Clara Haskill (1895-1960)

Clara Kaskill fazia parte desse grupo de pianistas. Quando a ouço em peças de Schumann, na última sonata de Schubert e em outras de Beethoven, nas sonatas e concertos de Mozart, ou nas sonats para piano e violino de Beethoven e Mozart (acompanhada por Arthut Grumiaux), sinto-me ligado a esses homens que nos deixaram a sua música, no que seria uma conversa na nossa linguagem comum mas que, no meu caso, e dada a miha ausência de cultura musical de base, é apenas num encontro de sensibilidades - ou, como se diz no poema que se segue, de alguma coisa que faz «o sublime dessas marginalidades da vida». E é através destes intépretes que encontro e partilho o sentido e a emoção da música.
Por isso, gostei de encontrar, quase por acaso, este poema de Vasco Graça Moura, sobre Clara Haskill (o Conceto em Ré menor é o Concerto No. 20. Para mim, a melhor interpretação é a de Martha Argerich):
Clara Haskill
e há sempre uma história das pessoas ouvida com o que somos,
uma narração a prolongar a acústica dos sóis interiores, destinos
quando a tarde esmorece, por exemplo, aos
sessenta e cinco anos, clara haskill caiu na plataforma
da gare de bruxelas. veio a morrer
das complicações da queda. mas antes já tivera
problemas da coluna e da vista, já
tivera de fugir da alemanha. estas notas
vêm na capa do disco em que ela, a intermediária
de mozart, toca o concerto em ré menor, numa aura
de densidades graves. você está deitada no sofá
a ler um livro, quando eu lhe digo isto. não
sei se presta atenção, ou se apenas sorri como a música requer
e a haskill desejaria. a música é sempre autobiográfica
para o ouvinte, uma acelerada angústia desmedindo o que
ousávamos saber. e uma íntima aliança com a luz
e o inominável da experiência fazem
o sublime dessas marginalidades da vida.
Vasco Graça Moura
A Furiosa Paixão pelo Tangível
Quetzal