sábado, 30 de junho de 2007

Leituras













Ando a ler:

Post War – A History of Europe since 1945, de Tony Judt. Um livro indispensável para compreender a Europa dos nossos dias e principalmente - um tema que está no centro das minhas preocupações actuais - as razões pelas quais o consenso político, económico e social do pós-guerra se desfez. Há páginas excelentes sobre a crise da esquerda europeia, a partir nomeadamente da publicação em França, em 1973, de O Arquipélago de Goulag, de Alexandre Soljenitsyne, que destruiu para sempre as ilusões sobre a experiência soviética.

What is the What?, de Dave Eggars, escritor norte-americano, que já tinha escrito A Heartbreaking Work of Staggering Genius (que mereceria um prémio só pelo título). Trata-se de contar, sob forma de romance, a história de Valentino Achak Deng, um dinka (tribo cristã do sul do Sudão) expulso da sua aldeia por militares rebeldes e tropas governamentais, começando então para ele como para milhares doutras crianças dinkas, uma vida de fuga e de permanência em diferentes campos de refugiados. Magnífico! O título faz referência ao mito da criação do mundo que vem da tradição dinka. Deus, ao criar os dinkas, a quem concedeu incomparáveis dotes de beleza e inteligência, colocou-o perante a seguinte alternativa: deviam escolher uma vaca ou o «quê» («the what»), sem no entanto saberem o que era este «quê». Escolheram naturalmente a vaca, que lhes dava carne e leite e lhes permitia o cultivo da terra; e logo a seguir Deus deu o «quê» aos árabes. Durante tempos imemoriais, os dinkas consideraram-se privilegiados e agradeceram aos seus ancestrais a escolha feita. Foi apenas no final do século XX, quando os árabes começaram a matá-los indiscriminadamente, usando armas automáticas AK-47 fornecidas pelo Governo de Kartum - perante as quais as lanças, os machados e os escudos de couro dos dinkas eram tão ineficazes como o tinham sido, no século XIX as armas tradicionais africanas face às armas de fogo dos exércitos coloniais -, foi só então que os dinkas começaram a interrogar-se sobre o que seria esse «quê», a perguntar-se se não seria isso, que tinham recusado, que dava aos seus inimigos uma força quase sobrenatural.

As Mulheres do Meu Pai, de José Eduardo Agualusa. Não gostei dos últimos romances de Agualusa, nem sequer de O Vendedor de Passados, mesmo assim o melhorzinho deles, mas as primeiras cinquenta páginas desta sua nova obra, lidas duma assentada no avião, parecem-me constituir o início de um grande livro, comparável, penso ou espero, ao Estação das Chuvas, que é, para mim, um dos mais belos, senão o mais belo, romances portugueses da segunda metade do século XX. Não há escritores portugueses actuais que escrevam com a mesma perfeição de Agualusa, cujas frases são lindíssimas e incomparavelmente sugestivas. Um exemplo, logo na primeira página: «A luz, filtrada primeiro por uma rede muito fina, presa à janela, e uma outra vez pelo mosquiteiro, a envolver a cama, deslizava puríssima, numa torrente incrédula, contaminando a realidade com a sua própria descrença.» Imagino também, através destas novas páginas, a sua reconciliação com Angola e Luanda (veja-se, a páginas 44 e 45, uma breve descrição de Luanda.)

Wall Street – A Cultural History, de Steve Fraser, um historiador com pouca paciência para os modernos arautos do novo liberalismo e que, como eu, não percebe como é que o fim do período de prosperidade e justiça social que se seguiu à Grande Depressão e à 2ª Guerra Mundial, mesmo se eventualmente inevitável, pode ser recebido como se tratasse dum progresso apreciável.

Para além de outras obras a latere...

sexta-feira, 29 de junho de 2007

O Riso Amarelo dos Portugueses

Já sabíamos que Portugal era um país triste. As anedotas que por lá pululam não servem senão para esconder essa tristeza ou melancolia de que já falava D. Duarte no seu célebre O Leal Conselheiro, chamando-lhe, no português de então, merencoria.

Mas até este recurso tímido à anedota parece hoje estar proscrito. Ainda não tínhamos recuperado do choque de saber que um professor que prestava serviço na Direcção Regional de Educação – Norte (DREN) tinha sido objecto de um processo disciplinar, tinha visto a sua comissão de serviço cessar abruptamente e tinha sido obrigado a regressar, dum dia para o outro, à sua escola de origem, às suas aulas de inglês (e, ao que parece, a DREN não remeteu a tempo a esta escola as suas classificações de serviço, impedindo-o, na prática de concorrer para professor titular), como acabamos agora de saber que o Ministro da Saúde - ou um serviço por ele - acaba de demitir a directora do Centro de Saúde de Vieira do Minho por ela se ter recusado a abrir processo disciplinar contra um médico que terá afixado, nas paredes do centro, algumas declarações do Ministro (ou será que tenho que dizer, atento, venerador e obrigado, Senhor Ministro) acompanhadas de comentários jocosos. Repare-se que não foi a directora do centro que escreveu ou divulgou os comentários e que o próprio médico que o fez já se acusou e assumiu a responsabilidade dos seus actos; e que a directora em causa, logo que lhe foi comunicado o incidente, mandou corrigir a situação e retirar a fotocópia pregada na parede, repreendeu verbalmente o culpado do incidente e apenas se recusou a iniciar procedimento disciplinar, considerando o assunto encerrado. (E pensar-se-ia, num país de gente normal, que mereceria, por esta atitude de simples bom senso, um louvor em vez de uma repreensão - para não falar na demissão que lhe caiu em cima!)

Com base nestes factos, o Ministro concluiu que aquela senhora, cuja competência profissional é reconhecida mesmo pelo seu sucessor, um vereador do PS da Câmara de Ponte de Barca apressadamente nomeado, não reunia «as condições para garantir a observação das orientações superiormente fixadas para prossecução e implementação das políticas desenvolvidas pelo Ministério da Saúde.» (Ufa!) E o assessor de imprensa da Administração Regional de Saúde do Norte declarou que a mesma senhora tinha sido demitida «porque quebrou o dever de lealdade.» Deve notar-se aliás que o dever de lealdade dos funcionários públicos é para com as instituições e não para com os ministros...

Se não fosse grave, daria simplesmente vontade de rir. Mas é grave. Esta gente é demitida, vai ser obrigada a contratar advogados, vê as suas carreiras, a sua evolução na profissão, comprometidas - para não falar desta coisa extraordinária de ser posto na rua num minuto, como se tratasse de matéria dispensável. Em outros tempos, dir-se-ia como se fosse uma mulher a dias mas parece que, agora, até as mulheres a dias são despedidas com mais cuidados.

Continuem assim! Façam favor!... mas depois não se queixem de que o país ande triste. E tão triste que, por estas e por outras, nas próximas eleições, possa ser capaz capaz de dar um pontapé de despeito a este governo caracterizado por tão disparatados níveis de intolerância.

terça-feira, 26 de junho de 2007

Junho/Julho em Bruxelas





Eis como andamos por aqui, assumindo o nosso estado de pinguins encharcados. Saudades do sol e do mar.

Perigos pós-operatórios

Foi mais ou menos assim que fiquei no dia da minha operação... Eu não sabia mas, depois duma operação na zona da cara, não podemos assoar-nos. Quando o fazemos, empurramos o ar para o interior das feridas que ainda não sararam. Assim, quando me assoei, senti que a minha cara explodia, que aumentava e se alargava de forma repentina, instantânea e inacreditável, que se transformara numa grande bola de borracha, daquelas com que se brinca na praia, num balão cheio de gás a voar pelos ares, numa melancia madura pronta a esborrachar-se - tudo isto no espaço dum segundo. (E, nesse mesmo breve momento, passou-me pela cabeça a anedota do menino cabeçudo que o Pai tenta consolar...) Corri à casa de banho para ver reflectida no espelho... uma abóbora em que tivessem desenhado uns olhos, um nariz, uma boca e a que tivessem acrescentado ralos cabelos. Mais tarde, ao descrever-me a um amigo, disse-lhe, mais poeticamente, que estava com cara de lua cheia. Apanhei o susto da minha vida. Nada me garantia que as coisas voltassem ao lugar - rapidamente. A médica, quando chegou, no dia seguinte à tarde – deixando-me em angústia estética por quase vinte e quatro horas - não conseguiu reprimir um sorriso. Tenho a certeza que teria rido à gargalhada se eu não estivesse ali especado, em frente dela. Mas sossegou-me, explicando-me a mecânica da situação e garantindo-me que a única vantagem do meu estado era que se corrigia depressa... Quatro dias, foi o tempo que tudo levou a voltar ao normal. Jurei que, da próxima vez que for operado, mesmo que a um dedo do pé, ninguém me apanha a assoar-me...

sábado, 23 de junho de 2007

Citizen Kane

A maioria dos que, neste inquérito do American Film Institute, votaram em Citizen Kane para melhor filme fê-lo não apenas pela obra em si mas pelas histórias «behind the scenes» que rodearam a sua filmagem. Citizen Kane foi o primeiro filme de Orson Welles – o que levou um crítico a afirmar ironicamente que, com ele, o realizador iniciara a sua decadência. Welles era considerado um menino-prodígio: um fabuloso actor de teatro, com um talento impressionante e uma voz profunda, invulgar e misteriosa, essa voz que conseguiu fazer acreditar aos americanos que estavam a ser invadidos por marcianos, quando, em 1938, Welles leu na telefonia o clássico de H.G. Wells A Guerra dos Mundos.

Chegou a Hollywood, jovem, grande, com 25 anos e o mundo na mão – a tradução portuguesa de Citizen Kane (O Mundo a seus Pés) refere-se tanto à personagem do filme como ao seu realizador. O estúdio americano RKO deu-lhe inteira liberdade: ele era realizador, autor do cenário, actor principal. Mas, depois deste filme e, em 1941, de The Magnificent Amberson, que se lhe seguiu e que já nem sequer foi por ele terminado, dois sucessos de crítica mas estrondosos fracassos de bilheteira, a história de amor entre Welles e Hollywood estava terminada: nunca mais Welles filmaria em Hollywood. A partir daí, os filmes de Welles são financiados fora do circuito tradicional dos grandes estúdios, em grande parte com o dinheiro que ganhava como actor: Welles foi um dos maiores actores de sempre na história do cinema, para além de grandíssimo actor de teatro, em particular como actor shakespeariano.

Quando, em 1975, o American Film Institute lhe atribuiu o seu Life Achievement Award, Welles era um homem de mais de 120 quilos que fumava um eterno charuto. Lembro-me de assistir ao seu discurso, um discurso fantástico como não é habitual ouvir-se nessas ocasiões, nas quais, normalmente, os homenageados se limitam a agradecer a todos quantos os ajudaram ao longo da vida. Nas suas palavras finais, ele comparou-se a uma mercearia de esquina resistindo heroicamente à invasão de supermercados. O que tinha pretendido, durante a sua vida, fora dar ao cinema uma voz individual, que ultrapassasse as exigências dos estúdios ou das bilheteiras. A sua vida não tinha sido mais fácil por isso; mas tinha certamente sido mais decisiva e, sobretudo, pudera vivê-la sem exageradas concessões. My Way: a canção de Sinatra assentava-lhe como uma luva.

Citizen Kane é um dos meus filmes preferidos: vi-o mais de quinze vezes, no total. A história, como já disse, foi escrita por Welles, que contou com a colaboração de Herman Mankiewicz, irmão do cineasta Joseph Mankiewicz. Baseia-se na vida do magnata da imprensa William Rudolph Hearst, um homem à época extremamente influente nos Estados Unidos. Mas a semelhança com personagens reais é, neste filme ainda mais do que em outras obras de ficção, um puro pretexto para uma reflexão sobre a vida dum homem poderoso.

Trata-se de um magnífico filme, que apresentou, além do mais, inovações técnicas impressionantes, com o tão falado tratamento da profundidade de campo e está pontuado de cenas cinematograficamente magníficas como aquela que conta a deterioração das relações entre Kane e a sua primeira mulher, através apenas das sucessivas imagens dos pequenos almoços tomados em conjunto ao longo de vários anos. Ele foi a primeira, a mais extraordinária e acabada, prova do génio de Welles.

O filme começa e acaba com mentiras. A primeira vem logo com a imagem inicial: uma tabuleta colocada no portão de Xanadu, a mansão de Charles Foster Kane, onde se lê «No Trespassing». Mas todo o filme é, afinal, uma forma de trespassing. Como dizia Jorge Luís Borges, Citizen Kane é «a investigação da alma secreta dum homem, através das obras que construiu, das palavras que pronunciou, dos muitos destinos que assumiu.» No Trespassing é, assim, uma suprema ironia.

A outra mentira tem a ver com a última palavra de Kane, aquela que ele pronuncia quando morre: Rosebud. O filme é construído na base da busca do sentido desta expressão: é suposto que, à hora da morte, um homem rememore a sua vida e retenha dela o que foi verdadeiramente essencial. Com base nesta ideia, um director de jornal pede a um dos seus repórteres que descubra o significado dessa expressão Rosebud. No final, eles não o descobrem mas nós, espectadores, sim – e é talvez a única altura do filme em que o autor intervém com uma informação que não seja filtrada por um dos intervenientes na história. Com efeito, na última cena, quando se queimam os móveis de Xanadu, vemos areder o trenó do pequeno Charles, aquele com o qual ele brincava quando o afastaram de casa de seus pais - e no trenó está inscrita a palavra Rosebud. A vida de Kane seria assim, freudianamente, uma espécie de busca da inocência original. E esta é a segunda mentira: porque evidentemente isso não chega, nem de longe, para nada justificar ou explicar. Welles sabia-o bem – e o filme termina com esta enorme risada.

Entre a cena inicial e a final, desenvolve-se uma história fascinante, de um homem a quem tudo parecia possível e que, por complicados meandros, acaba por perder tudo e por se fechar dentro de si, num impossível, imponente e inacabado palácio, Xanadu, acompanhado apenas pela sua imagem repetida até ao infinito numa galeria forrada de espelhos (ver imagem). História de que conhecemos as linhas gerais – e externas – através dum documentário, feito à moda dos primeiros tempos do cinema sonoro, que surge a seguir à cena da morte de Kane; e de que iremos tentar aperceber a verdade interior através do testemunho de personagens que conheceram e povoaram a sua vida, cada qual com a sua justiça, os seus segredos, os seus preconceitos. O resultado é um caleidoscópio de opiniões que não nos levam ao conhecimento nem, muito menos, à compreensão de uma vida, mas que nos fornecem apenas informações díspares, interessantes mas algo superficiais - pontos de vista necessariamente contingentes e limitados. Só o conjunto nos dá algumas pistas sobre a personalidade de Kane – e mesmo assim é só de pistas que se trata. Ficamos a saber mais sobre a sua vida depois deste inquérito conduzido a ritmo diabólico? Sim. Mas não chegamos à sua verdade porque esta é impossível de alcançar. E é esse, precisamente, na minha opinião, o objectivo de Welles: a vida é-nos inacessível na sua multiplicidade polifacetada.

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Os 100 Melhores Filmes Americanos de Sempre

O American Film Institute publicou uma nova lista (a anterior datava de 1988) dos 100 melhores filmes americanos de sempre. Estes exercícios têm sempre alguma coisa de artificial mas o que distingue esta lista é que ela é elaborada com base na opinião de mais de 1500 realizadores, produtores, actores, argumentistas, críticos e outras pessoas ligadas ao cinema. Encaremo-la, assim, como uma reflexão sobre o cinema feita, principalmente, por quem o faz. E talvez como uma reflexão sobre o imaginário americano.

Citizen Kane, o primeiro filme de Orson Welles, realizado em 1941, continua em primeiro lugar. Em segundo, por troca com Casablanca (Michael Curtiz - 1942), surge agora The Godfather (I), de Francis Ford Coppola (1972) - notícia que o Dico vai receber às gargalhadas. Raging Bull, de Martin Scorcese (1980), que em 1988 aparecia em 24ª posição, é agora quarto. Seguem-se, sem surpresas, tendo em conta que estamos na América, Singing in the Rain, Gone with the Wind e Lawrence of Arabia. Schindler’s List vem em 8º lugar. De um ponto de vista crítico, esta é a principal nota dissidente na classificação dos primeiros mas correspondendo, como disse atrás, pela exaltação do herói solitário, capaz, contra tudo e contra todos, de resistir à tirania, a uma certa visão do sonho americano. Vem depois, em nono lugar, Vertigo, de Hitchcock (1958). The Wizard of Oz (Victor Fleming - 1939) fecha a lista dos dez primeiros. Em 11º, surge o maravilhoso City Lights de Charlie Chaplin.

Dos filmes realizados depois de 1988, apenas quatro vieram juntar-se aos melhores mas lamento dizer que nenhum deles é particularmente exaltante: 50º: The Lord of the Rings: The Fellowship of the Ring (que é o terceiro filme da trilogia e, convenhamos, o melhor dos três); 77º: Saving Private Ryan; 83º: Titanic; 89º: The Sixth Sense; e 96º: Do the Right Thing, de Spike Lee, onde, se bem se lembram, o calor do dia mais quente do ano leva a uma explosão de violência. Com excepção do primeiro e do último, nenhum me parece digno de entrar em qualquer lista que seja de melhores filmes, americanos ou outros.

Demonstrando alguma evolução nos gostos do júri ou, em parte, o facto de a maioria dos filmes a seguir citados ter entretanto saído em edição DVD e, por isso, estes se encontrarem actualmente mais acessíveis, são agora mencionados os seguintes filmes anteriores a 1988 mas que não se encontravam na lista desse ano: o fantástico filme mudo de Buster Keaton The General (1927) na 18ª posição; o clássico, também mudo, Intolerance, de David Wark Grifith (1916 - 49º), Nashville, de Robert Altmanm (1975 - 59º), Spartacus, de Stanley Kubrick (1960 - 81º; 2001 - A Spade Odissey, é o filme de Kubrick melhor classificado, em 15º), e Toy Story, dos estúdios Pixar, que mereceria melhor classificação (1995 - 99º). Se não estou em erro, aliás, Toy Story é agora um dos únicos dois desenhos animados da lista, juntamente com Snow White and the Seven Dwarfs (34º), de Walt Disney, já que Fantasia, também de Disney, desta vez ficou de fora.

Pelo contrário, e ainda em relação a 1988, desapareceram os seguintes filmes: Doctor Zhivago, de 1965, de David Lean (o realizador ingles de Lawrence of Arabia e A Passage to India); Close Encounters of the Third Kind, de Steven Spielberg (1977); e Dances With Wolves, com Kevin Costner (1990). Quanto a este último e, mas em menor grau, também quanto aos dois outros, não se precebe, aliás, como encontraram lugar na lista de 1988. Desapareceram escandalosamente Amadeus, de Milos Forman (1984), principalmente se pensarmos que filmes como Titanic ou Ben Hur (que particularmente detesto) ainda lá estão; e The Jazz Singer, de Alan Crosland (1927), com o cantor Al Jolson, o primeiro filme sonoro da história do cinema que, só por isso, mereceria figurar entre os melhores.

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Hospital - Dreno de Redon

Que é um dreno de Redon? (Nada a ver com a caricatura aqui ao lado, obra de Zinoviev na série «Angústias diurnas e nocturnas», e que é suposto representar o medo (pânico?) sentido diante de médicos, enfermeiras e hospitais.) Depois duma aturada pesquisa na Internet, encontrei a resposta, mais ou menos nestes termos:

«O dreno de Redon ou, em terminologia médica francesa, o redon, foi aperfeiçoado pelo francês Henri Redon em 1899. Trata-se de um tubo de matéria plástica de que uma das extremidades (a que se deixa no interior da ferida depois da operação) apresenta um grande número de orifícios. A outra extremidade está ligada a um dispositivo que permite aspirar as secreções e o sangue que provêm da ferida através dum aparelho de aspiração».

Foi isso que me puseram na coxa depois da minha recente operação – e digo-vos que essa coisa, quando metida no osso, dói que se farta. Uma dor repentina, aguda, insuportável, que perdura durante intermináveis minutos. Levantar-me da cama ou deitar-me nela, sentar-me ou levantar-me na cadeira que ficava ao pé da janela, era um verdadeiro tormento, a ponto que, quando as coisas iam pior, preferia ficar de pé, encostado à mesa de cabeceira, a ler o jornal ou as minhas revistas. Tinha medo de tossir ou de espirrar. E, para maior azar, ao terceiro dia, quando o meu sofrimento parecia ter acalmado, mudaram-me o penso; e, talvez devido a uma diferente posição do tubo junto ao osso (ou dentro dele), as dores centuplicaram.

No domingo à tarde, ao ver que o sangue no dreno começava a secar, dirigi-me às enfermeiras e pedi-lhes que telefonassem à minha médica para lhe perguntarem se podiam tirá-lo. A princípio, disseram-me que não, que aquilo tinha que ficar dentro de mim por períodos de, pelo menos, 24 horas: típica reacção de enfermeiras! Mas a ideia de passar outra noite com aquela coisa enfiada na perna começou a roer-me. Num tom grandiloquente, solene e zangado (quem me conhece sabe que sou capaz dessas coisas) informei as senhoras que me recusava a passar outra noite naquela tortura. Como comecei a elevar a voz, uma delas atalhou prontamente dizendo-me que falaria com a médica. Passada meia hora, vieram dizer-me que estava bem, «on va vous enlever le redon et vous pouvez partir.» Ouf!

Quando vos disserem que uma operação implica a colocação dum dreno, pensem duas vezes. Quando a minha mãe esteve no hospital, na cama ao lado dela estava uma senhora a quem o médico disse que tinha que lhe pôr um segundo dreno. A senhora começou imediatamente a chorar. Com o meu ar de bom samaritano, aproximei-me dela para a consolar ela falou-me das dores horríveis que essas coisas provocavam. Descontraído, atribuí a sua reacção a exagero próprio de mulheres fracas. Devia ter prestado atenção!