Do editorial, assinado por José Manuel Fernandes, na edição do
Público de hoje:
«
Há dias que uma dúvida necessitava de ser esclarecida: a nova ministra da Defesa espanhola, Carme Chacón, cuja foto a revistar tropas grávida de sete meses correu mundo, ocupa o lugar que ocupa por mérito ou por propaganda? Por outras palavras: se não fosse mulher nem estivesse grávida, seria ela a primeira escolha para aquele lugar?
É óbvio que o ineditismo da situação nos faz simpatizar de imediato com a figura, antes de todo desconhecida, pelo menos fora de Espanha. Soube-se agora que uma das suas primeiras medidas foi tratar de barrar o acesso dos militares na Internet aos sites dos jornais desportivos e de uma revista erótica, em nome do "congestionamento do tráfego" nas linhas dos quartéis. Talvez a ministra não goste de desporto e admite-se que entenda serem as mulheres que posam para as revistas masculinas reduzidas à condição de "mulheres objecto". É natural e até compreensível. O que já não se compreende é que não tenha entendido que com uma medida que pouco tem a ver com política de defesa, antes revela uma outra agenda política, a sua celebrada fotografia também se podia transformar, como alguns blogues portugueses notaram, na foto de uma "mulher objecto". Não "objecto sexual" no sentido tradicional do termo, mas "objecto sexual" em nome de uma determinada agenda política.
Não sei se Carme Chacón, seguindo por este caminho, não fará pior à causa da participação política das mulheres do que se tivesse recusado um cargo para o qual nada no seu currículo profissional e político indicava que fosse a mais indicada, isto é, a que tivesse mais mérito para estar onde está.»
Comentário:
Quando às vezes leio alguns editoriais de José Manuel Fernandes, pergunto-me como uma pessoa supostamente inteligente consegue alinhar tantos disparates seguidos. Resta-me a consolação que isso me dá azo a criticá-lo neste blogue obrigando-me, assim, a uma actividade intelectual mais estimulante do que a de distribuir (por via electrónica) os documentos preparados pelo Comité das Regiões ou pelo Comité Económico e Social pelos diferentes serviços da Comissão.
O texto que transcrevi é uma vergonha. Para informação do leitor distraído, Carme Chacón já foi Vice-Presidente do Congresso dos Deputados e ministra da Habitação. Foi chefe de lista do PSOE em Barcelona e conseguiu um aumento de votos para este partido nas últimas eleições legislativas. É uma personalidade política conhecida em Espanha e eu, que acompanhei, no
El Pais, a composição do Governo espanhol não encontrei nenhuma crítica especialmente dirigida contra esta escolha de José Luís Zapatero, nem sequer vinda dos sectores ligados ao Partido Popular. Quanto ao facto de ela ser pouco conhecida fora de Espanha, poderá perguntar-se se, antes da sua nomeação (ou mesmo depois), Nuno Severiano Teixeira seria muito conhecido fora de Portugal! Para além disso, a escolha da ministra da Defesa é da responsabilidade do chefe do governo, que ganhou as eleições (já agora, com um executivo composto de oito mulheres em dezasseis membros, proporção que agora aumentou para nove em dezasseis) e tem mandato para escolher os ministros que considerar mais adequados.
José Manuel Fernandes tem todo o direito de contestar a decisão da ministra da Defesa espanhola de proibir o acesso dos militares, através dos computadores instalados nos quartéis, aos sites dos jornais desportivos e a uma revista erótica ou pornográfica. No primeiro caso, concordo que pode tratar-se duma proibição exagerada; já no segundo, tenho bastantes dúvidas que militares ou quaisquer empregados por conta de outrem se sintam autorizados a consultar sites eróticos ou pornográficos nos computadores das suas entidades patronais. Em nada me choca o facto de visitarem esses sites mas parece-me preferível que o façam em casa nos seus computadores pessoais. Eu, na Comissão, não me atreveria a tanto: nem sequer por medo de represálias mas por simples questão de decoro. Consideraria extremamente humilhante que o chefe da secção informática entrasse no meu escritório, com cara de caso, vagamente comprometido, para me lembrar que os computadores da Comissão não deveriam ser usados para tais fins. Aliás, aqui há algum tempo, creio ter lido uma notícia segundo a qual certos sites deste género seriam interditos aos deputados da Assembleia da República através dos computadores do Parlamento – e não me conta que isso tenha preocupado José Manuel Fernandes. Pergunto-me, aliás, se os jornalistas do
Público têm direito a consultá-los nos computadores do jornal.
Em qualquer caso, o que José Manuel Fernandes não pode fazer é criticar essa medida por ela constituir, a seu ver, um indício de uma escondida agenda política da ministra: já agora, qual? (Desmoralizar os militares? Contribuir para a derrota das equipas espanholas nas competições europeias? Impedir a publicidade a revistas pornográficas?) E perde a cabeça ao considerar que a imagem que juntei a este artigo pode transformar Carme Chacón numa espécie de «objecto sexual», embora o pudor o tenha aconselhado a acrescentar que se tratava dum objecto sexual de características novas e pouco conhecidas: um «objecto sexual» ao serviço da tal agenda política (escondida). A verdade é que o facto de Carme Chacón revistar as tropas quando está grávida de sete meses é dificilmente evitável. Afinal, ela é ministra da Defesa e por isso deve revistar as tropas; e está mesmo grávida de sete meses: não se trata de uma almofada na barriga. A menos que José Manuel Fernandes pretenda que ela acelere o nascimento da criança para fugir destas situações, não se vê como podia a Ministra evitar estas fotografias. Seria como criticar a Ministra (ou um Ministro) por ser gorda, ou magra, ou alta, ou baixa…
Mas o que mais impressiona no texto de José Manuel Fernandes é mesmo o último parágrafo. Claro: Carme Chacón deveria ter recusado o cargo de ministra da Defesa! Estou de acordo. Em primeiro lugar, é quase imoral ver mulheres a tratar com militares. Em segundo lugar, o melhor mesmo seria que ela tivesse ficado em casa, que nunca tivesse feito política e que se dedicasse a cuidar do bebé que vai nascer… E, escândalo ainda maior, é possível que, depois do parto, a ministra queira beneficiar duma licença de maternidade… Ao que nós chegámos! É certo e seguro que a defesa de Espanha ficará altamente comprometida.