sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Estou assim... com gripe












E, ainda por cima, muito mais careca do que este aqui ao lado.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Sarkozy e os fuzilados da Guerra de 1914/1918

É raro que Sarkozy consiga surpreender-me – no bom sentido. Mas confesso que foi isso que hoje aconteceu.

No seu discurso comemorativo do Armistício de 11 de Novembro, o Presidente francês proferiu estas palavras a respeito dos soldados condenados pelos tribunais militares da época e fuzilados:

«Je penserai à cette jeunesse qui n'ira plus mourir en masse sur les champs de bataille. (...) Je penserai à ces hommes dont on avait trop exigé, qu'on avait trop exposés, que parfois des fautes de commandement avaient envoyés au massacre et qui un jour n'ont plus eu la force de se battre.» E acrescentou:

«Cette guerre totale excluait toute indulgence, toute faiblesse. Mais 90 ans après la fin de la guerre, je veux dire au nom de la Nation que beaucoup de ceux qui furent exécutés alors ne s'étaient pas déshonorés, n'avaient pas été des lâches, mais que simplement ils étaient allés jusqu'à l'extrême limite de leurs forces. Souvenons nous qu'ils étaient des hommes comme nous (...) qu'ils auraient pu être nos enfants (...) qu'ils furent aussi les victimes d'une fatalité qui dévora tant d'hommes qui n'étaient pas préparés à une telle épreuve. Mais qui l'aurait pu l'être?»

Já em 1998, Lionel Jospin, então Primeiro-Ministro, tinha sugerido a reabilitação dos quase 700 soldados fuzilados. As palavras de Sarkozy constituem o reconhecimento duma profunda injustiça face a esses homens cuja culpa foi a de não terem conseguido resistir ao choque duma experiência para a qual (e recordemos que, na sua esmagadora maioria, tinham menos ou pouco mais de 20 anos) não estavam, nem podiam estar, preparados. A guerra das trincheiras foi duma crueldade inimaginável. Os soldados passavam a maioria do seu tempo nessas galerias cavadas no solo, numa promiscuidade insuportável e em horrorosas condições de higiene. De tempos a tempos, recebiam ordem de sair de tais buracos para se oferecerem aos tiros de artilharia do exército inimigo. A maioria morria nos primeiros metros dessas corridas destinadas a ganhar alguns metros na frente da batalha ou a adquirir novas e às vezes imaginárias posições. Nunca a expressão «carne para canhão» correspondeu de tão perto à terrível realidade. Em Verdun, para só dar um exemplo, em apenas dez meses de batalha, morreram 378 mil franceses e 337 mil alemães. Mais de duas mil pessoas por dia!

Desses jovens, os 675 que não conseguiram resistir à pressão psicológica que a guerra lhe infligiu, e que afinal não passavam de pobres peões nos exercícios detestáveis dos Estados Maiores, foram arbitrariamente condenados por tribunais de guerra (para exemplo!) e fuzilados. Foram assim maltratados pela terra por que deram a vida.

O discurso de Sarkozy honra o homem que o proferiu – e sobretudo restitui a honra àqueles que, durante tanto tempo, foram considerados traidores ou desertores.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

I have a dream




Haverá tempo para comentários, hoje é tempo de emoção.

domingo, 2 de novembro de 2008

Eleições americanas

Tenho escrito muito pouco neste blogue. Um certo cansaço, certamente, e a ideia de que não ando nos meus melhores dias. Mas quero deixar aqui algumas palavras antes destas eleições americanas – que considero as mais importantes de sempre para as pessoas da minha geração.

Não teria, se fosse americano, qualquer dúvida relativamente ao meu voto. Já aqui disse que, no início das primárias democráticas, teria provavelmente preferido Hillary Clinton. Mas, face a McCain, que até há pouco tempo admirava pessoalmente, pela coragem com que tinha levantado a sua voz a alguns dos actos mais desprezíveis da administração de Bush (a sua oposição à tortura, a sua vontade de fechar a prisão de Guantanamo), mas com cujas posições políticas, nomeadamente em matéria de política externa, nunca concordei, sempre pensei que Obama seria um melhor Presidente, o Presidente que convém, não só aos Estados Unidos como ao mundo.

Nada, durante a campanha, me fez mudar de opinião. Ainda antes de ter garantido a candidatura democrática, Obama pronunciou um dos mais importantes discursos de sempre sobre o problema racial nos Estados Unidos. E depois de ter conseguido essa investidura, a campanha de Obama, se desiludiu por vezes (o seu discurso sobre Israel foi um dos seus piores), nunca vacilou no seu entusiasmo, na sua capacidade de congregar ideias, valores e personalidades, na sensação que nos deixou de que, com ele na Presidência, as coisas poderiam efectivamente mudar. Não sei se Obama será um extraordinário Presidente – acredito que sim – mas sei que foi um extraordinário candidato, um daqueles poucos políticos que são capazes de discutir inteligentemente os assuntos que preocupam os eleitores (da guerra do Iraque à escandalosa falta de cuidados de saúde disponíveis para grande parte da população americana), que demonstram coragem ao defender posições algo impopulares (a necessária redistribuição de riqueza através da criação de impostos que venham a afectar os extractos mais ricos da população), e que conseguem fazê-lo de forma geralmente respeitosa das posições adversárias, mantendo um nível de debate elevado. Por seu lado, os ataques de que foi alvo, nomeadamente o de que ser muçulmano (que levou Coli Powell a dizer, numa tomada de posição extretamente corajosa, que mesmo os muçulmanos americanos têm também o direito de ser eleitos), foram em certos casos indecentes. Ao mesmo tempo, as convicções de esquerda de Obama (no contexto americano), se podem ser um inconveniente para um eleitorado geralmente conservador são, para mim, mais uma razão para acreditar que algo vai verdadeiramente mudar, principalmente depois de termos assistido à administração mais partidária, reaccionária e imperialista que os Estados Unidos tiveram desde, pelo menos, os anos 20 do século passado.

Pelo contrário, McCain desperdiçou, numa campanha disparatada, todo o capital de simpatia de que dispunha perante pessoas como eu – capazes de apreciar as suas inegáveis qualidades pessoais, de coragem e dignidade, mesmo se em desacordo com as suas ideias. A sua escolha de Palin, como candidata a Vice-Presidente, é um bom exemplo do tipo de compromissos com a ala mais reaccionária do Partido Republicano que McCain está disposto a fazer. Outro exemplo, e este particularmente indigno para um jurista como fui, foi a sua oposição à recente decisão do Supremo Tribunal de aceitar o direito de recurso dos prisioneiros estrangeiros em Guantanamo de contestar a sua prisão perante tribunais americanos - e, pior que tudo, o seu compromisso de nomear para esse tribunal juízes que tomasem como exemplo a acção dos juízes mais conservadores do Tribunal na sua composição actual.

Gostaria de terminar salientando ainda algo que me parece essencial – o valor simbólico de um afro-americano, um negro, ascender à Presidência dos Estados Unidos, e de uma família negra se tornar a first family americana. Foi só há 54 anos que o Supremo Tribunal de Justiça dos Estados Unidos pôs termo à segregação racial nas escolas americanas. Foi apenas com Johnson, nos anos sessenta, que os negros puderam votar nas mesmas condições dos brancos em todos os Estados da União. O legado de Lincoln é hoje a promessa de Obama. E o sonho de Martin Luther King, se é verdade que não se concretiza apenas com a eleição dum Presidente negro, fica muito mais perto de se tornar realidade.

Não sei o que decidirão os americanos. Por uma vez, desejaria poder definir eu mesmo esse futuro, através dum acto autoritário, duma forma que nunca desejei durante as várias eleições americanas que segui - mas é claro que isso não seria democracia! É que nunca, como agora, me pareceu que estivéssemos perante opções tão essenciais, face a uma decisão tão fundamental para o destino de todos nós. Barack Obama incarna uma enorme esperança, para a América e para o mundo. Se os americanos elegerem McCain, acordarei, na próxima quarta-feira, com o sentimento de que desperdiçámos todos, eles e nós, a mais extraordinária oportunidade de que dispusémos neste início do século XXI.