sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Davos

Até agora, as reuniões de Davos (uma espécie de cimeira mundial que reúne os líderes políticos, económicos e culturais de todo o mundo – mas só do mundo que interessa!) passavam-se num clima de agradável bonomia. Mas, com a actual crise económica e com o conflito israelo-palestiniano a assumir proporções de gravidade inimagináveis, o verniz que costuma cobrir estes encontros entre os líderes do mundo ameaça estalar. Assim, ontem, o primeiro-ministro turco, Tayyip Erdogan, abandonou zangado um debate em que participava também o Presidente de Israel, Shimon Peres, depois de este ter defendido durante vinte e cinco minutos a invasão de Gaza sob os aplausos da audiência, alegando que o moderador o impedira de responder com tempo e condignamente às diatribes do Presidente israelita. Erdogan teve mesmo assim o tempo de dizer que achava indignos aqueles aplausos que quase celebravam a morte de inocentes; e que Peres falava alto e de dedo em riste apenas para esconder a sua culpa. É evidente que o moderador do debate, ao cortar a palavra a Erdogan sob o extraordinário pretexto de que eram horas de jantar, agiu mal. E é também evidente que os organizadores destes encontros deveriam ter algum cuidado em evitar que eles apareçam aos olhos do mundo como aquilo que na realidade são: uma mera correia de transmissão dos interesses do capitalismo internacional e de certas correntes de opinião norte-americanas e, neste caso, israelitas. Qual será o interesse de um Davos de que a Turquia (e outros países como a Turquia) se afaste? Mas a verdade é que, seja como for, Davos parece ter os dias contados. Nenhuma personalidade importante da administração de Obama participou no encontro deste ano, o que levou mesmo o Ministro das Finanças do Reino Unido a anular a sua viagem à estância suíça alegando ter coisas mais importantes para fazer. Poderão esta reuniões recuperar parte do seu imerecido prestígio já no ano que vem? Só se Obama entrar no jogo – ou, como se diz por lá, if he gets native. Esperemos que não! É altura de Davos ficar na história pelas boas razões: por ser o lugar onde se desenrola o enredo do romance de Thomas Mann «A Montanha Mágica». Devia bastar-lhe essa glória!

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Fidel Castro

Numa entrevista recente, Fidel Castro disse que não acreditava que, dentro de quatro anos (quando acaba o mandato de Obama), estivesse ainda lúcido. Isto só levanta a questão de saber se ele ainda está lúcido - ou se, do ponto de vista da democracia e dos direitos humanos, alguma vez esteve lúcido.

Para quem não tiver percebido, considero Fidel uma das personagens históricas mais mentirosas e repulsivas. O que começou com promessas de liberdade, com adesão a ideais democráticos e humanistas, tranformou-se rapidamente numa ditadura cruel e reaccionária. Leiam os livros de Reinaldo Arenas, escritor, poeta, cubano e homossexual. Para verem como Fidel tratava aqueles que considerava desviarem-se do caminho certo, político ou «moral». Uma peste!

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Pergunta indiscreta - Miguel Esteves Cardoso

Qual é o interesse das novas crónicas de Miguel Esteves Cardoso no Público? Tratam de temas mais que esperados, não têm graça nenhuma! Se o objectivo é contribuir para o conforto material (em substituição da referência original a «trem de vida»: ver comentário) da personagem (uma espécie de Ega - não Eça - decadente), tudo bem. Mas que seja dito...

Europa, Entropa e Presidência Checa

A história é simples. A República Checa encomendou a David Cerny, um artista dessa nacionalidade, uma obra que representasse a União Europeia e a sua Presidência checa durante este primeiro semestre de 2009. Cerny deveria contactar artistas dos 27 países da União Europeia para construir uma obra colectiva. O resultado, que o artista denominou Entropa, para alguém que vive em Bruxelas desde há 20 anos e assistiu ao nascimento deste edifício do Conselho de Ministros – uma das construções mais mirabolantes do quarteirão europeu desta cidade que tão maltratada foi, do ponto de vista arquitectónico, pelas instituições europeias – nem é desastroso. Mas Cerny esqueceu-se simplesmente - ou nunca teve a intenção - de contratar artistas doutras nacionalidades. Inventou nomes! John não sei quê para os ingleses; e suponho que José qualquer coisa para o português! Em suma: foi ele que fez tudo. E lá se vai a diversidade cultural tão do agrado dos nossos dirigentes.

O que me espanta é que estejam todos admirados. Se pensassem um minuto, deveriam saber que era quase impossível, para quem quer que fosse, contratar artistas dos vinte e sete países europeus a tempo de construir uma obra decente. Mas isso é o que se passa quando certos burocratas se decidem a promover a arte! Melhor fora que se limitassem a defender o património artístico europeu, que está num vergonhoso estado de degradação.

Enfim... uma (des)graça. O pobre Cerny não se livra dum processo, a Presidência Checa e a União Europeia duma vergonha... Mas, a avaliar pela fotografia, a obra de Cerny nem é particularmente feia. Valha-nos isso.

Adenda:
Já depois de ter escrito este artigo, li a crónica de Miguel Gaspar no Público de hoje, que traz alguns esclarecimentos engraçados a esta polémica. (Devo dizer que acho as crónicas de Miguel Gaspar normalmente muito interessantes – e um claro progresso em relação ao que nos oferecia (?) Helena Matos, que me dava, no entanto, bastante mais oportunidades de comentar alguns evidentes disparates...) Mas, voltando a Miguel Gaspar e à obra de Cerny, fiquei a saber que Portugal, ao contrário do que pensava, não foi representado por um José qualquer mas por uma Carla de Miranda – e que «a contribuição nacional é um bife em cima do qual aparecem o Brasil, Angola e Moçambique representando o colonialismo como o nosso estereótipo.»

Por outro lado, fiquei também a saber que Cerny sempre assumiu que a verdade iria ser descoberta e que devolverá o dinheiro recebido. E só posso concordar com a conclusão de Miguel Gaspar, que transcrevo na íntegra: « Fraude, escândalo, exclamam os bem-pensantes. Mas eu acho que a presidência checa, por uma vez, errando até acertou. Entropa é não só uma caricatura divertida da Europa como é uma obra de arte legítima. Questionou a identidade europeia através de uma provocação. Fê-lo também sendo uma fraude, por ter uma identidade falsa. O ideal de liberdade que a Europa representa exige que Entropa fique onde está até ao final da presidência checa da UE.»

Snooker Masters 2009

Isto é apenas uma forma de recordar a minha Mãe. Eu nem gosto particularmente de snooker mas ela gostava imenso. Costumava recordar que, nos anos em que vivemos na Madeira, o meu Pai era um jogador de grande qualidade no Clube Inglês (actual Quinta da Palmeira, usada por Alberto João Jardim para as inaugurações e cerimónias oficiais). Ao que consta na família, a secretária do Clube, uma inglesa grande e loura (como todas as inglesas de que se lembram os portugueses), costumava sentar-se para o ver jogar.

O meu Pai não jogava de certeza como Ronnie Sullivan. Este homem é ambidextro e, na opinião de todos os comentadores, o mais extraordinário talento, em termos de pura técnica e categoria, que existiu na história do snooker. Se não ganha mais torneios, iso deve-se apenas a aspectos ligados a uma personalidade demasiado emotiva.... Eu diria, tal como eu: se não fosse o facto de que, no meu caso, apenas trabalhar numa entidade tão cinzenta como a Comissão Europeia!

Barack Obama – 44º Presidente dos Estados Unidos

Barak Obama prestará juramento como Presidente dos Estados Unidos na próxima terça-feira. Espero estar em casa para assitir à cerimónia de investidura... Até agora, o seu caminho tem sido praticamente isento de erros. Houve a excepção de Bill Richardson (dificilmente previsível num homem que fora candidato à Presidência) e a controversa nomeação de Hillary Clinton para Secretária de Estado – mas isto para quem, como eu, pensava que ela era a melhor candidata à Presidência, só pode merecer aplauso. Principalmente, Obama tem dado uma imagem de confiança, absolutamente necessária nos tempos que correm, nesta fase de enormes dificuldades económicas e duma expectativa eventualmente exagerada de o novo Presidente de responder às expectativas dos cidadãos que o elegeram. Não tem prometido a Lua mas tem, em sucessivos discursos, dado a impressão de que não se trata de «business as ususal». O primeiro Presidente negro dos Estados Unidos pretende deixar uma marca pessoal na história desse país. Provam-no as suas referências constantes a Lincoln.

Para todos nós, da minha geração, que assistimos ainda, espantados e esperançados, aos discursos de Martin Luther King, à chamada luta pelos «civil rights», a investidura de Obama é o culminar de algo que não acreditávamos poder ver nas nossas vidas. Obama não é descendente de escravos mas a sua mulher e as suas filhas são-no! Isto não nos deve afastar dos problemas concretos e das decisões necessárias que o novo Presidente deve tomar. O encerramento de Guantanamo e a decisão de rejeitar qualquer forma de tortura nos interrogatórios da CIA serão exemplos do que esperamos nos primeiros dias. O resto virá depois. Se isto vier, temos o direito de ter esperança: a esperança de que um homem novo traga consigo uma nova forma de pensar os Estados Unidos, um país que, nos seus melhores momentos, contribuiu de forma notável para o progresso da humanidade mas que, nos piores (como no Médio Oriente), só tem prejudicado uma possível solução de problemas difíceis, controversos e complicados. Melhor que Bush, todos seriam. Mas o desafio com que Obama se confronta é o de ser um Presidente da laia de Lincoln ou Franklin Roosevelt. Nada fácil! Mas algo em que podemos ainda acreditar. Há certos homens (poucos, é certo) que podem mudar a História. Que Obama seja um deles!

sábado, 17 de janeiro de 2009

Vasco Pulido Valente e Dom José Policarpo

O artigo de Vasco Pulido Valente, no Público de hoje, sobre as recentes e polémicas declarações de Dom José Policarpo a respeito dos casamentos entre católicos e muçulmanos, apresenta algumas considerações interessantes. Deixo de lado a sua observação de que um «casamento entre uma católica e um muçulmano é mesmo em bom rigor impossível, excepto, se um ou outro se converterem, hipótese em que, evidentemente, já não se trataria de um casamento entre uma católica e um muçulmano.» Não consegui encontrar, no pouco tempo disponível que tive, as regras do Direito Canónico sobre esta questão. Mas atrevo-me a pensar, contudo, que, se o casamento dum(a) católico(a) com uma pessoa de confissão diferente só é possível se esta última se não opuser à educação católica dos filhos, os obstáculos a esta união sejam praticamente insuperáveis.

Mas este não é o problema mais importante levantado por Vasco Pulido Valente.

Com efeito, ele nota, como eu fiz, que existe nesta polémica um problema que vai para além do problema religioso. Trata-se, nas suas palavras, dum «problema social, que só em parte deriva da religião: o problema da mulher nos países muçulmanos.» E, para além de referir que a situação não é a mesma em todos os países muçulmanos, como não é a mesma em todos os países católicos, acrescenta: «O que manifestamente perturba o Senhor Cardeal é a subordinação da mulher ao homem e a sua inferioridade (que roça o ontológico) no mundo islâmico, como, aliás, durante dois milénios sucedeu no mundo que a Igreja de Roma governava.» Esta última observação parece-me pertinente e corresponde ao que tenho vindo a dizer de há muito tempo para cá: o que criticamos hoje, com razão, no islamismo, não são mais do que aspectos que a Igreja Católica praticou ao longo de séculos e séculos. E, se a chamada civilização ocidental (termo algo difícil de definir porque, como dizia Ghandi, se tratava duma boa ideia, se tivesse realmente existido) progrediu, baseada em valores de tolerância e liberdade, fê-lo contra os ensinamentos e pronunciamentos de Roma, que culminaram com essa aberração que foi o dogma da infalibilidade papal (Concílio Vaticano I, 1870), e contra a sua oposição militante, nomeadamente durante os séculos XVIII e XIX, a todas as formas de «modernismo». Podemos esperar que os muçulmanos evoluam no mesmo sentido positivo – desde que os não acantonemos num círculo vicioso alimentada pela violência externa (Israel em Gaza, Estados Unidos no Iraque, mas não só) e pela miséria interna.

Por outro lado, ver um católico a criticar os muçulmanos por acharem que têm verdade «única» e a verdade «toda», como aqueles de quem o patriarca se queixa, é como ver (utilizando a linguagem imagética de Dom José Policarpo) dois lobos a criticarem-se um ao outro por gostarem de comer carneiros. As religiões e, principalmente, as religiões monoteístas, têm necessariamente esta aspiração universal. Se não a tivessem, não seriam religiões (e esse é talvez um bom argumento para adoptarmos uma forma de ateísmo não necessariamente militante.) Mas, nisto, a religião católica não se distingue da muçulmana. Seria bom que não nos esquecêssemos disso.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Todos salvos











É, de certeza, um dos casos mais extraordinários na história da aviação civil e o mérito cabe, por inteiro, a Chesley B. Sullenberger III, o piloto fez aterrar o avião no Rio Hudson, pouco depois de o seu avião ter entrado em colapso. Um caso absolutamente excepcional, em que os dois motores falharam ao mesmo tempo. Parece que o comandante disse aos passageiros: «Preparem-se para o impacto!» e, depois de o avião se ter começado a afundar lentamente no rio, ainda se assegurou de que todos se dirigiam às saídas de emergências. Valha a experiência dum homem que é piloto há mais de 27 anos! Nenhuma vítima mortal e nem sequer um ferido grave. Esta gente merece ter um bom ano. E Chesley B. Sullenberger III merece uma salva de palmas - ou uma condecoração. Pelo menos, um grande jantar, a foie-gras, caviar e champagne, pago pelos sobreviventes!

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Mensagem de Ano Novo do Cardeal Patriarca de Lisboa

Às vezes, a gente pensa que uma pessoa é inteligente mas, de repente, surge algo de rompante que abala até essas nossas mais serenas convicções. Vem isto a propósito das recentes declarações do Cardeal Patriarca de Lisboa, Dom José Policarpo, sobre os muçulmanos. Entre outras barbaridades, o prelado (de quem se falou até para Papa) advertiu as mulheres portuguesas (e pensa-se que as de outras nacionalidades) para o «monte de sarilhos» em que podem meter-se se casarem com muçulmanos. Entre outras parvoeiras, disse o seguinte: «Cautela com os amores. Pensem duas vezes em casar com um muçulmano, pensem muito seriamente, é meter-se num monte de sarilhos que nem Alá sabe onde é que acabam.» (Esta referência católica a Alá parece-me aliás bastante incongruente: Alá não existe para os católicos, nem sequer como profeta ou personagem histórica.) Ao ouvir isto, fico muito preocupado com a minha filha Teresa, cujo namorado, o Mehdi, é filho dum marroquino e duma grega, embora eu nem sequer saiba – nunca lho perguntei! – se, do ponto de vista religioso, é muçulmano ou católico ortodoxo.

Questionado por Fátima Campos Ferreira sobre se não estava a ser intolerante perante a questão do casamento das portuguesas (dixit Fátima) com muçulmanos, José Policarpo disse que não. «Se eu sei que uma jovem europeia (vá lá, não são só as portuguesinhas!) de formação cristã, a primeira vez que vai para o país deles é sujeita ao regime das mulheres muçulmanas, imagine-se lá!» Imagine-se, com efeito! É verdade que o regime jurídico das mulheres em países de estrita obediência muçulmana tradicionalista é em muitos aspectos desumano. Mas, para além do facto de que isso só em parte tem a ver com a religião (a mulher de Maomé, Khadija, por sinal o nome duma secretária da Comissão com quem trabalho, magnífica funcionária e excelente muçulmana, teve enorme influência nos seus tempos e só por razões que podemos dizer conjunturais a situação da mulher se alterou radicalmente nesses países - mais talvez, embora isto seja controverso, por influência da sua ascendência árabe que propriamente religiosa), que dizer do estatuto da mulher nos países católicos mais conservadores ainda há pouco mais de cem anos?

Na sua intervenção, o Cardeal Patriarca de Lisboa considerou «muito difícil» o diálogo com os muçulmanos em Portugal, observando que o diálogo serve para a comunidade muçulmana demarcar os seus espaços num país maioritariamente católico. (Não se compreende bem para que serviria este diálogo senão para precisamente isso, a não ser que o Bispo de Lisboa pretendesse que os muçulmanos renegassem a sua fé!) E, algo contraditoriamente, em resposta a uma pergunta da jornalista, sobre se o diálogo inter-religioso em Portugal tem estado bem acautelado, acrescentou que, no caso da comunidade muçulmana, «estão-se a dar os primeiros passos». Porém, a situação «é muito difícil, porque eles não admitem sequer [encarar a crítica de que pensam] que a verdade deles é única e é toda», sustentou. (Isto, vindo dum católico, é obra... Como toda a gente sabe, o catolicismo caracterizou-se por uma insuperável tolerância religiosa ao longo dos seus longos séculos de existência.)

Sublinhou ainda que o diálogo serve para os muçulmanos, num país maioritariamente católico, «como fazem os lobos na floresta, demarcarem os seus espaços e terem os espaços que eu lhes respeito». Linda linguagem, que Jorge Sampaio fará bem em adoptar na sua missão de promover o diálogo das civilizações, neste ano marcado pela morte do principal teórico que sustentava a inevitável guerra entre elas.

Mais tarde, quase no final de mais de duas horas de conversa e respondendo, na altura, a uma pergunta da assistência sobre a presença muçulmana na Europa, lembrou que a comunidade muçulmana de Lisboa representa cerca de 100 mil fiéis «centrados à volta de três grandes mesquitas», e definindo as relações com o Patriarcado como «habitualmente boas e muito simpáticas». Relações boas e simpáticas com os lobos?

Perante tanto disparate, só me resta perguntar se Dom José Policarpo teria bebido demais... (Não esperava dele este tipo de palavras.) Tenho a certeza de que o Carlos dirá que não - que isto é apenas normal num bispo: ele não acha que existam bispos inteligentes. Ou, como diz o professor de Filosofia do meu filho Diogo, se alguém quer acreditar que existiu um homem concebido por obra e graça dum espírito santo e nascido duma mulher virgem, é lá com ele! Mas eu tenho algumas dúvidas... Parece que estas declarações foram proferidas depois do jantar!

Tenho estado afastado do blogue e esta não é a melhor forma de aqui regressar. Mas, mesmo assim, Bom Ano!