontam com elas e se sentem, as mais das vezes, impotentes perante as consequências de acções claramente ilícitas.

Uma vez, em casa da minha Mãe, tendo regressado duma fatigante viagem aos Açores, fui acordado às duas da manhã por uma festa improvisada no largo para onde dava o seu andar. Tratava-se duma flagrante ilegalidade. Telefonei para a polícia que mês disse que não fazia tenção de intervir: que a população tinha direito a divertir-se mesmo se a lei dizia o contrário! Que fazer? Nada... Li um livro até que os «divertidos» decidiram ir deitar-se.

O mãe do meu genro João, a Guida, teve que suportar durante meses uns vizinhos do andar de cima que achavam que ouvir a telefonia em altos berros durante todo o dia era uma forma de vida... De nada lhe valeu chamar a polícia ou a GNR. Julgo que o problema só se resolveu quando tais vizinhos mudaram de casa.

Estas pequenas coisas parecem nada mas a verdade é que, para quem as sofre, se transformam em tragédias quotidianas, não menos horríveis por parecerem o resultado de coisas banais.

Por isso, considero uma notícia no Público de hoje como um claro exemplo do que vai mal em Portugal. Um habitante de Reguengos queixou-se 47 vezes do barulho que fazia uma discoteca ao lado de sua casa. O Presidente da Câmara arquivou todas essas queixas - 47 autos de notícia que a GNR preparou. A sua actuação foi considerada ilegal pela Inspecção Geral da Administração do Território (IGAT) e de tal forma grave que a pena seria a perda do mandato. Como, entretanto, o caso prescreveu, nenhuma sanção foi aplicada ao autarca.

Mas o que mais me espanta – e enoja – é a justificação do dito Presidente da Câmara, um senhor chamado Vítor Martelo, cujas palavras (desculpem este ataque de snobismo) correspondem perfeitamente ao seu nome. Martelo garante que «todos os autos de notícia da GNR deram lugar à instauração dos correspondentes processos de contra-ordenação e neste âmbito é que se procedeu ao arquivamento dos mesmos». E sublinha que, «independentemente do arquivamento legal dos autos por não se considerarem provados, entendia que havia uma discriminação relativamente a este estabelecimento face a outros similares, já que, era público e notório, estes, sim, violavam sistematicamente o horário de funcionamento sem que tal situação tivesse sido alvo de levantamento de qualquer auto de notícia» por parte da GNR.

Ou seja, havia vários estabelecimentos que violavam a lei. Assim, para não discriminar, absolvia-se um deles em vez de os acusar todos. Digam-me lá se não é mesmo de chorar!

sexta-feira, 19 de junho de 2009

António Alçada Baptista (29 de Janeiro de 1927 - 9 de Dezembro de 2008)

Na altura em que morreu, em Dezembro passado, encontrava-me numa fase difícil e não consegui alinhar quaisquer frases que revelassem a dor que a sua morte me causou. António Alçada Baptista era, em nossa casa, conhecido por António Alfredo. Não sei se o nome lhe agradava: provavelmente, trazia-lhe memórias duma Covilhã que amava mas de que conhecia os defeitos. O meu pai era afilhado do seu pai, o médico Luís Baptista (e de Nossa Senhora de Fátima – por isso, se chamava Luís Maria, Luís e Maria, ou Luiz Maria, como sempre assinou). A sua mãe, Natividade Alçada, era a melhor amiga da minha avó. A minha mãe lembrava-se dos serões passados em casa do tio Chico Cruz, nas Penhas da Saúde, em que António Alfredo mostrava o seu talento de conversador – que nunca lhe faltou, mesmo quando os seus romances ficavam aquém das expectativas. Era magnífico quando se tratava de recordar, de lembrar, de contar histórias – numa espécie de trabalho de memória que, hoje e cada vez mais, nos faz falta. Os seus melhores livro são os que contêm pedaços da sua vida: autobiografias, livros de memórias. Menos, talvez, quando fazia apelo à imaginação! Mas havia nele uma sabedoria e um cultura incomparáveis.

Ainda me faltam palavras para falar dele. Tenho a primeira edição volume I da Peregrinação Interior dedicada com palavras que nunca esquecerei: «Ao Zé Pedro, à sua juventude interessada, num abraço que vai dos pais para o filho.» Quando o encontrei pela primeira vez, na Moraes, no seu escritório da avenida 5 de Outubro, porque o meu Pai achava que eu gostava bastante de livros e me enviou ao seu amigo de infância que sabia dessas coisas, saí do seu escritório carregado de volumes que ainda tenho: um deles, a célebre publicação daquela editora sobre o casamento. Recomendou-me que não lesse Marx: que lesse, em vez disso, alguns comentários sobre O Capital. Tinha razão: naquela altura, teria sido incapaz de o digerir.

Alçada Baptista era um sábio, no mais estrito sentido da palavra, no sentido que nos vem dos gregos e, em particular, de Sócrates. Mais tarde, namorei com uma sobrinha sua, a Manicha, prima de Luís Nobre Guedes (Alçada Baptista era casado com Maria José Nobre Guedes), e, por isso, conheci-o um pouco mais. Uma das suas filhas, a Rita, casou com Henrique Moller, meu primo afastado, filho da prima Ana Maria (era assim que se dizia na altura), irmã da célebre Minhana, Maria Alexandra Ranito de Almeida Eusébio, fundadora e directora da escola Avé-Maria, ambas primas direitas da minha avó pelo lado Ranito. A Inês Alçada Baptista casou com o Zé de Almeida Eusébio, cujo pai, era também irmão da Minhana e, consequentemente, primo da minha avó.

Concordo com Vasco Pulido Valente, que o conheceu bem melhor do que eu, quando diz que Alçada Baptista teria aspirado a mais: a mais do que tranformar-se numa espécie de consciência moral do regime democrático. Ele considerava-se como o homem capaz de levar a Igreja Católica e o Estado Novo para fora dos caminhos estreitos seguidos por políticos cristãos e beatos, como Salazar e Cerejeira. Daí a sua mais que estranha defesa de, e adesão a, Marcelo Caetano, condensadas nas célebres «Conversas com Marcelo Caetano», publicadas, se não estou em erro, em 1973, um ano antes da queda do regime – que muita gente nunca lhe perdoou, e com alguma razão. Nestas coisas do mundo, enganava-se com frequência. Nas coisas de Deus e da razão, muito menos! Mais tarde, o seu apoio a Mário Soares foi claro: era, depois de Sá Carneiro, e exceptuando Freitas do Amaral a quem sempre, penso, se manteve fiel, o único homem do novo regime em que, por razões de comunhão intelectual, podia confiar. Eram da mesma geração, pensavam da mesma maneira, tinham lido os mesmo autores e tinham, ambos, a mesma reverência diante da cultura literária que começava a escapar a todo o mundo. Gente diferente - longe das características da tecnocracia reinante, ainda hoje incarnada em Cavaco Silva. Gosto deles porque, se bem que separado por uma geração, é desse mundo, que já não existe, que faço parte. E, com João Bénard da Costa, que também morreu há poucas semanas, é mesmo esse mundo que desaparece, passo a passo, devagarinho, sem ninguém se preocupar demasiado, excepto quando se trata de escrever os necessários obituários.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Sócrates: Estou muito satisfeito comigo

Da entrevista do Primeiro-Ministro à SIC, restará esta frase: «Estou muito satisfeito comigo». Parece-me quase ofensivo. Há tanta gente em dificuldades, tanta gente pobre, tanta gente a roçar uma envergonhada miséria, sobre quem que tais palavras devem cair como um raio. Trata-se dum insulto à generalidade da população portuguesa até porque ninguém vê (excepto, talvez, os seus colaboradores mais próximos) por que Sócrates está contente. Eu, pelo menos, não vejo nenhuma razão para tanta alegria. Esta frase vai-lhe custar caro – e ainda bem! – nas próximas eleições legislativas. Simplesmente lamentável.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Forrobodó - Barão de Quintela, Conde de Farrobo...

O nome, já de si, é cómico. Forrobodó! O dicionário diz-nos que é sinónimo de festança, pândega, confusão, trapalhada e, no Brasil, baile popular. O responsável de tudo isto é alguém de cuja vida se conhece pouco: barão de Quintela, conde de Farrobo (porque é que o «a» inicial se transformou em «o» não sei). Antepassado do José Diogo Quintela, um dos actores do Gato Fedorento, a sua vida caiu no esquecimento. Apesar da existência do largo Barão de Quintela, bem no coração de Lisboa, e ainda que muitos milhares passeiem diariamente pelos jardins das Laranjeiras, nem o barão nem o conde são conhecidos. Ninguém sabe (nem eu sabia até hoje) que a palavra «forrobodó» tem algo a ver com ele. Perde o público em não o conhecer e é injusto para Farrobo não ser mais conhecido.

José Norton de Matos publicou recentemente o livro
O Milionário de Lisboa, que conta a história desta personagem. Ainda não o li mas vai ser, certamente, uma das minhas leitura deste Verão, na Casa da Pérgola e na praia, em Cascais.

Norton de Matos confessa que não conhece verdadeiramente o barão. Não deixou nem diário nem cartas pessoais nem mesmo uns meros cartões de negócios. O que resta do que terá sido um fabuloso arquivo – era homem de negócios, director do Teatro de S. Carlos, e trocava missivas com amigos e conhecidos, banqueiros ou outros, em Londres e Paris – é pouquíssimo. Por isso, Norton de Matos escolheu outro caminho. Deu largas à sua imaginação e pediu ajuda a alguns interlocutores fantasiados, na boca dos quais pôs palavras que não pode garantir «se alguma vez foram pronunciadas e em que circunstâncias».

Fica a fotografia do quadro de Domingos Sequeira representando o jovem Joaquim Pedro Quintela quando ainda não era conde nem barão. Este quadro existe no Museu Nacional de Arte Antiga. Nada, excepto a mão na anca, nesta na sua pose de jovem rico e convencional, indicaria que o seu nome viesse a dar lugar a esta ideia de divertimento desgarrado... Mas as aparências iludem... Sempre!

Homossexuais na Lituânia

O Parlamento lituano aprovou ontem uma lei para a «protecção de menores» que proíbe toda a «publicidade» de relações homossexuais, bissexuais e poligâmicas. As associações de defesa dos homssexuais preparam-se para pedir ao Presidente que não a promulgue. Não se sabe ainda qual será a decisão final; mas a verdade é que 77 deputados votaram a favor, três contra e houve quatro abstenções. E toda esta gente faz parte da União Europeia.

Espero que também façam parte do Conselho da Europa porque, assim, esta lei poderá ser considerada discriminatória e o Estado lituano condenado a pagar indemnizações aos homossexuais perseguidos. E espero que a jurisprudência do Tribunal de Justiça, órgão jurisdicional máximo da União Europeia, defina, em casos como este, de forma inequívoca, os direitos das minorias. Fala-se muito de aceitar os valores europeus - mas, infelizmente, apenas quando se trata de contestar os valores do Islão. Ora, um dos valores europeus, se é que tal coisa existe, é certamente a tolerância. A lei aprovada pelo Parlamento lituano não se conforma com essa exigência - europeia!

Pela minha parte, o que posso fazer é inserir neste blogue imagens destinadas a defender estas minorias ameaçadas. Como vêem, já comecei!

Cavaco Silva e a função presidencial

Não gosto, nunca gostei e não gostarei nunca de Cavaco Silva. Como Primeiro-Ministro sempre considerei que fazia parte desse grupo de gentes que, em Portugal como noutros países (mas, com o mal dos outros...), que se consideram iluminados: os únicos detentores de um espírito de missão que os leva à arrogância pura e simples. Também não me parece que a política que seguiu fosse a melhor embora, indubitavelmente, muito progresso se tenha feito na altura graças, sobretudo, ao maná dos fundos comunitários. Contudo, se é certo que país avançou, fê-lo em clima autoritário e de intolerância. Devo confessar que preferia a «postura» de Guterres, assente no diálogo e na consideração dos interesses divergentes que se exprimem em qualquer sociedade. Mas digo «postura» entre aspas porque, infelizmente, no caso do antigo Primeiro-Ministro socialista, se tratava apenas disso: uma forma oca de exercício do poder que se limitava a evitar decisões, na perspectiva de que os assuntos se resolvessem por si mesmos – uma típica atitude de funcionário público. Foi por isso que temos agora Sócrates depois do interlúdio de Barroso, interrompido apenas porque este sábio político compreendeu que a Presidência da Comissão lhe daria uma estatura internacional incomparável ao que podia obter como chefe do Governo de Portugal. Depois de Guterres, o Partido Socialista deixou de pensar em diálogo e Sócrates não é mais do que uma pálida imitação de Cavaco.

As recentes declarações do Presidente sobre a decisão do Governo de adiar a decisão sobre o TGV (ou CAV, se quisermos falar em português) preocupam-me. Como me preocupa a forma especial como Cavaco tem entendido as suas funções. A verdade é que, de acordo com a nossa Constituição (boa ou má, isso não vem ao caso!), o Presidente não governa. Ora, com Cavaco, com estas declarações e com os sucessivos vetos políticos que tem oposto às decisões da maioria da Assembleia (caso típico: o da lei do divórcio; casos aceitáveis: o do Estatuto dos Açores porque aqui estavam em causa regras constitucionais relativas, precisamente, aos poderes dos diferentes órgãos de soberania; e – com algumas dúvidas – a lei sobre o financiamento dos partidos porque pode argumentar-se que esta contrariava princípios fundamentais do Estado de Direito), o Presidente interfere de modo que me parece ilegítimo na esfera de atribuições e competências do Executivo.

Da mesma forma que, na altura, considerei que a demissão de Pedro Santana Lopes por Jorge Sampaio e a convocação de eleições antecipadas não era justificável em face da Constituição, acho que Cavaco Silva excede as suas competências e que esta situação pode ser bastante nociva, mesmo se o partido que governe for, após as próximas eleições, o PSD. Aliás, principalmente neste caso, porque, então, o Presidente poderá sentir-se autorizado a ser ele, verdadeiramente, o chefe do Governo. E isso não é bom! A democracia não é compatível com uma concentração excessiva de poderes. Não estamos em França e o nosso Presidente não se chama Sarkozy. Ainda bem!

Maria João Pires

Não é obviamente que o governo deva financiar todas as ideias dos grandes artistas portugueses. Longe disso! Mas que esta escola de Belgais, o projecto de ensino artístico criado pela pianista Maria João Pires, vá fechar «devido a um arresto de bens e à falta de apoios», devia dar-nos motivos para (re) pensar a política cultural do nosso país.

Acontece que os subsídios do Ministério da Educação (única fonte de financiamento) bem como o mobiliário e instrumentos da escola estão arrestados. Deixou de haver apoios financeiros, da autarquia (Castelo Branco) ou do Ministério da Educação. Maria João Pires partiu para o Brasil e, ao que sei, tornou-se cidadã brasileira e renunciou à nacionalidade portuguesa.

Tudo bem! Mas trata-se da mais extraordinária pianista portuguesa de sempre. Num Estado que financia tantas coisas, não se encontrou lugar para ela? É difícil de compreender.

sábado, 13 de junho de 2009

Campos e Cunha e os bónus dos gestores

Tenho uma grande admiração por Luís Campos e Cunha, o primeiro ministro das Finanças de José Sócrates, que se demitiu pouco meses após ter sido nomeado, com a decência de o fazer de forma discreta e não com o estrondo que é habitual nestas ocasiões. (Aliás, desde o início se tornou evidente que a sua postura não se coadunava com a forma como Sócrates gosta de exercer o poder: muita arrogância e pouca discussão!) Depois disso, Campos e Cunha escreve às sextas-feiras uma coluna de opinião no Público, que vale a pena seguir. As suas opiniões são equilibradas e bem argumentadas. Não se nota nele aquele espírito dos portugueses «vencidos da vida» deste início do século XX, cujo paradigma é António Barreto, que parecem ter desesperado de Portugal. Pelo contrário, Campos e Cunha dá a impressão de continuar empenhado na política - mas não na «politiquice» - nacional, discute problemas e propõe soluções, e os seus comentários, sempre bem escritos e pontuados duma não disfarçada ironia, são positivos mesmo quando são críticos. Por vezes, discorda das opções do Governo; noutras ocasiões, defende-as. Não há qualquer espírito partidário no que escreve.

O seu artigo desta sexta-feira não foge à regra. Trata duma questão actual, sobre o qual já muita gente se pronunciou, as mais das vezes de forma apressada: os bónus dos gestores. Foge à regra de os considerar, em si mesmos, como uma coisa «má». Mas se, no plano teórico, a sua argumentação é sólida, embora discutível, tenho que dizer que considero as suas propostas impraticáveis; de tal forma impraticáveis, que me parece que a discussão teórica perde grande parte do sentido. E principalmente, porque se limita a discutir os bónus e não considera a questão mais geral do carácter excessivo da remuneração global de certos administradores de empresas, Campos e Cunha limita artificialmente o problema e deixa de lado aspectos importantes que nos deviam preocupar a todos. É por isso que vale a pena dedicar algum tempo a este assunto.

Que nos diz Campos e Cunha? Que os bónus dos gestores, isto é, as remunerações contingentes em relação ao desempenho das empresas, são uma boa coisa que deveria, aliás, ser alargada aos restantes empregados, no que seria uma forma de transformar a flexibilidade numérica, que se traduz em despedimentos ou lay-offs, numa flexibilidade financeira que permitiria às empresas enfrentar as crises com menores custos sociais.

Para tanto, Campos e Cunha começa por criticar os argumentos que normalmente são avançados pelos que contestam esses bónus. São três: os bónus são vultuosos; assentam em indicadores de curto prazo, constituindo um entrave a estratégias empresariais que privilegiem a sustentabilidade financeira e a inovação; e os accionistas não os controlam.

Quanto ao primeiro argumento, Campos e Cunha conclui, um tanto ou quanto apressadamente, que o problema, se é certo que se coloca em certos países (dá como exemplos os americanos e ingleses), não se põe em Portugal. Ora, se bem que não tenha dados precisos para lhe contrapor, recordo-me que, no tempo de Jardim Gonçalves, as remunerações dos administradores do BCP constituíam mais de 80% da factura salarial total desse banco. É duvidoso que uma tão grande fatia não incluísse bónus particularmente elevados. Mas, em qualquer caso, a conclusão inevitável é que é necessário considerar o problema das remunerações excessivas na sua globalidade, integrando as suas componentes fixas e variáveis.

O segundo argumento, Campos e Cunha considera-o muito pertinente! Só que, do seu ponto de vista, não se trata dum argumento contra os bónus mas contra os critérios da sua atribuição. Estou de acordo. As minhas dúvidas, aqui, situam-se noutro plano, que tem também a ver com a resposta ao terceiro argumento: na prática, é possível alterar esses critérios?

O último argumento também é considerado importante por Campos e Cunha. Com efeito, em sua opinião, se não forem os accionistas a atribuir esses bónus, podem surgir, na ausência de um accionista de referência que de facto controle a empresa, situações de ineficiência. Mas, mais uma vez, considera que a crítica não se dirige aos bónus mas à falta de accountability da gestão das empresas em causa. Aliás, no caso das empresas cotadas em bolsa, uma tal situação aconselharia uma regulamentação mais cuidada e a intervenção das entidades de supervisão, por estar em causa o normal funcionamento dos mercados.

Ora, em tudo isto, e pesem embora alguns aspectos correctos da argumentação de Campos e Cunha, o que me preocupa é o seguinte: estes bónus – como a remuneração total dos gestores – são sempre decididos em circuito fechado. Uma comissão de remunerações de uma empresa é constituída, na maioria dos casos, por administradores de outras empresas cujos vencimentos são, por sua vez, determinados por aqueles cujas remunerações estão encarregados de decidir. Trata-se de uma pescadinha de rabo na boca: uma situação em que «eu decido o que tu ganhas, tu, pela tua parte, decide o que eu ganho». É difícil ver como, nestes casos, se podem evitar exageros e ineficiências. E a verdade é que não há regulamentação que nos valha. Porque a questão será, sempre, a de saber quem decide essas remunerações. O Estado? As entidades supervisores? Disparate! Os accionistas? Na prática, impossível. Campos e Cunha fala de «introduzir regras que garantam um efectivo controlo pelos accionistas da decisão de remuneração dos gestores». Mas que regras, se todos sabemos que, em nenhuma empresa, a massa dos accionistas decide seja o que for e nem sequer tem, na maioria dos casos, capacidade para bloquear qualquer decisão do Conselho de Administração? (Muitas vezes, nem sequer os fundos de investimento, com todo o poder de que dispõem, o conseguem.) Mesmo que fosse viável introduzir normas com o objectivo de assegurar esse controlo – e Campos e Cunha não indica nenhum exemplo –, seria sempre um grupo restrito de grandes accionistas a definir o vencimento dos gestores. E estes accionistas são, por sua vez, controlados por administradores que querem, também, por razões de interesse pessoal, aumentar as suas próprias remunerações, não tendo qualquer incentivo para diminuir as dos seus pares.

Se, por outro lado, alargarmos a discussão ao carácter excessivo da maioria destas remunerações, então devemos questionar-nos como é possível que o leque salarial na generalidade das empresas se tenha alargado de forma tão dramática nos últimos tempos – isto é, que os gestores ganhem proporcionalmente muito mais hoje do que num passado ainda recente mas já esquecido (os tempos de antes de Reagan e Thatcher) do que a maioria dos seus empregados? Ou como aceitamos injustiças flagrantes como, por exemplo, que as pensões atribuídas a gestores da Caixa Geral de Depósitos por três anos de actividade sejam escandalosamente mais elevadas das que são dadas aos seus empregados por quarenta? Quando se exige o aumento da idade da reforma (proposta com a qual concordo) ou a diminuição das pensões e restantes contribuições sociais (de que discordo totalmente), é indecente que se mantenham situações deste tipo.

E porque será que tenho a sensação de que essa flexibilidade financeira, que defende Campos e Cunha (a diminuição dos salários – da sua parte contingente – em tempos de crise), se aplicará muito mais facilmente aos trabalhadores do que aos administradores? Talvez porque tenha assistido no passado, em certas empresas, a despedimentos massivos ao mesmo tempo que se renovava a frota de jactos ao serviço do conselho de administração ou que se garantiam golden parachutes - incluíndo, por vezes, o direito a viajarem nesses mesmos jactos e a hospedarem-se em hóteis de luxo, sem limite de tempo, à sua custa – a dirigentes afastados por ineficiência? (Num caso, em França, o Le Monde afiançava que os montantes envolvidos correspondiam a mais cinco séculos do salário mínimo!)

Em suma, mesmo com a melhor das intenções, não vejo como possa resolver-se esta questão dos bónus e, principalmente, a das remunerações excessivas, a não ser através do imposto. Neste, como noutros casos, parece-me urgente voltar aos princípios da social-democracia tradicional. Até porque estou mesmo convencido de que não exageram os que dizem que os capitalistas perderam a cabeça e que esta situação, a prazo, coloca em risco a coesão das nossas sociedades.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Tortura - As fotografias

Já aqui exprimi a minha opinião sobre a divulgação das fotografias que documentam os casos de tortura infligidos por soldados e civis americanos aos prisioneiros, principalmente muçulmanos, que se encontram em seu poder. Disse que, por um lado, todas as minhas convicções me levavam a considerar necessária essa publicação; mas, por outro, que podia compreender a atitude do Presidente Obama, chefe das forças armadas do seu país, quando ele considerava que a difusão de tais fotografias podia traduzir-se num perigo acrescido para os soldados americanos em combate, se estes fossem, por sua vez, constituídos prisioneiros.

Agora, o que é absolutamente indecente é a declaração feita ontem por dois senadores americanos, Joe Lieberman (ex-democrata, agora independente, e apoiante de John McCain na eleição presidencial) e Lindsey Graham (republicano), segundo a qual essa divulgação não teria qualquer sentido, tratando-se de um acto de «sheer voyeurism».

Belisco-me para tentar perceber se estou acordado. Estamos a falar das mesmas coisas? Do que se trata aqui é de demonstrar publicamente o horror a que conduz qualquer forma de tortura, justificada pelo governo de George Bush com base em duvidosos argumentos de eficácia que puseram de lado a sua imoralidade essencial. Pode aceitar-se que Barack Obama decida que essas imagens não devem ser publicadas, pelas razões já indicadas. Mas trata-se de uma decisão ditada por motivos práticos e não por considerações morais.

Vir falar de exibicionismo neste contexto é indecoroso. Sem medo das palavras, pode mesmo dizer-se que é nojento. Porque a verdade é que o problema principal não está na divulgação ou não de tais imagens mas no seu conteúdo. Como é possível que cidadãos e soldados americanos se tenham comportado daquela maneira? É sobre isto que devíamos reflectir.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Eleições europeias - O desastre anunciado da esquerda

Não há volta a dar-lhe. Com algumas excepções justificadas por motivos meramente nacionais, os grandes vencidos das eleições para o Parlamento Europeu foram os partidos sociais-democratas. E isto aconteceu num momento de crise económica e financeira grave, geralmente atribuída aos excessos do capitalismo liberal, que parecia dar-lhes a oportunidade de apresentarem alternativas credíveis às políticas seguidas pelos conservadores, programas que galvanizassem o eleitorado e, sobretudo, propostas políticas que permitissem que as camadas da população que sofrem na pele os efeitos da depressão económica – que são obviamente os mais desfavorecidos – vencessem a enorme desesperança que delas se apoderou. Ora, em qualquer destes aspectos, a esquerda europeia falhou redondamente. Há que tentar compreender porquê!

Mas existem, segundo creio, dois aspectos nesta discussão. Um de natureza conjuntural: porquê esta derrota, aqui e agora? Outro, mais fundamental, que é o de saber como pode essa esquerda, a esquerda moderada, voltar a apresentar-se como alternativa credível diante dum eleitorado temeroso e descrente. Neste comentário, falarei apenas do primeiro ponto. O segundo necessita uma reflexão mais profunda mas espero poder ainda alinhar algumas ideias a este respeito ainda antes do final da semana.

Vamos então às razões conjunturais deste verdadeiro descalabro dos partidos sociais-democratas. Uma primeira constatação – especialmente verdadeira no caso português mas generalizável à maioria dos países europeus – é que a sua descida assustadora não se fez principalmente em favor dos partidos de direita. A hemorragia do seu apoio popular beneficiou sobretudo a esquerda mais radical ou os partidos ecologistas. Esta situação resultou duma campanha pobre e, sobretudo, da incapacidade da esquerda de definir uma agenda política favorável.

Com efeito, não se ganham eleições quando se deixa, em primeiro lugar, que sejam os nossos adversários a determinar os contornos da discussão política e ideológica e, depois, quando se concede aos partidos com que competimos no nosso lado do espectro político a exclusividade da elaboração de propostas para os problemas que mais preocupam os eleitores. Ora, seja por estar no Governo e, por isso, de certa forma comprometidos com decisões contestáveis, seja porque, na oposição, decidiu concentrar os seus esforços simplesmente nos ataques à gestão dos conservadores (como aconteceu no caso francês), a esquerda não conseguiu orientar a sua campanha em torno de temas mobilizadores, como, por exemplo, o desenvolvimento sustentável e a mudança climática ou a regulação económica. No primeiro caso, abriram às escâncaras as portas aos movimentos ecologistas (ou, como em Portugal, onde os verdes não existem, aos partidos da esquerda radical); no segundo, para cúmulo, deixaram a direita, principalmente a direita que governava, aproveitar-se das suas ideias, nomeadamente em matéria de controlo e supervisão do mercado, principalmente do mercado financeiro, e até da luta contra as remunerações iníquas de certos gestores: em França, por exemplo, foi Sarkozy que se apoderou destas bandeiras e as apresentou como suas. E foi a extrema-esquerda que falou de injustiças na distribuição das riquezas, pugnando por medidas de redistribuição e solidariedade, e que trouxe para a ribalta o problema dos paraísos fiscais e da fuga aos impostos, arrebanhando por completo o prestígio moral de se posicionar de forma clara em relação a estas matérias, enquanto os sociais-democratas pareciam hesitar entre solidariedade e eficiência (um dos problemas de fundo de que tentarei falar no próximo comentário).

Os sociais-democratas apresentaram-se, assim, ao eleitorado, ou como simples partidos de uma oposição manca ou como partidos do poder – e, em ambos os casos, esse eleitorado deixou bem claro que não era isso que pretendia deles. Quando Pedro Santana Lopes foi nomeado Primeiro-Ministro, eu disse a um amigo seu que não era possível a ninguém chefiar um Governo sem ter uma ideia sequer a respeito do destino para onde queria conduzir o país. Foi isso, aproximadamente, o que aconteceu agora à esquerda europeia: nenhum projecto mobilizador, nada que pudesse responder às preocupações de uma população crescentemente cansada, descrente e desesperada. Neste sentido, penso, aliás, que não foi por acaso que o Partido Socialista Espanhol foi o menos castigado de todos: pelo menos, Zapatero, embora a braços com uma crise económica extremamente grave, tem tido o cuidado permanente de afirmar a sua diferença ideológica face aos seus adversários de direita.

Em segundo lugar, os partidos desta esquerda tradicional, na sua generalidade, enganaram-se de eleição. A Europa esteve ausente da maioria dos debates que se centraram sobre problemas tipicamente nacionais. Daí não viria grande mal ao mundo, como já defendi neste blogue. Mas, na actual situação da esquerda, sem ideologia, sem programa e sem propostas, tratou-se de um erro táctico fundamental. Era, com efeito, do seu interesse evidente centrar o debate nas questões europeias, como fizeram com grande sucesso, por exemplo, Cohn Bendit em França, e Miguel Portas, em Portugal. Trazer para o espaço público o que pode e deve significar a construção europeia; apontar as formas como a Europa pode contribuir para debelar a crise ou combater os fenómenos de degradação ambiental ou demográfica; apelar, por exemplo, a um novo entendimento, necessariamente europeu, dos problemas da emigração e do comunitarismo; referir, tendo em conta as mudanças demográficas, a dimensão transnacional das reformas dos sistemas educativo, de saúde e de segurança social; falar da contribuição de uma União reforçada para a solução dos problemas energéticos ou de defesa e segurança, num mundo crescentemente perigoso – tudo isso era necessário e nada disso fizeram estes partidos da velha ou nova esquerda moderada. Na verdade, limitaram-se a debitar frases retiradas duma velha cartilha que nada tem a ver com os problemas presentes. E foram, por isso, e bem, duramente punidos.

Só que o castigo traz consigo esta consequência gravíssima que é a subida eleitoral dos partidos independentistas e, entre estes, com especial realce, a dos partidos de extrema-direita, nacionalistas e xenófobos. É tempo, que mais não seja por isso, de a social-democracia europeia deixar de olhar para o seu próprio umbigo e se decidir a encarar o futuro. Sobre isso, pretendo ainda dizer qualquer coisa no tal próximo artigo que prometi. Mas, com a gente que actualmente a dirige, em Portugal como noutros lugares, qualquer caminho nesse sentido não será fácil de percorrer.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Paulo Rangel

Goste-se ou não dele, Paulo Rangel fez uma excelente campanha e é, muito mais do que Manuela Ferreira Leite, o principal responsável pela clara vitória do PSD nas eleições de ontem. Um sério aviso a Sócrates mas que este parece não ter ouvido porque veio imediatamente afirmar que o Governo manteria o rumo! Mantenha, mantenha - e depois, ai Jesus!, quando vierem as legislativas. Para já, impunha-se uma profunda remodelação ministerial (substituindo, pelo menos, os Ministros das Obras Públicas, Educação, Administração Interna, Justiça, Economia, Agricultura, etc.) que garantisse aos portugueses que o seu protesto não caiu em saco roto. Mas, conhecendo o Primeiro-Ministro, é muito pouco provável que isso venha a acontecer.

Tenho pena que o resultado de Vital Moreira, que continuo a admirar, tenha sido tão mau mas, na verdade, ele meteu-se - e meteram-no - em andanças para que, à evidência, não é talhado.

Mas tudo isto é política politiqueira portuguesa. As eleições de ontem colocam problemas sérios à social-democracia europeia, ultrapassada, em votos, pela direita e, em ideias, pelos ecologistas e por certa esquerda radical. Estou a preparar um comentário sobre essa questão, que colocarei aqui hoje à noite ou amanhã. Até lá, parabéns a Paulo Rangel.

domingo, 7 de junho de 2009

Roland Garros: Federer - Finalmente

Teria sido mais bonito se Roger Federer tivesse batido Nadal na final mas a vitória do suiço em Roland Garros consagra a mais impressionante carreira do ténis de todos os tempos. Por mim, que sempre torci por ele, foi um momento de grande emoção, partilhado com o Dico, aqui em casa, e com a Teresa, em Lisboa, que também desejava este resultado... Espero que, descomplexado depois de ter ganho o único torneio do Grand Slam que faltava no seu currículo, Federer possa agora encarar Wimbledon com a calma que lhe faltou no ano passado e bater o recorde de vitórias em torneios do Grand Slam que actualmente partilha com Pete Sempras (14 vitórias). De qualquer modo, já se tornou num dos únicos seis jogadores da história do ténis a ganhá-los todos e num dos dois (o outro foi Agassi) que os ganhou desde que todos são disputados em terrenos diferentes.

Gordon Brown

A única razão por que cheguei a gostar de Gordon Brown era negativa: ele vinha substituir Tony Blair. Agora, assisto, como todo o resto do mundo, ao esboroamento da sua autoridade e à implosão do seu Governo. A remodelação ministerial que acaba de fazer está longe de ser a que desejava mas o seu poder, neste momento, não lhe permite ir mais longe. Se não houver uma rebelião entre os deputados trabalhistas (os chamados backbenchers), a começar segunda-feira depois de serem conhecidos os resultados do Labour nas eleições europeias (que se afiguram desastrosos como o foram os das eleições regionais de quinta-feira), Brown será Primeiro-Ministro até Junho de 2010, à espera da improvável possibilidade de recuperar o prestígio duramente afectado.

Há muito de culpa sua nesta situação. Ele é um control freak (não encontro em português expressão que defina melhor esta mistura de mando, influência e ocas tentativas de dominação que se exercem, infelizmente, mais sobre a forma e a comunicação das políticas do que sobre o seu conteúdo – aviso sobre o qual Sócrates devia meditar) e também um homem capaz de propagar rumores desagradáveis e impróprios a propósito dos seus inimigos e, o que é ainda mais grave, dos seus amigos políticos, quando estes fazem qualquer coisa que lhe desagrade, ou de, sempre por interpostas pessoas, lhes dirigir inaceitáveis insultos – e isto apenas com o fito de alijar as suas próprias responsabilidades. Tem, obviamente, algumas qualidades: ninguém duvida do poder da sua inteligência e a sua actuação, nestes tempos de crise financeira, mereceu elogios vindos de diversos quadrantes. Mas há, claramente, deficiências pessoais que o impedem de ser um Primeiro-Ministro eficaz. Por outro lado, pese embora esse formidável intelecto, ele tem parecido tão preocupado em apagar pequenos incêndios, normalmente iniciados por membros do seu próprio Partido, que não se lhe reconhece, à parte as suas intervenções relativas à situação financeira internacional, nenhuma verdadeira iniciativa política real e, muito menos, inovadora. Mais do que agir, ele parece limitar-se a reagir – e a reagir mal e apenas sob pressão.

Isto dito, não deixa de me espantar a facilidade com que os adeptos de Tony Blair têm, nestes últimos dias, lançado ataques contra o Primeiro-Ministro que só podem qualificar-se de reles e traiçoeiros. Uma delas chegou ao ponto de demitir-se no dia anterior ao das eleições – não conheço caso parecido de perfídia política! Será que essa gente não compreende que o afastamento de Brown implicará certamente a realização de eleições gerais (é constitucionalmente possível, mas difícil de aceitar politicamente, que um segundo Primeiro-Ministro trabalhista possa governar sem se submeter ao eleitorado: recorde-se que Brown não foi eleito mas se limitou a substituir Blair quando este se demitiu) e que estas se traduzirão numa autêntica razia do Labour (novo ou velho). Isso mesmo parece ter sido compreendido por Peter Mendelson, amigo e aliado do antigo Primeiro-Ministro, que tem defendido, mesmo se não acredita que Brown seja um vote winner, que a sua manutenção à frente do Governo é essencial para dar ao partido, senão a vitória nas próximas eleições, pelo menos a possibilidade dum resultado que não seja calamitoso.

Termino com um comentário adicional e uma citação.

O comentário tem a ver com o que será um novo governo tory, dirigido por David Cameron: um governo conservador, profundamente antieuropeu, que nos levará de volta aos anos de Tatcher, embora obviamente com um verniz moderno. Bela perspectiva!

A citação – que não resisto a transcrever – é uma frase proferida no Parlamento por Vincent Cable, do Partido Liberal-Democrata, quando Brown, depois dum início prometedor, começou a ser alvo de crítica generalizada e a descer abruptamente nas sondagens de opinião: «The House has noticed the Prime Minister’s remarkable transformation in the last few weeks from Stalin to Mr Bean.» Coisas destas só se ouvem na Câmara dos Comuns, com a sua tradição de dotes oratórios e onde os deputados têm de mostrar trabalho para poderem demandar novos mandatos.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Roland Garros - Federer contra Del Potro













Vou explicar. Não vi o segundo set porque estava demasiado enervado depois de Del Potro o ter ganho por 6/3. Adepto ferrenho de Federer, a ideia de que ele perderia a oportunidade de estar na final e, pela primeira vez desde há quatro anos, de poder vencer o torneio de Paris, deixou-me doente - e já não tenho idade para estas coisas! Assim, fui à mercearia, passear o cão, comprar um chocolate... No terceiro set, olhei distraidamente para o ecrã de televisão (mas, ainda assim, incapaz de ler ou de me concentrar noutra coisa) e, no quarto, quando o argentino se mostrava já cansado, voltei a entusiasmar-me. Concordo que não há nenhuma justiça nisto... até porque se tratou duma meia-final extraordinária, que Del Potro podia perfeitamente ter ganho. Bastava-lhe (digo: bastava-lhe!, como se fosse fácil) ter mantido o ritmo das três primeiras partidas (Federer só ganhou o jogo decisivo da segunda por erros consecutivos do seu adversário). As coisas, infelizmente para ele, felizmente para o suiço, não se passaram assim. A mim, nas não me peçam para estar triste! Estou, pelo contrário, contentíssimo.

E pronto, prontíssimo, para voltar a torcer por Federer na final em que vai defrontar a sensação deste torneio: Söderling, que voltou a eliminar um dos favoritos, desta vez Gonzalez, e disputa a sua primeira final em torneios do grand slam. Até domingo.

O que ando a ler?

O que ando a ler? Estranhamente, apenas dois livros (para além de, como sempre, me debruçar, de vez em quando sobre um ou outro volume dos que se alinham contra as paredes da sala ou do quarto ou se acumulam nos degraus da escada antes de a Sirley as levar para o escritório): Runaway (na tradução francesa, Fugitives), de Alice Munro; e The Fall of the Roman Empire, de Peter Heather.

O nome de Alice Munro veio para os jornais, há poucos dias, porque lhe foi atribuído o terceiro Man Booker Internacional Prize. Ao contrário do Man Booker Prize, que tantas vezes tenho citado aqui neste blogue, o Man Booker International recompensa (um pouco à semelhança do Prémio Nobel) a contribuição global de um autor, a sua obra, e não apenas um livro e é atribuído a autores de língua inglesa ou cujos livros estejam, em grande parte, disponíveis em inglês. Este ano, por exemplo, um dos finalistas era Mario Vargas Llosa que, como todos sabemos, é peruano e escreve em castelhano. Os prémios anteriores foram, aliás, atribuídos a um nigeriano que escreve em inglês (Chinua Achebe, em 2007) e a um albanês, que considero um dos mais fantásticos escritores europeus e cuja obra conheço bem, e que escreve em albanês (Ismail Kadare – ou, em francês, Ismaïl Kadaré – em 2005).

Alice Munro, uma canadiana, foi, para o público em geral, uma escolha surpreendente. Mas, para os seus pares, a decisão do júri teve um carácter de quase evidência. Ela é unanimemente admirada pelo que podemos chamar «a comunidade literária». Margaret Atwood, outra escritora canadiana e crítica literária (já vencedora, em 2000, do Man Booker Prize com um livro assombroso: The Blind Assassin) costuma dizer o seguinte: «Well, we talk a lot about writing. But look at Alice Munro: that is writing!» A razão de Munro ser pouco conhecida é simples: o seu género é o conto, a short story, por oposição ao romance. Que eu saiba, apenas escreveu um romance Lifes of Girls and Women e não é por causa dele que é conhecida.

Algumas das suas histórias contam-nos, porém, momentos diferentes da vida das mesmas personagens (é o caso de, pelo menos, três contos deste Fugitives.) A minha primeira impressão é formidável. As suas narrativas parecem-se com um fluxo, às vezes com um princípio (o início duma viagem, uma vizinha que regressa a casa) mas, naquelas que já li, sem fim, deixando pairar uma indecisão sobre o futuro que afinal se limita a imitar a vida. Excelente!

(Entre parênteses, estou a lê-la em francês porque o único livro que consegui encontrar dela aqui em Bruxelas foi este Fugitives. Na livraria inglesa, o nome Munro prima pela ausência). Mas a tradução é óptima e sempre concordei com Kundera quando ele diz que quase todos nós acedemos às grandes obras da literatura mundial em tradução e dá o exemplo dos grandes escritores russos do século passado).

Como é evidente, o meu segundo livro nada tem a ver com romances ou contos mas é uma descrição que beneficia da imensa pesquisa histórica da escola inglesa sobre o primeiro milénio da nossa era (de que o nome mais importante é certamente o de Peter Brown de quem aqui nunca falei, numa falha que pretendo corrigir em breve). Ele constitui, por assim dizer, a abertura que precede, como numa ópera, o meu interesse actual e as minhas leituras sobre o período (quase) indiferentemente chamado The Late Antiquity ou The Early Middle Ages - que se define como a transição entre os tempos finais dos romanos e o início da Alta Idade Média, ou seja, aproximadamente, entre os anos 300 e 800 (ou, para alguns autores, 1000) da nossa era.

Peter Heather transforma o que poderia ser um trabalho enciclopédico e maçador num livro fascinante, recheado de de histórias e de personagens que nos fazem quase encarar aquela época como se nela vivêssemos. É evidente que, ao escrever um livro como este, qualquer historiador se confronta com a sombra de Edward Gibbon e da sua mais que famosa The History of the Decline and Fall of the Roman Empire. Mas a simples mudança de título, com o apagamento do termo «decline», é já indicativa de uma nova perspectiva, hoje predominante, que não identifica necessariamente a queda do Império Romano com a ideia de decadência ou de substituição de uma civilização superior por um conjunto de bárbaros de cultura rudimentar que atravessaram as fronteiras do império e puseram termo a um período excepcional da história da humanidade. Este livro integra-se numa corrente que se recusa a identificar a Idade Média com a Idade das Trevas, ponto de passagem entre duas modernidades, a dos romanos e a da Renascença. Muito interessante.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Roland Garros - Söderling

Depois de ter eliminado Nadal, o sueco Robin Söderling desfez-se, em três rápidos sets, dum outro candidato ao título, Nicolay Davydenko, e assegurou a sua presença nas meias-finais do torneio. Seja qual for o seu percurso futuro, ele é já a grande sensação deste torneiro de 2009. É isto que é fabuloso em Roland Garros: nunca nada está previamente definido, as surpresas são, não apenas possíveis, mas frequentes. Claro que, nos últimos quatro anos, com Nadal, houve menos «excepções à regra». Mas mesmo o reinado de Nadal acabou - e precisamente às mãos deste sueco.

Eleições europeias - imagens de vários países

Ainda do Público de hoje, retirei esta imagem que dá uma ideia da forma e estilo da propaganda para as eleições para o Parlamento Europeu em vários países da Europa. A ideia geral é que, como sempre, as considerações nacionais primam sobre as considerações europeias. Mas será isso evitável, quando, como é o caso, a Europa - ou seja, as instituições europeias - se embrulha numa linguagem impenetrável e quando cresce, por falta de explicação, o fosso entre a vida ordinária dos cidadãos e as deciões tomadas em Bruxelas mesmo se, paradoxalmente, estas influem cada vez mais no nosso quotidiano? E, mesmo que assim seja, que as pessoas votem mais em Sócrates ou contra Sócrates do que em Barroso ou contra Barroso, será isso um drama? Não me parece. O que seria necessário é que as pessoas fossem votar. Mas as mesmas razões que justificam a predominância de motivações nacionais explicam também que os diferentes povos europeus se desinteressem desta eleição. Uma Europa que é incapaz de ultrapassar as contradições provocadas pela ausência de um real projecto político não atrai grande mundo. E nem sequer pode dizer-se que mereça o apoio dos seus cidadãos.

(Uma vez mais, se clicar na imagem vê-la-á muito melhor)

Vital Moreira e o BPN - Explicação

Na sua coluna no Público de hoje, Vital Moreira vem explicar a sua posição relativamente ao caso BPN e ao envolvimento do PSD. Como o critiquei fortemente aqui neste blogue, no meu comentário de 31 de Maio, cumpre-me dar nota dessa explicação, que coloca o problema em termos com os quais concordo genericamente. Falei, pois, apressadamente, com base nos comentários de Pulido Valente e José Manuel Fernandes; ou então foi Vital Moreira foi pouco claro nas suas declarações iniciais. De qualquer maneira, fico contente por poder esclarecer esta confusão já que, como sempre disse, a personalidade do professor coimbrão me é verdadeiramente simpática.

Aqui fica, então, a explicação de Vital Moreira:

«Com efeito, não imputei ao PSD a responsabilidade do "caso BPN", nem sequer lhe pedi contas sobre ele. Sei bem que nenhum partido pode ser politicamente responsabilizado pela má conduta profissional ou empresarial de militantes seus, salvo quando no exercício ou a coberto de cargos partidários, o que não foi o caso. O que eu disse, e mantenho, é que, tendo em conta a responsabilidade directa de conhecidas figuras gradas do PSD na gestão do BPN e da entidade que o detinha (a SLN), incluindo antigos dirigentes e membros do Governo, o PSD devia emitir a sua opinião política sobre a questão, condená-la e demarcar-se dela, incluindo a censura daqueles. Há silêncios que comprometem. Se se mantiver silencioso, como é que vai poder elidir a alcunha popular do BPN como «o banco do PSD»?

Se os partidos políticos não podem ser responsabilizados pela censurável conduta extra-partidária dos seus militantes, já é exigível que se distanciem dela quando seja especialmente lesiva dos interesses públicos e comprometa politicamente o partido. Desde logo, para defender o seu bom-nome e a sua dignidade institucional. No caso concreto, aliás, como é que o PSD pode manter-se silencioso, quando um dos referidos responsáveis na história do BPN/SLN se sentiu obrigado a renunciar ao cargo de membro do Conselho de Estado, para não continuar a lesar a imagem desse órgão e a embaraçar o Presidente da República? O que comprometia o Conselho de Estado não compromete também o partido de que ele foi dirigente e ministro e de que continua a ser militante eminente? Quantos militantes do PSD se sentem confortáveis com a companhia política dos protagonistas do BPN/SLN?
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Quanto a um evcentual «pacto de silêncio» que o candidato foi, segundo ele, noutra parte do mesmo artigo, acusado de ter violado ao falar da «roubalheira» no BPN, apresso-me a esclarecer que essa foi uma crítica que nunca lhe fiz e que me parece completamente despropositada. Em democracia, esses pactos não existem; ou, pelo menos, não deveriam existir!

Xá - outra vez

Este texto não era mais do que a minha minha resposta ao comentário da Teresa (avó) à minha anterior referência à Xá do dia 30 de Maio (e pode, aliás, ser encontrado nos comentários a essa entrada neste blogue). Mas, depois, pareceu-me tão importante dizer estas coisas que decidi transformá-lo numa espécie de artigo independente.

Há dias, a Trezzu, aqui em Bruxelas, no primeiro andar da minha casa, disse-me que ficou encantada por ter ouvido as minhas conversas com a Xá, quando nos preparávamos para nos deitarmos. A minha neta falava comigo e ria, contente, feliz - tudo era «rigolo», que é o termo afrancesado que ela usa. Pensava na irmã, na Constança, que aí vem - que está também na sua barriga, como na da Mãe - e em tudo o resto que constitui o quadro da sua vida: mãe, pai, escola, Kiddie, avô, avós, brinquedos, desenhos animados, pastilásticas do avô, cromos do Mickey e tantas, tantas, outras coisas. O Fintane, que é o seu amigo na escola, a Madame Cindy, que é a sua professora... Sempre com essa alegria que transforma o tempo que passo com ela nisso que eu chamo momentos de felicidade pura. Temos, Teresa, Zé, sorte com a nossa neta. Quando se trata dos filhos, ainda podemos pensar que foi por nossa influência. Nos netos, apenas nos cabe beneficiar dessa inocência e dessa alegria. O que, no caso da Xá, nos leva mesmo a pensar se merecemos essa dádiva.

Air France - Desastre

O nosso pensamento vai para as vítimas e, sobretudo, para as suas famílias e para os seus amigos, que sofrem a perda de quem amavam. Um desastre como este, ainda inexplicado, obriga-nos a considerar a fragilidade da vida e a pensar na fatalidade ou no destino como algo que, mesmo nestes dias de progresso e humanidade, não sabemos controlar. Um momento de pesar, de comunhão com aqueles que perderam família, amigos, amantes, ou mesmo simplesmente apenas alguém que se conhecia, mesmo de longe - é isso que esta tragédia nos impõe.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Roland Garros - Federer

Federer foi quase eliminado mas, depois de perder dois sets, conseguiu recuperar e terminou em beleza, assegurando a sua passagem aos quartos-de-final em Roland Garros. Mas isto só prova o que eu disse ontem. Mesmo depois da eliminação de Nadal, o caminho para o primeiro título parisiense de Federer não está – longe disso – assegurado. Ainda há muitos jogadores de qualidade que ele vai ter que defrontar e a sua confiança não se encontra ainda ao nível de há dois anos atrás. Principal adversário nesta sua corrida ao único título do Grand Slam que lhe falta? Em minha opinião, Andy Murray. A ver vamos!