Vozes de Bruxelas
quinta-feira, 31 de julho de 2008
quinta-feira, 24 de julho de 2008
Comentários
Gostaria de poder agradecer os vossos comentários utilizando a fotografia aqui do lado, mas a verdade é que tenho a impressão de escrever no deserto.
Muita gente me diz que vê o meu blogue, alguns até que gostam dele, mas lá escrever qualquer coisinha... nada!
Enfim, vou persistindo. Água mole em pedra dura...
Jack Lang e a revisão constitucional em França
Eu nem sequer gosto muito de Jack Lang, antigo ministro de François Mitterrand, e já não gostava dele quando toda a esquerda bem pensante o considerava como o melhor Ministro da Cultura da França de sempre ou, quando a modéstia fazia valer alguns dos seus direitos, pelo menos o melhor depois de André Malraux. Mas tenho bastante simpatia pela atitude que tomou anteontem ao votar favoravelmente o projecto de reforma constitucional apresentado por Nicolas (Bruni) Sarkozy, de quem, como é sabido, não gosto mesmo nada.
O voto de Lang, que, aliás, nem foi determinante, ao contrário do que diziam as primeiras notícias, para a aprovação da reforma (o empate de votos significava aprovação), tinha sido anunciado previamente. Sem negar alguns defeitos das propostas finalmente votadas, e nomeadamente, o da manutenção do modo arcaico e claramente oligárquico da designação dos membros do Senado, Lang considerou que estas consagram alguns avanços essenciais desde sempre defendidos pelo Partido Socialista, entre os quais o reforço dos poderes do Parlamento que, em particular, será chamado a pronunciar-se sobre as nomeações de altos funcionários e dirigentes de empresas públicas (e a reforma consagra ainda um outro conjunto de normas que fortificam os poderes de controlo e fiscalização da Assembleia).
Por mim, prefiro – mas é a meu jeito de sempre – os que não têm medo de remar contra a maré. Normalmente, vem a revelar-se mais tarde, quando os espíritos acalmam, que têm razão. E sempre lhes fica a coragem da atitude...
quarta-feira, 23 de julho de 2008
terça-feira, 22 de julho de 2008
Finalmente...
A prisão, ontem em Belgrado, de Radovan Karadzic só pode ser motivo de contentamento para todos quantos consideram que os crimes de guerra (e, em particular, o genocídio) não podem ficar impunes. É necessário proclamar que há limites para o que pode fazer-se antes de declaradas as hostilidades e durante estas, definindo um modo de entrar em guerra e de a conduzir que possa considerar-se como aproximadamente justo (mesmo tendo em conta que a guerra é, em si mesmo, essencialmente reprovável). Já os autores cristãos da Idade Média utilizavam este conceito de guerra justa para ultrapassar as naturais dificuldades criadas pelo 5º mandamento: «Não matarás». Eles distinguiram o jus ad bellum, que representava o conjunto de critérios que deviam ser respeitados para que a guerra pudesse ser justamente declarada; e o jus in bello, que se referia à conduta da guerra e que, na sua versão moderna, se ocupa de questões como o tratamento dos prisioneiros inimigos, a protecção das populações civis e dos não combatentes em geral, e o respeito dos direitos humanos das populações inimigas, combatentes e não combatentes, etc. O julgamento de Karadzic e a sua eventual condenação pelo Tribunal Penal Internacional para a antiga Jugoslávia, em Haia, constituirá uma significativa afirmação desses princípios.
Radovan Karadicz é procurado pela sua actuação durante os conflitos que marcaram o fim da antiga Jugoslávia. Segundo as Nações Unidas, em Julho de 1995, as forças por ele dirigidas mataram pelo menos 7.500 homens e crianças muçulmanos de Srebrenica, com o único objectivo de aterrorizar e desmoralizar a população muçulmana e croata da Bósnia. Para além disso, é acusado de ter dirigido o bombardeamento de Sarajevo, com total desprezo pela morte e destruição causada às populações civis. Antes da derrota de Milosevic, de quem era amigo e aliado, Karadzic nunca escondeu, aliás, que o seu objectivo era «extirpar» da Bósnia todos os habitantes que não fosse de origem sérvia e de criar um Estado em que estes fossem a etnia única. O seu objectivo era, confessadamente, a limpeza étnica.
Se as coisas correrem como se prevê, será julgado em Haia. As suas vítimas terão, pelo menos, a (triste) satisfação de o verem julgado pelos seus crimes: assim justiça seja feita!
segunda-feira, 21 de julho de 2008
Tenho que ir passear a Kiddie...
... mas lá fora chove, a temperatura está nos doze graus, o meu filho Diogo está em casa duma amiga a jantar esparguete à bolonhesa, a minha neta foi para a Tunísia com o pai e a avó e já deve estar na praia, em Lisboa faz sol, e eu estou para aqui a pensar porque decidi vir viver para esta terra...
domingo, 20 de julho de 2008
A sombra de Goebbels pesa na negociação do acordo da OMC
Difícil de compreender a emoção que acolheu as palavras do Ministro das Relações Externas do Brasil, Celso Amorim, quando este afirmou, no contexto da negociação dum acordo global no seio da Organização Mundial do Comércio (OMC), que a estratégia dos países ricos se inspirava numa frase de Goebbels, Ministro da Propaganda de Hitler, que costumava gabar-se de que «uma mentira repetida muitas vezes se transforma em verdade». Com efeito, o que o ministro brasileiro pretendeu foi sublinhar a hipocrisia dos negociantes das nações desenvolvidas, que dão a entender que o acordo final apenas depende da aquiescência do chamado Terceiro Mundo em relação às regras aplicáveis aos produtos industriais porque, segundo eles, o dossier agrícola se encontraria praticamente concluído. Ora, a verdade é que isso é mentira: em matéria agrícola, ainda há concessões indispensáveis a fazer pela Europa, Estados Unidos, Canadá Japão, Austrália, etc., e as propostas que se encontram em cima da mesa nesta matéria estão muito aquém do que é exigível no que respeita à indispensável liberalização do acesso aos mercados agrícolas, necessária para assegurar o crescimento económico sustentado dos países mais pobres.
Para isso, e apenas para isso, Celso Amorim lembrou as palavras do dirigente nazi. Mas esta referência foi feita apenas, como toda a gente compreendeu embora alguns afirmem o contrário, para sublinhar que a responsabilidade pelo atraso e eventual fracasso das negociações não pode ser assacada a apenas uma das partes.
De qualquer maneira, pode acreditar-se que não haverá excesso de sorrisos quando ambos se encontrarem esta noite no jantar oferecido por Pascal Lamy, director-geral da OMC.
sábado, 19 de julho de 2008
Nicolau II - A pretensa oportunidade perdida
No dia 17 de Julho, passaram noventa anos sobre o assassínio, ordenado pelos bolcheviques com o acordo do próprio Lenine, de Nicolau II, último czar de todas as Rússias, e de toda a sua família. Não faltaram nessa altura muitos a pretenderem que, se a revolução de Outubro não tivesse ocorrido, o regime czarista teria evoluído para uma democracia moderna e a Rússia teria sido poupada aos setenta anos do regime comunista. Em França, a principal defensora desta ideia é Hélène Carrère d’Encausse, de ascendência russa (entre os seus antepassados contam-se grandes servidores da autocracia russa e também, pelo menos, três regicidas), secretária perpétua da Academia Francesa e historiadora de renome. Em 1978, Carrère d’Encausse anunciou, com alguma presciência, o fim da União Soviética, embora, na sua opinião, em resultado da sua incapacidade em resistir à pressão demográfica das repúblicas muçulmanas da Ásia Central (que faziam parte do país artificial criado pela Revolução de 1917 e, principalmente, em 1921, pela afirmação do poder central russo após a Guerra Civil que culminou na vitória das forças bolchevistas), e não como consequência duma qualquer influência dos Estados Unidos liderados por Reagan. Carrère d’Encausse foi ainda autora de várias biografias de figuras históricas russas (como o próprio Nicolau II e Lenine), a última das quais, consagrada à vida de Alexandre II, o chamado czar liberal, avô de Nicolau II, foi há pouco tempo publicada em França.
Para o imperador e os seus homens de mão, como também, mais tarde, para os comunistas, esse bom povo não passava duma abstracção. Nunca passaria pela cabeça do czar interessar-se verdadeiramente pelos seus sofrimentos, pelas dificuldades da sua existência quotidiana, e a ideia de apertar a mão dum mujique ou de entrar em sua casa despertar-lhe-ia uma indizível repugnância se, por acaso, alguma vez a considerasse. (E nem sequer os camponeses russos, ao contrário do que pretendia uma idealização em que colaboraram forças de direita e de esquerda, eram esse conjunto de homens e mulheres puros e altruístas
Robert Murat, notícias e indemnizações
No âmbito dum processo num tribunal inglês, Robert Murat conseguiu uma importante indemnização dos principais tablóides britânicos (mais de 700 mil euros) para compensar os prejuízos que sofreu em virtude das notícias que o acusavam, de forma manifestamente infundada, de um possível envolvimento no rapto de Madeleine McCann.
Em minha opinião, isto deveria equivaler a uma «non-new» e nem sequer teria aqui mencionado esta informação se não fosse o facto de ter lido, há poucos dias, um editorial de José
Os prejuízos causados a Murat foram obviamente incalculáveis. E, no entanto, ele não teria nenhuma possibilidade de provar que não estava envolvido no rapto de Madeleine. Suponhamos que as investigações se arrastavam por mais alguns anos (o que sempre seria possível embora pareça que a polícia e o Ministério Público portugueses se preparam para pôr termo a este processo, sem deduzir acusação nem descobrir o que realmente se passou por falta de indícios suficientes). De que meios poderia Murat servir-se para evidenciar a sua inocência? Se continuasse como arguido
Há uma responsabilidade dos jornais e meios de comunicação que não pode ser escamoteada. Impor o ónus da prova a quem é objecto das notícias que um jornal, a rádio ou a televisão decidem divulgar é apenas uma forma corporativa de defender uma classe à qual, pelo poder de que dispõe, se exigem particulares responsabilidades. José
quarta-feira, 16 de julho de 2008
domingo, 13 de julho de 2008
Morreu Bronislaw Geremek
Há homens que caíram na política apenas porque uma certa concepção da vida a isso os obrigou. Para eles, não se trata de exercer o poder, de adquirir estatuto ou posição, muito menos de obter ganhos materiais – mas de responder a um ideal, de seguir a sua consciência que lhes diz que existem valores que é necessário defender contra os tiranos ou simplesmente contra a prepotência das ideias feitas e dos hábitos instalados, de realizar um sonho ou uma utopia, de contribuir para a paz, a justiça, a liberdade e o bem-estar dos outros seres humanos, seus semelhantes, seus compatriotas.
No caso de Bronislaw Geremek, morto hoje aos 76 anos num estúpido desastre de automóvel, foi a certeza de que a liberdade e a justiça mereciam que ele morresse por elas e que a sua promoção e a sua defesa justificavam e impunham qualquer sacrifício. Primeiro quando se afastou do Partido Comunista na altura da invasão da Checoslováquia pela tropas soviéticas e entrou em dissidência contra o regime de Gomulka, Gierek e, mais tarde, Jaruzelski, no último estertor dum sistema que morria de morte violenta; em 1976, ao colaborar com o Comité de Defesa dos Operários polacos, embrião da oposição democrática; depois, no Verão de 1980, ao acompanhar os operários dos estaleiros de Gdansk e Lech Walesa, ajudando-os na fundação do primeiro sindicato livre do Pacto de Varsóvia, o Solidarnosc; e, finalmente, como representante e Ministro dos Negócios Estrangeiros duma Polónia democrática e europeia e como parlamentar europeu – em todas esses momentos duma existência plena, Geremek, para além de emérito historiador, especialista da Idade Média europeia e de história social, com trabalhos sobre os marginais e os pobres nesse período histórico, dedicou a sua vida à liberdade, à justiça e à Europa, aderindo a uma concepção da res publica que hoje quase parece fora de moda, em que a defesa impenitente de certos ideais não se compadece com os compromissos e cedências que fazem parte dos dia-a-dia dos políticos tradicionais. Foi assim que, em obediência a tais princípios e já no período democrático, ainda se opôs aos gémeos Kaczynski a propósito da chamada lei da lustração, que obrigava os titulares de cargos públicos, políticos e administrativos, a declarar as suas actividades passadas de colaboração com as polícias secretas polaca e soviética, ameaçando demitir-se do seu cargo de parlamentar europeu. (Esta lei veio finalmente a ser considerada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional da Polónia).
sábado, 12 de julho de 2008
"Sons do Silêncio" de Nuno Lobito (fotografias e autoria) e Ana Pessoa e Costa (co-autoria)
Tive pena de não estar no lançamento do livro em que colaborou a prima Ana, ontem à tarde, sexta-feira, mas esta coisa de viver em Bruxelas não me permite dar um saltinho à FNAC do Chiado para estar com ela e com o Nuno Lobito, que não conheço e que é o autor-fotógrafo. Assim, resta-me deixar esta nota aqui no meu blogue. Diz-me o Pedro que foi um sucesso e que a FNAC foi pequena para tanta gente: nas suas palavras, manequins, socialites, ex-ministros e secretários de estado, princesas e meninas de shopping, diplomatas e budistas, fotógrafos e escritores.... 250 livros voaram em uma hora e foi preciso ir buscar mais exemplares ao fim da primeira meia hora. Parabéns, Ana; e também ao Nuno.
sexta-feira, 11 de julho de 2008
Cum grano salis
Com um grãozinho de sal...
É assim que devemos entender as queixas de Ronaldo, quando concorda com o presidente da FIFA, Joseph Blatter, deixando entender que se sente como um escravo impedido de se libertar. A verdade é que, no caso de Ronaldo, a opção dilacerante que se lhe coloca é a de jogar a 100.000 euros por semana no Manchester ou a 150.000 euros também por semana no Real Madrid. Na minha opinião, nesta matéria de transferência de jogadores, as coisas deviam passar-se como em qualquer outro emprego ou actividade. Há um contrato; nesse contrato, prevê-se uma indemnização em caso de desvinculação antes do tempo; paga-se a indemnização e muda-se de clube. Os tribunais aí estão para os casos em que a indemnização acordada seja manifestamente exagerada (até porque foi normalmente fixada quando o jogador tinha menos poder negocial – em termos jurídicos, chama-se a isto, se bem me lembro, contrato leonino: da fábula de Esopo em que o leão, valendo-se da sua força, guardou para si a totalidade do veado caçado em conjunto com uma vaca, uma cabra e uma ovelha) – ou, no caso contrário, quando seja manifestamente diminuta porque, por exemplo (é importante no caso do Sporting) não tome em conta as despesas do clube com a formação do jogador, no caso de estas não serem consideradas à parte, como me parece lógico. As regras que vigoram neste domínio, como em tantas outros assuntos ligados ao futebol, parecem-me opacas e desnecessariamente excepcionais.
Agora, comparar Ronaldo a um escravo? É um insulto àqueles que estiveram sujeitos – e que o estão ainda hoje, em tantos cantos perdidos do mundo – a uma verdadeira servidão. Talvez aqueles senhores não tenham reparado mas, neste caso, a comparação não é entre mais ou menos 50.000 euros por semana, mas entre a vida e a morte, a liberdade e o cativeiro. Algo diferente, não?
Não resisto a chamar a atenção para o ar inteligente de Cristiano Ronaldo na fotografia que propositadamente escolhi para ilustrar este artigo. Mas acreditem que se trata de puro ciúme: afinal, no Manchester ou no Real Madrid, ele ganha por semana quase ou mais do que eu ganho por ano. Em ambos os casos se trata do ordenado líquido! Ou seja, o dele é aproximadamente 52 vezes mais líquido do que o meu. Como querem que eu não sinta inveja?
Barack Obama - Flip-flops
Os comentários de Jesse Jackson sobre Barack Obama, acusando o candidato de «talking down to black people», mesmo se seguidos por um pronto pedido de desculpas, inequívoco e sem reservas, não deixaram mesmo assim de causar perturbação na campanha do candidato democrata. E isto porque Jackson chamou a atenção para a perceptível viragem à direita de Obama, no seu esforço evidente (mas que pode trazer mais prejuízos do que vantagens) de se ancorar ao centro que é, segundo os habituais pundits, o espaço onde se ganham as eleições.
Poderá dizer-se que se trata apenas de ganhar as eleições e que tudo isto é imposto por um sistema político que obriga a um discurso macho-americano, religioso e conservador. Mas é esquecer que o entusiasmo despertado por Obama veio precisamente de ter conseguido ultrapassar este tipo convencional de saber e fazer e de ter travado contra Hillary Clinton uma batalha em que uma postura diferente, empenhada, idealista, arrastou multidões e ganhou votos. Porquê alterar uma estratégia que deu frutos, principalmente se essa mudança é feita para responder a um eleitorado que um candidato como Obama deveria desprezar?
Só nos resta esperar que tudo isto não passe disso mesmo: uma manobra eleitoralista que será corrigida quando Obama chegar à Casa Branca. Mas que é mau sinal, é! Sem dúvida!
quinta-feira, 10 de julho de 2008
O G8 e a fome no mundo
Segundo informa o Diário de Notícias, na sua edição on-line de hoje, os chefes de Estado e de governo e os representantes das principais organizações internacionais (ONU e União Europeia, por exemplo, com Ban Ki-moon e os nossos Barroso e Solana) que participaram, no Japão, na reunião das oito economias mais industrializadas do mundo (G8), causaram «espanto e repúdio na opinião pública internacional, após ter sido divulgada aos órgãos de comunicação social a ementa dos seus almoços de trabalho e jantares de gala». Com efeito, numa cimeira dedicada, em parte, à crise alimentar mundial (que pode causar a morte de milhões de pessoas vivendo com 1 dólar ou menos por dia e põe em risco a saúde e qualidade de vida de muitos outros milhões que dispõem de rendimentos pouco acima daquele limiar), «reunidos sob o signo dos altos preços dos bens alimentares nos países desenvolvidos bem como da escassez de comida nos países mais pobres», aquelas sublimes criaturas «não se inibiram de experimentar 24 pratos, incluindo entradas e sobremesas, num jantar que terá custado, por cabeça, a módica quantia de 300 euros.»
Trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e uma selecção de queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas – eis alguns dos pratos à disposição dos líderes mundiais. Quanto aos vinhos, foram cinco no total, entre os quais um Château-Grillet 2005, cuja garrafa custa cerca de 70 euros. Não contentes com isto – ou talvez com uma petite faim mesmo depois de tais excessos – ainda essa gente se alambazou com champanhe, salmão fumado, bifes de vaca de Quioto e espargos brancos, numa orgia digna dos talentos descritivos de Rabelais. A preparar as refeições estiveram 25 cozinheiros japoneses e estrangeiros, entre os quais alguns dos galardoados com as três estrelas do Guia Michelin.
Segundo a imprensa britânica, o «decoro» dos líderes do G8 levou-os a não convidarem para o jantar alguns dos participantes nas reuniões sobre as questões alimentares, como sejam os representantes da Etiópia, Tanzânia ou Senegal. O que é lamentável porque seriam estes, normalmente, os que mais se regalariam com uma ementa a que poderiam não estar habituados (se bem que, por exemplo, José Eduardo dos Santos, o Presidente duma Angola esfaimada, seja um dos homens mais ricos do mundo e não costume comer em tabernas ou restaurantes baratos).
Ainda de acordo com o «Diário de Notícias», foram os jornais e as televisões inglesas que estiveram na linha da frente da divulgação do serviço de mesa e das reacções concomitantes. Dominic Nutt, da organização «Britain Save the Children», referiu que "é bastante hipócrita que os líderes do G8 não tenham resistido a um festim destes numa altura em que existe uma crise alimentar e milhões de pessoas não conseguem sequer uma refeição decente por dia". Os conservadores ingleses, na oposição, também se emocionaram; mas é difícil acreditar
Sempre fui contra este tipo de cimeiras em que estas personagens se encontram em mangas de camisa ou sem gravata (história de parecerem todos amiguinhos e despreocupados) e plantam árvores, colocam primeiras pedras em edifícios que nunca verão e, sobretudo, posam para as chamadas fotos de família. Por favor, tratem dos assuntos por telefone ou vídeo-conferência, em encontros bilaterais ou através dos canais diplomáticos normais. Esta cimeira custou um total de 358 milhões de euros, o suficiente para comprar 100 milhões de mosquiteiros que ajudam a impedir a propagação da malária em África ou tratar quatro milhões de doentes com sida. Só o centro de imprensa, construído propositadamente para a ocasião, custou 30 milhões de euros. Há, de certeza, no mundo de hoje, melhores maneiras de utilizar somas como estas. Deixem de nos incomodar com este desperdício de dinheiros e com este exibicionismo de novos-ricos. Um pouco de decoro – é só isso que se lhes pede!
segunda-feira, 7 de julho de 2008
Os políticos franceses e o Québec
Para a França, o Québec é uma questão complicada. Os franceses nunca se refizeram de terem perdido o que então chamavam «La Nouvelle France», em 1763, de acordo com as cláusulas do Tratado de Paris que pôs fim à Guerra dos Sete Anos e pelo qual a França, se bem que mantendo a generalidade das suas posições europeias, desistiu, em favor da Grã-Bretanha, das suas pretensões imperiais.
Em 1967, a 24 de Julho, o General de Gaulle, de visita a este Estado canadiano, lançou o seu famoso e polémico «Vive le Québec libre!». Aliás, não contente com esta frase, já por si capaz de provocar uma imediata urticária nos dirigentes canadianos, acrescentou ainda, no mesmo fôlego, «Vive le Canada français!… Et vive la France!...» A viagem e o discurso de de Gaulle deram origem à mais grave crise diplomática franco canadiana da história moderna, com o governo federal a acusar a França de ingerência nos assuntos internos do Canadá (convenhamos que com alguma razão!) e as relações entre os dois países só melhoraram depois da demissão do General que, como se sabe, não gostava de pedir desculpas.
Durante a recente campanha eleitoral para a Presidência da República francesa, foi Ségolène Royal que originou alguma polémica ao considerar, em resposta a uma questão posta por jornalistas, que o desenvolvimento do Québec e a sua relação privilegiada com a França apontavam no sentido da plena soberania desse Estado.
Agora é François Fillon que excita os ânimos ao evocar as relações entre os dois «pays»! É verdade que o Primeiro-Ministro francês emendou a mão, reconhecendo o seu erro e declarando que melhor seria se tivesse falado em nações, o que não daria lugar a discussão já que o Québec é reconhecido, pela constituição canadiana e pela sua própria, como nação distinta. Mas logo acrescentou, numa espécie de exemplo da famosa máxima portuguesa «pior a emenda que o soneto», que, para ele, pays, palavra que, em francês, segundo Fillon, tem vários significados, era qualquer lugar onde existissem paysans (camponeses). Só que, desta vez, foram os canadianos de origem francesas, os próprios québecquois, que não gostaram da graça.
Moral da história: o melhor é que os políticos franceses não visitem o Québec. Fiquem em casa – ou, nesta fase de amor americano inaugurada por Sarkozy, e antes que Bush parta para imerecido descanso, vão a Washington!
Wimbledon 2008 - A primeira vitória de Nadal
Creio que, se estivesse no lugar de Federer, e depois de digerida a enorme desolação de não conseguir uma sexta vitória em Wimbledon, alcançando novo recorde de vitórias sucessivas e ultrapassando o recorde velho de vinte e oito anos de Björn Borg, teria gostado que a minha primeira derrota em finais neste torneio tivesse vindo depois dum jogo como o de ontem.
Na mais disputada final de Wimbledon nos tempos recentes (e, provavelmente, numa das mais emocionantes e de maior qualidade de jogo de sempre – a par provavelmente da mítica final de 1980, em que Borg derrotou McEnroe pela última vez e em que houve um tie-break que terminou com o resultado de 18-16. Borg perderia para o mesmo McEnroe em 1981 num jogo a que também assisti), Nadal acabou por se impor depois de Federer ter desperdiçado várias oportunidades nos dois primeiros sets, apenas para se recompor e ganhar os dois seguintes com dois tie-breaks de antologia, mostrando, pela primeira vez nesta época difícil para ele, uma combatividade que parecia faltar-lhe. Mas, depois de 4 horas e 48 minutos de jogo, Nadal mereceu cabalmente a sua vitória e mostrou a toda a gente (eu incluído) que não é apenas um jogador de terra batida mas um grande jogador tout-court que cedo chegará a número 1 mundial.
Foi um jogo espectacular, com momentos de ténis que pareciam do outro mundo. Pouco tempo antes do fim, como dizia um dos comentadores ingleses, os dois jogadores ainda tiveram forças para realizar os dois passing-shots mais bonitos do torneio e, provavelmente (pelo menos, o de Nadal), os melhores desta época. Acabou por vencer a maior força física de Nadal, numa altura em que Federer acusou certo cansaço que o levou a algumas pequenas imprecisões nos últimos jogos que, contudo, teriam passado despercebidas face a qualquer outro jogador que não Nadal.
Partidário ferrenho de Federer, que considero um dos melhores jogadores de todos os tempos e o que tem o ténis mais bonito de sempre, tenho-me rendido pouco a pouco à qualidade de Nadal. Por isso, a sua vitória não me desiludiu. Aliás, depois deste jogo, nada me podia desiludir. Que extraordinário espectáculo, a provar que, nestas ocasiões, não há mais belo desporto que o ténis.
sexta-feira, 4 de julho de 2008
quinta-feira, 3 de julho de 2008
Um poema de Sophia
Um livro recente de Frederico Lourenço (tradutor da Ilíada e da Odisseia, de Homero) fez-me pegar nas poesias de Sophia de Mello Breyner e, principalmente, nas duas obras por ele referidas: Geografia (1967) e Dual (1972). A poesia de Sophia nunca deixa de encantar-me: mergulho nela sempre como se fosse a primeira vez. A surpresa, o deslumbramento, a sensação de segredo e mistério não desaparecem, mesmo depois de mil leituras, mesmo quando sei os poemas de cor. Como é possível dizer tudo numa só curta frase? Como podem as palavras - as mesmas palavras que todos nós conhecemos e usamos - significar tanto e deixar-nos assim extasiados?
Fica aqui uma poesia de Geografia, sobre a morte de Frederico Garcia Lorca. A primeira estrofe faz-me lembrar irresistivelmente uma frase da Carta a meus filhos sobre os fuzilamentos de Goya, de Jorge de Sena, que já aqui citei várias vezes: «foram estripados, esfolados, queimados, gaseados, e os seu corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido, ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória». Por outro lado, sempre pensei que os genocídios só são possíveis, moralmente e fisicamente possíveis, porque os seus autores são incapazes de imaginar o rosto dos que matam.
Túmulo de Lorca
Em ti choramos os outros mortos todos
Os que foram fuzilados em vigílias sem data
Os que se perdem sem nome na sombra das cadeias
Tão ignorados que nem sequer podemos
Perguntar por eles imaginar seu rosto
Choramos sem consolação aqueles que sucumbem
Entre os cornos da raiva sob o peso da força.
Não podemos aceitar. O teu sangue não seca
Não repousamos em paz na tua morte
A hora da tua morte continua próxima e veemente
E a terra onde abriram a tua sepultura
É semelhante à ferida que não fecha
O teu sangue não encontrou nem foz nem saída
De Norte a Sul de Leste a Oeste
Estamos vivendo afogados no teu sangue
A lisa cal de cada muro branco
Escreve que tu foste assassinado
Não podemos aceitar. O processo não cessa
Pois nem tu foste poupado à patada da besta
A noite não pode beber nossa tristeza
E por mais que te escondam não ficas sepultado.
(O desenho é de Carlos Botelho)
quarta-feira, 2 de julho de 2008
Ingrid Betancourt - livre finalmente
Há poucos minutos, o governo colombiano anunciou a libertação de Ingrid Betancourt, três reféns norte-americanos e onze militares que se encontravam sequestrados pelas FARC há longos anos. Ingrid Betancourt, cujo destino comoveu a França e a Europa, foi raptada em Fevereiro de 2002: há mais de seis anos, passados em condições desesperadas. Disse-se, nos últimos tempos, que a sua saúde era frágil mas o reencontro com o seu marido, os seus filhos meio-franceses dum anterior casamento (uma rapariga e um rapaz, Melanie e Lorenzo, que não viu crescer), a sua família e os seus amigos poderão fazer milagres e ajudá-la a recuperar rapidamente, como aconteceu com outros sequestrados: recordo