O primeiro livro que li sobre os acontecimentos que se seguiram à queda do muro de Berlim e ao fim dos regimes comunistas europeus foi
La fin des démocracies populaires de François (Ferencz, como Liszt) Feitjö. A vida de François Feitjö, húngaro de nascimento, acompanhou o século e ele foi, quanto a este, duma coragem e duma lucidez incomparáveis. Era judeu, o que explica, em parte, a sua nostalgia relativamente ao fim do império austro-húngaro, já que considerava que esta estrutura destruída pela Primeira Guerra Mundial, por culpa, aliás, dos Habsburgos, era a a única capaz de acolher o conjunto extremo de nacionalidades que, principalmente através da livre circulação das pessoas e das línguas, encontravam, com maior ou menor dificuldade, a sua casa no império multinacional.
Foi comunista e sofreu a prisão em 1933 durante o regime de Horthy mas a sua ruptura com o comunismo data ainda desta década, do momento em que compreendeu que Staline estava disposto a aliar-se ao nazismo para destruir a social-democracia alemã. Quando chegou o momento do processo de Laszlo Rajk, seu amigo, acusado de titismo e de trotskismo, já não mantinha quaisquer ilusões relativamente ao regime soviético. Sobre este processo, idêntico a tantos outros que se verificaram para lá da Cortina de Ferro, escreve em
L’Esprit que se tratava dum caso Dreyfus internacional.
Trabalhando na agência France Press, e como professor convidado em várias universidades, torna-se o especialista reconhecido nas questões da Europa central e oriental, essa
Mitteleuropa em que nasceu e passou parte da sua infância. Nos seus últimos anos, vivendo intensamente o fim da divisão europeia e a queda do comunismo, interrogava-se sobre como seria possível refazer o mapa da Europa. Para ele, o único princípio válido seria o da legitimidade e este, actualmente, só poderia apoiar-se sobre a soberania popular e a democracia. Por isso, considerava indispensável a constituição duma grande Confederação Europeia, cujos traços não deixou claramente definidos, onde cada povo encontrasse o seu lugar: uma espécie, parece-me, dum grande império habsburgo mas de carácter democrático, onde todos os povos europeus pudessem conviver e em que se dissolvessem, pela liberdade e respeito pelas tradições e cultura de cada um, as fúrias nacionalistas.
A única vez que voltou à Hungria foi para os funerais nacionais de Imre Nagy, o dirigente da revolta de 1956. Morreu ontem em Paris, aos 98 anos.