quinta-feira, 31 de julho de 2008

Diogo em Bournemouth

E o Diogo está aqui, em Bournemouth, num estágio de inglês mas numa família de gente algo chata que o obriga a voltar a casa antes das onze e meia (e mesmo isto depois de longas negociações diplomáticas).

Mas está a divertir-se, ao que parece, e é isso que interessa.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Teresa em Madrid e Barcelona

Eis onde está agora a Trezzu e três amigas: Barcelona depois de Madrid. Segundo as últimas informações, «on s'amuse comme des folles». O tempo esta excelente, vão à praia, passeiam, à noite saem e divertem-se. Ai! as vantagens de se ter dezassete anos...

Comentários

Gostaria de poder agradecer os vossos comentários utilizando a fotografia aqui do lado, mas a verdade é que tenho a impressão de escrever no deserto.

Muita gente me diz que vê o meu blogue, alguns até que gostam dele, mas lá escrever qualquer coisinha... nada!

Enfim, vou persistindo. Água mole em pedra dura...

Jack Lang e a revisão constitucional em França

Eu nem sequer gosto muito de Jack Lang, antigo ministro de François Mitterrand, e já não gostava dele quando toda a esquerda bem pensante o considerava como o melhor Ministro da Cultura da França de sempre ou, quando a modéstia fazia valer alguns dos seus direitos, pelo menos o melhor depois de André Malraux. Mas tenho bastante simpatia pela atitude que tomou anteontem ao votar favoravelmente o projecto de reforma constitucional apresentado por Nicolas (Bruni) Sarkozy, de quem, como é sabido, não gosto mesmo nada.

Jack Lang foi violentamente atacado pelas luminárias do seu partido (que se têm especializado em ganhar as eleições pouco importantes e em perder as que realmente contam). Ségolène Royal (de quem também nunca gostei) chamou-o traidor e falou duma espécie de honra perdida, para além de garantir que, no novo Partido Socialista (isto é, o que ela se propõe dirigir, no caso pouco provável mas longe de impossível, de ganhar o próximo congresso), não haveria lugar para este tipo de atitudes. Se eu fosse francês e socialista, gostaria de perguntar a Ségolène Royal se a punição de Jack Lang constituiria, de perto ou de longe, uma vantagem eleitoral ou de princípios para o PS. Dada a sua popularidade e independência, atrever-me-ia a dizer que não... Mas não me parece que ela esteja interessada na minha opinião.

O voto de Lang, que, aliás, nem foi determinante, ao contrário do que diziam as primeiras notícias, para a aprovação da reforma (o empate de votos significava aprovação), tinha sido anunciado previamente. Sem negar alguns defeitos das propostas finalmente votadas, e nomeadamente, o da manutenção do modo arcaico e claramente oligárquico da designação dos membros do Senado, Lang considerou que estas consagram alguns avanços essenciais desde sempre defendidos pelo Partido Socialista, entre os quais o reforço dos poderes do Parlamento que, em particular, será chamado a pronunciar-se sobre as nomeações de altos funcionários e dirigentes de empresas públicas (e a reforma consagra ainda um outro conjunto de normas que fortificam os poderes de controlo e fiscalização da Assembleia).

Em matéria de Constituição, a obediência à linha do partido (com toda as conotações leninistas ou estalinistas que esta atitude comporta) tem pouca importância, principalmente quando, como era o caso, o voto negativo do PS nada tinha a ver com o conteúdo da revisão mas simplesmente com a vontade de negar uma vitória política a Sarkozy. Trata-se, afinal, de definir o modo de funcionamento da democracia francesa e este não deve estar dependente de considerações tácticas de fraca qualidade. Quatro outro deputados socialistas vieram a público dizer que tinham votado contra a reforma apenas por motivos de disciplina partidária mas que concordavam com as propostas apresentadas e consideravam disparatada a estratégia do partido. Isto parece-me cobardia – ou,pelo menos, lealdade mal compreendida.

Por mim, prefiro – mas é a meu jeito de sempre – os que não têm medo de remar contra a maré. Normalmente, vem a revelar-se mais tarde, quando os espíritos acalmam, que têm razão. E sempre lhes fica a coragem da atitude...

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Anos do João







O João faria hoje 52 anos. Ainda não me habituei à sua ausência.

terça-feira, 22 de julho de 2008

Finalmente...

A prisão, ontem em Belgrado, de Radovan Karadzic só pode ser motivo de contentamento para todos quantos consideram que os crimes de guerra (e, em particular, o genocídio) não podem ficar impunes. É necessário proclamar que há limites para o que pode fazer-se antes de declaradas as hostilidades e durante estas, definindo um modo de entrar em guerra e de a conduzir que possa considerar-se como aproximadamente justo (mesmo tendo em conta que a guerra é, em si mesmo, essencialmente reprovável). Já os autores cristãos da Idade Média utilizavam este conceito de guerra justa para ultrapassar as naturais dificuldades criadas pelo 5º mandamento: «Não matarás». Eles distinguiram o jus ad bellum, que representava o conjunto de critérios que deviam ser respeitados para que a guerra pudesse ser justamente declarada; e o jus in bello, que se referia à conduta da guerra e que, na sua versão moderna, se ocupa de questões como o tratamento dos prisioneiros inimigos, a protecção das populações civis e dos não combatentes em geral, e o respeito dos direitos humanos das populações inimigas, combatentes e não combatentes, etc. O julgamento de Karadzic e a sua eventual condenação pelo Tribunal Penal Internacional para a antiga Jugoslávia, em Haia, constituirá uma significativa afirmação desses princípios.

Radovan Karadicz é procurado pela sua actuação durante os conflitos que marcaram o fim da antiga Jugoslávia. Segundo as Nações Unidas, em Julho de 1995, as forças por ele dirigidas mataram pelo menos 7.500 homens e crianças muçulmanos de Srebrenica, com o único objectivo de aterrorizar e desmoralizar a população muçulmana e croata da Bósnia. Para além disso, é acusado de ter dirigido o bombardeamento de Sarajevo, com total desprezo pela morte e destruição causada às populações civis. Antes da derrota de Milosevic, de quem era amigo e aliado, Karadzic nunca escondeu, aliás, que o seu objectivo era «extirpar» da Bósnia todos os habitantes que não fosse de origem sérvia e de criar um Estado em que estes fossem a etnia única. O seu objectivo era, confessadamente, a limpeza étnica.

Se as coisas correrem como se prevê, será julgado em Haia. As suas vítimas terão, pelo menos, a (triste) satisfação de o verem julgado pelos seus crimes: assim justiça seja feita!

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Tenho que ir passear a Kiddie...

... mas lá fora chove, a temperatura está nos doze graus, o meu filho Diogo está em casa duma amiga a jantar esparguete à bolonhesa, a minha neta foi para a Tunísia com o pai e a avó e já deve estar na praia, em Lisboa faz sol, e eu estou para aqui a pensar porque decidi vir viver para esta terra...

domingo, 20 de julho de 2008

A sombra de Goebbels pesa na negociação do acordo da OMC

Difícil de compreender a emoção que acolheu as palavras do Ministro das Relações Externas do Brasil, Celso Amorim, quando este afirmou, no contexto da negociação dum acordo global no seio da Organização Mundial do Comércio (OMC), que a estratégia dos países ricos se inspirava numa frase de Goebbels, Ministro da Propaganda de Hitler, que costumava gabar-se de que «uma mentira repetida muitas vezes se transforma em verdade». Com efeito, o que o ministro brasileiro pretendeu foi sublinhar a hipocrisia dos negociantes das nações desenvolvidas, que dão a entender que o acordo final apenas depende da aquiescência do chamado Terceiro Mundo em relação às regras aplicáveis aos produtos industriais porque, segundo eles, o dossier agrícola se encontraria praticamente concluído. Ora, a verdade é que isso é mentira: em matéria agrícola, ainda há concessões indispensáveis a fazer pela Europa, Estados Unidos, Canadá Japão, Austrália, etc., e as propostas que se encontram em cima da mesa nesta matéria estão muito aquém do que é exigível no que respeita à indispensável liberalização do acesso aos mercados agrícolas, necessária para assegurar o crescimento económico sustentado dos países mais pobres.

Para isso, e apenas para isso, Celso Amorim lembrou as palavras do dirigente nazi. Mas esta referência foi feita apenas, como toda a gente compreendeu embora alguns afirmem o contrário, para sublinhar que a responsabilidade pelo atraso e eventual fracasso das negociações não pode ser assacada a apenas uma das partes.


Assim, nada justifica a emoção da negociadora americana, Susan Schwab, mesmo se pode compreender-se que o facto de os seus pais terem sido vítimas do Holocausto torne este aspecto das coisas particularmente doloroso. O ministro brasileiro nem de perto nem de longe pretendeu compará-la ao dirigente nazi, limitando-se, o que é seu dever mais ainda do que seu direito, a chamar a atenção para um aspecto das negociações que é extremamente importante para a maioria das nações sub-desenvolvidas e tentando mostrar como a propaganda pode, ainda hoje e sempre, sobrepor-se aos factos nus. Por isso já declarou que não tem a intenção de apresentar desculpas porque não houve intenção de ofender nem de equiparar comportamentos ou atitudes.

De qualquer maneira, pode acreditar-se que não haverá excesso de sorrisos quando ambos se encontrarem esta noite no jantar oferecido por Pascal Lamy, director-geral da OMC.

sábado, 19 de julho de 2008

Nicolau II - A pretensa oportunidade perdida

No dia 17 de Julho, passaram noventa anos sobre o assassínio, ordenado pelos bolcheviques com o acordo do próprio Lenine, de Nicolau II, último czar de todas as Rússias, e de toda a sua família. Não faltaram nessa altura muitos a pretenderem que, se a revolução de Outubro não tivesse ocorrido, o regime czarista teria evoluído para uma democracia moderna e a Rússia teria sido poupada aos setenta anos do regime comunista. Em França, a principal defensora desta ideia é Hélène Carrère d’Encausse, de ascendência russa (entre os seus antepassados contam-se grandes servidores da autocracia russa e também, pelo menos, três regicidas), secretária perpétua da Academia Francesa e historiadora de renome. Em 1978, Carrère d’Encausse anunciou, com alguma presciência, o fim da União Soviética, embora, na sua opinião, em resultado da sua incapacidade em resistir à pressão demográfica das repúblicas muçulmanas da Ásia Central (que faziam parte do país artificial criado pela Revolução de 1917 e, principalmente, em 1921, pela afirmação do poder central russo após a Guerra Civil que culminou na vitória das forças bolchevistas), e não como consequência duma qualquer influência dos Estados Unidos liderados por Reagan. Carrère d’Encausse foi ainda autora de várias biografias de figuras históricas russas (como o próprio Nicolau II e Lenine), a última das quais, consagrada à vida de Alexandre II, o chamado czar liberal, avô de Nicolau II, foi há pouco tempo publicada em França.

Em oposição a Carrère d’Encausse e aos que pensam como ela, convém repor a verdade histórica e afirmar que o regime czarista, sobretudo sob Nicolau II, não tinha nenhuma possibilidade de evoluir para qualquer forma de democracia nem de se modernizar no plano económico ou social, pelo menos se considerarmos esta modernização na perspectiva liberal e ocidental. Basta atentar nas palavras de um dos maiores historiadores da Revolução Russa, Orland Figes, que nem sequer é suspeito de particulares simpatias para com o regime comunista: a prová-lo está o título da sua obra principal, magnífica, essencial e que, o que não é de menosprezar, se lê como um romance, sobre este período histórico: «A People’s Tragedy». Considerando aquilo que chama o «desmoronamento» da dinastia, Figes afirma que o regime dos Romanov caiu sob o peso das suas contradições internas. Os espíritos mais atentos da época não desconheciam a necessidade de profundas reformas, no plano político, económico e social. Só que aí residia a principal, e inultrapassável, dificuldade. Os dois últimos czares e as suas camarilhas reaccionárias eram avessos a toda e qualquer reforma. Para eles, a autocracia era a forma de regime natural, o poder do autocrata vinha directamente de Deus e, se bem que compreendessem, em teoria, a necessidade de uma economia industrial moderna que lhes permitisse rivalizar com as outras potências europeias e mundiais, recusavam-se, na pratica, a dar os passos necessários para permitir o desenvolvimento das forças produtivas nacionais. As reformas eram impossíveis pela razão simples que os czares as recusavam. Por isso, a mudança de regime, que era indispensável mesmo do ponto de vista da manutenção do poder externo do Estado, exigia a revolução (embora, como é evidente, não necessariamente uma revolução bolchevista).

A humilhante derrota contra o Japão e a revolução de 1905 que se lhe seguiu constituíram o golpe final nas pretensões duma dinastia que considerava que o povo, o verdadeiro povo russo, o bom povo russo, olhava para ao czar como se este fosse um pai misericordioso e o anúncio antecipado do fim do regime. A ordem de disparar sobre a população que se tinha juntado em frente do Palácio de Inverno para pedir pão e alimento (a fotografia que aqui coloquei retrata esses acontecimentos) constituiu, pelo seu significado mais ainda do que pela sua dureza (até porque o número de vítimas foi relativamente baixo), um momento simbólico fundamental, porque quebrou irremediavelmente a própria pretensão da existência dum laço privilegiado entre o czar e o povo. Em 1917, numa coda longínqua desses acontecimentos, as tropas recusaram-se a disparar sobre a multidão e o czar abdicou.

Para o imperador e os seus homens de mão, como também, mais tarde, para os comunistas, esse bom povo não passava duma abstracção. Nunca passaria pela cabeça do czar interessar-se verdadeiramente pelos seus sofrimentos, pelas dificuldades da sua existência quotidiana, e a ideia de apertar a mão dum mujique ou de entrar em sua casa despertar-lhe-ia uma indizível repugnância se, por acaso, alguma vez a considerasse. (E nem sequer os camponeses russos, ao contrário do que pretendia uma idealização em que colaboraram forças de direita e de esquerda, eram esse conjunto de homens e mulheres puros e altruístas
que levou a geração de 1860 e 1870 do movimento Narodnichestvo ou Narodismo a participar na célebre campanha do «ir para o povo». Quando Tchekov publicou a sua novela O Mujique, que dava uma imagem realista da vida nas aldeias russas e estilhaçava o mito do bom selvagem caro a Rousseau, Alexandre Herzen e a maioria dos intelectuais russos, o escândalo foi considerável!)

O certo é que, depois de 1905, a dinastia estava condenada. Essa era, aliás, a opinião da maioria dos homens políticos europeus, mesmo nos países de que a Rússia era aliada. A notícia da abdicação de Nicolau II, em Fevereiro de 1917, foi recebida com alívio universal. Todos sabiam que o regime tinha caído de podre e, para os observadores contemporâneos, a Rússia podia finalmente modernizar-se e juntar-se ao concerto das nações desenvolvidas. Tudo isto era uma ilusão mas, na altura, quase ninguém se apercebeu de que o mal era muito mais profundo do que se sabia e de que as forças liberais não tinham qualquer apoio popular, em grande parte por culpa dum regime impedira o seu desenvolvimento e afirmação. Assim, a liberdade, a democracia, o progresso e a modernização não estavam realmente na ordem do dia embora quase todos pensassem que sim. Foi só mais tarde que esta opinião generalizada começou a matizar-se e, mesmo assim, apenas como forma de negar a legitimidade do regime comunista.

A morte do czar era evitável? Talvez! Digamos que da mesma forma que o era (ou não era) a morte de Luís XVI ou a de Alexandre Ilitch Ulianov, irmão de Lenine, condenado à morte por ter participado na preparação duma tentativa de assassinato de Alexandre III... Mas, mesmo que o nosso juízo sobre a sua morte seja, por razões morais ou outras, negativo, isso não significa que Nicolau II mereça um qualquer lugar particular na história do seu país ou da humanidade e, muito menos, que possa ser considerado o símbolo duma oportunidade perdida.

Robert Murat, notícias e indemnizações

No âmbito dum processo num tribunal inglês, Robert Murat conseguiu uma importante indemnização dos principais tablóides britânicos (mais de 700 mil euros) para compensar os prejuízos que sofreu em virtude das notícias que o acusavam, de forma manifestamente infundada, de um possível envolvimento no rapto de Madeleine McCann.

Em minha opinião, isto deveria equivaler a uma «non-new» e nem sequer teria aqui mencionado esta informação se não fosse o facto de ter lido, há poucos dias, um editorial de José Manuel Fernandes, no Público, louvando a liberdade de imprensa existente nos Estados Unidos e lamentando as (em sua opinião) exageradas limitações impostas ao trabalho dos jornalistas na Europa, precisamente em virtude duma muito estrita aplicação das normas que protegem a integridade da vida privada e proíbem a difamação. Na opinião de José Manuel Fernandes, a Europa devia seguir os passos dos Estados Unidos e inverter o ónus da prova: não seria o jornal a dever provar que as suas alegações são verdadeiras mas os acusados nas suas páginas a dever provar que elas são falsas.


Como tantas outras vezes, José Manuel Fernandes não tem razão nenhuma. Não só é o jornal (ou a rádio ou a televisão) que inicia o processo ao publicar a notícia – e é razoável exigir que apenas o faça na convicção fundada (e não meramente subjectiva) de que ela é verdadeira – como é evidentemente mais difícil provar uma situação «negativa», ou seja, provar que algo não existe, do que o contrário (o que é ensinado nos primeiros anos do curso de Direito). O caso de Robert Murat é disto um bom exemplo. Ele foi acusado publicamente e, depois, constituído arguido, apenas porque uma jornalista inglesa considerou suspeito o seu comportamento quando se prontificou a ajudar os representantes da imprensa britânica, nomeadamente como tradutor. Essa atitude, segundo a jornalista (que devia, aliás, ser pessoalmente responsabilizada, senão por Murat, ao menos pelos jornais, por ter agido com evidente imprudência), era suficiente para o condenar, já que «o criminoso volta sempre ao lugar do crime» e havia, noutros casos conhecidos, exemplos de pedófilos a tentar colaborar com a imprensa e as autoridades.

Os prejuízos causados a Murat foram obviamente incalculáveis. E, no entanto, ele não teria nenhuma possibilidade de provar que não estava envolvido no rapto de Madeleine. Suponhamos que as investigações se arrastavam por mais alguns anos (o que sempre seria possível embora pareça que a polícia e o Ministério Público portugueses se preparam para pôr termo a este processo, sem deduzir acusação nem descobrir o que realmente se passou por falta de indícios suficientes). De que meios poderia Murat servir-se para evidenciar a sua inocência? Se continuasse como arguido
no processo, isso seria pura e simplesmente impossível. E, no entanto, ninguém pode conscientemente defender a atitude da imprensa, cujos únicos objectivos foram aumentar as vendas e conseguir importantes lucros imediatos.

Há uma responsabilidade dos jornais e meios de comunicação que não pode ser escamoteada. Impor o ónus da prova a quem é objecto das notícias que um jornal, a rádio ou a televisão decidem divulgar é apenas uma forma corporativa de defender uma classe à qual, pelo poder de que dispõe, se exigem particulares responsabilidades. José Manuel Fernandes, que está sempre pronto a denunciar os corporativismos dos outros (professores, médicos, funcionários, etc.) devia procurar-se em varrer primeiro diante da sua própria porta.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Meu Deus, porque é que a sede da Comissão Europeia não é lá mais para o Sul?

Já que, aqui em Bruxelas, está a pingar... O que, em Julho, é (muito) deprimente!

domingo, 13 de julho de 2008

Morreu Bronislaw Geremek

Há homens que caíram na política apenas porque uma certa concepção da vida a isso os obrigou. Para eles, não se trata de exercer o poder, de adquirir estatuto ou posição, muito menos de obter ganhos materiais – mas de responder a um ideal, de seguir a sua consciência que lhes diz que existem valores que é necessário defender contra os tiranos ou simplesmente contra a prepotência das ideias feitas e dos hábitos instalados, de realizar um sonho ou uma utopia, de contribuir para a paz, a justiça, a liberdade e o bem-estar dos outros seres humanos, seus semelhantes, seus compatriotas.

No caso de Bronislaw Geremek, morto hoje aos 76 anos num estúpido desastre de automóvel, foi a certeza de que a liberdade e a justiça mereciam que ele morresse por elas e que a sua promoção e a sua defesa justificavam e impunham qualquer sacrifício. Primeiro quando se afastou do Partido Comunista na altura da invasão da Checoslováquia pela tropas soviéticas e entrou em dissidência contra o regime de Gomulka, Gierek e, mais tarde, Jaruzelski, no último estertor dum sistema que morria de morte violenta; em 1976, ao colaborar com o Comité de Defesa dos Operários polacos, embrião da oposição democrática; depois, no Verão de 1980, ao acompanhar os operários dos estaleiros de Gdansk e Lech Walesa, ajudando-os na fundação do primeiro sindicato livre do Pacto de Varsóvia, o Solidarnosc; e, finalmente, como representante e Ministro dos Negócios Estrangeiros duma Polónia democrática e europeia e como parlamentar europeu – em todas esses momentos duma existência plena, Geremek, para além de emérito historiador, especialista da Idade Média europeia e de história social, com trabalhos sobre os marginais e os pobres nesse período histórico, dedicou a sua vida à liberdade, à justiça e à Europa, aderindo a uma concepção da res publica que hoje quase parece fora de moda, em que a defesa impenitente de certos ideais não se compadece com os compromissos e cedências que fazem parte dos dia-a-dia dos políticos tradicionais. Foi assim que, em obediência a tais princípios e já no período democrático, ainda se opôs aos gémeos Kaczynski a propósito da chamada lei da lustração, que obrigava os titulares de cargos públicos, políticos e administrativos, a declarar as suas actividades passadas de colaboração com as polícias secretas polaca e soviética, ameaçando demitir-se do seu cargo de parlamentar europeu. (Esta lei veio finalmente a ser considerada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional da Polónia).

Harlem Désir, porta-voz do PS francês, chamou-lhe, numa homenagem profundamente sentida, que pode reflectir, parece-me, a opinião da grande maioria dos europeus, de esquerda ou de direita, «un grand sage, érudit, engagé au service d'un idéal d'humanisme, de liberté pour une nouvelle renaissance européenne un Erasme moderne».

É raro que se possa dizer a respeito de alguém que a sua vida foi um exemplo. Não é contudo difícil fazê-lo a propósito deste Homem. É com emoção e tristeza que a Europa (e o Parlamento Europeu, que perde o mais ilustre dos seus representantes) deve acolher a notícia da morte de Bronislaw Geremek, que incarnava, no mais alto grau, os valores de uma certa Europa, uma Europa da liberdade, baseados, como ele próprio sempre afirmou, na solidariedade, na justiça e na autonomia do ser humano.

sábado, 12 de julho de 2008

"Sons do Silêncio" de Nuno Lobito (fotografias e autoria) e Ana Pessoa e Costa (co-autoria)

Tive pena de não estar no lançamento do livro em que colaborou a prima Ana, ontem à tarde, sexta-feira, mas esta coisa de viver em Bruxelas não me permite dar um saltinho à FNAC do Chiado para estar com ela e com o Nuno Lobito, que não conheço e que é o autor-fotógrafo. Assim, resta-me deixar esta nota aqui no meu blogue. Diz-me o Pedro que foi um sucesso e que a FNAC foi pequena para tanta gente: nas suas palavras, manequins, socialites, ex-ministros e secretários de estado, princesas e meninas de shopping, diplomatas e budistas, fotógrafos e escritores.... 250 livros voaram em uma hora e foi preciso ir buscar mais exemplares ao fim da primeira meia hora. Parabéns, Ana; e também ao Nuno.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Cum grano salis

Com um grãozinho de sal...

É assim que devemos entender as queixas de Ronaldo, quando concorda com o presidente da FIFA, Joseph Blatter, deixando entender que se sente como um escravo impedido de se libertar. A verdade é que, no caso de Ronaldo, a opção dilacerante que se lhe coloca é a de jogar a 100.000 euros por semana no Manchester ou a 150.000 euros também por semana no Real Madrid. Na minha opinião, nesta matéria de transferência de jogadores, as coisas deviam passar-se como em qualquer outro emprego ou actividade. Há um contrato; nesse contrato, prevê-se uma indemnização em caso de desvinculação antes do tempo; paga-se a indemnização e muda-se de clube. Os tribunais aí estão para os casos em que a indemnização acordada seja manifestamente exagerada (até porque foi normalmente fixada quando o jogador tinha menos poder negocial – em termos jurídicos, chama-se a isto, se bem me lembro, contrato leonino: da fábula de Esopo em que o leão, valendo-se da sua força, guardou para si a totalidade do veado caçado em conjunto com uma vaca, uma cabra e uma ovelha) ou, no caso contrário, quando seja manifestamente diminuta porque, por exemplo (é importante no caso do Sporting) não tome em conta as despesas do clube com a formação do jogador, no caso de estas não serem consideradas à parte, como me parece lógico. As regras que vigoram neste domínio, como em tantas outros assuntos ligados ao futebol, parecem-me opacas e desnecessariamente excepcionais.

Agora, comparar Ronaldo a um escravo? É um insulto àqueles que estiveram sujeitos – e que o estão ainda hoje, em tantos cantos perdidos do mundo – a uma verdadeira servidão. Talvez aqueles senhores não tenham reparado mas, neste caso, a comparação não é entre mais ou menos 50.000 euros por semana, mas entre a vida e a morte, a liberdade e o cativeiro. Algo diferente, não?

Não resisto a chamar a atenção para o ar inteligente de Cristiano Ronaldo na fotografia que propositadamente escolhi para ilustrar este artigo. Mas acreditem que se trata de puro ciúme: afinal, no Manchester ou no Real Madrid, ele ganha por semana quase ou mais do que eu ganho por ano. Em ambos os casos se trata do ordenado líquido! Ou seja, o dele é aproximadamente 52 vezes mais líquido do que o meu. Como querem que eu não sinta inveja?

Barack Obama - Flip-flops

Os comentários de Jesse Jackson sobre Barack Obama, acusando o candidato de «talking down to black people», mesmo se seguidos por um pronto pedido de desculpas, inequívoco e sem reservas, não deixaram mesmo assim de causar perturbação na campanha do candidato democrata. E isto porque Jackson chamou a atenção para a perceptível viragem à direita de Obama, no seu esforço evidente (mas que pode trazer mais prejuízos do que vantagens) de se ancorar ao centro que é, segundo os habituais pundits, o espaço onde se ganham as eleições.

Há, com efeitos, motivos de alguma preocupação, principalmente para aqueles que pretendiam encontrar no senador democrata a inspiração para uma verdadeira mudança política nos Estados Unidos – o que, diga-se de passagem, revela provavelmente, para além de um idealismo salutar, apenas uma importante dose de «wishful thinking». Com efeito, as posições de Obama (como o Carlos já assinalou, em comentário a uma entrada anterior neste blogue) têm vindo a mudar de forma clara e (vagamente) assustadora. Quer se trate da guerra no Iraque, do controlo das armas de fogo, da pena de morte, da interrupção voluntária da gravidez, das escutas telefónicas sem autorização dos tribunais e, recentemente (o que parece ter sido a razão directa das observações de Jackson), das suas críticas ao papel dos pais negros na educação dos seus filhos, Obama, desde a sua nomeação como candidato democrata, tem de algum modo contrariado as esperanças que despertou a sua campanha nas primárias. A mim, repugnou-me particularmente a sua posição relativamente à recente decisão do Supremo Tribunal norte-americano de impedir a aplicação da pena de morte no caso de violação de crianças. (O tribunal considerou que, a ser aceite, a pena de morte apenas deveria ser aplicada no caso de crimes de homicídio: fora daí, tratar-se-ia de uma pena cruel e infamante). Ainda há pouco tempo, Obama era simplesmente contra a pena de morte – o que merecia aplauso. Agora, veio afirmar que não estava de acordo com a decisão do tribunal.

Poderá dizer-se que se trata apenas de ganhar as eleições e que tudo isto é imposto por um sistema político que obriga a um discurso macho-americano, religioso e conservador. Mas é esquecer que o entusiasmo despertado por Obama veio precisamente de ter conseguido ultrapassar este tipo convencional de saber e fazer e de ter travado contra Hillary Clinton uma batalha em que uma postura diferente, empenhada, idealista, arrastou multidões e ganhou votos. Porquê alterar uma estratégia que deu frutos, principalmente se essa mudança é feita para responder a um eleitorado que um candidato como Obama deveria desprezar?

Só nos resta esperar que tudo isto não passe disso mesmo: uma manobra eleitoralista que será corrigida quando Obama chegar à Casa Branca. Mas que é mau sinal, é! Sem dúvida!

quinta-feira, 10 de julho de 2008

O G8 e a fome no mundo

Segundo informa o Diário de Notícias, na sua edição on-line de hoje, os chefes de Estado e de governo e os representantes das principais organizações internacionais (ONU e União Europeia, por exemplo, com Ban Ki-moon e os nossos Barroso e Solana) que participaram, no Japão, na reunião das oito economias mais industrializadas do mundo (G8), causaram «espanto e repúdio na opinião pública internacional, após ter sido divulgada aos órgãos de comunicação social a ementa dos seus almoços de trabalho e jantares de gala». Com efeito, numa cimeira dedicada, em parte, à crise alimentar mundial (que pode causar a morte de milhões de pessoas vivendo com 1 dólar ou menos por dia e põe em risco a saúde e qualidade de vida de muitos outros milhões que dispõem de rendimentos pouco acima daquele limiar), «reunidos sob o signo dos altos preços dos bens alimentares nos países desenvolvidos bem como da escassez de comida nos países mais pobres», aquelas sublimes criaturas «não se inibiram de experimentar 24 pratos, incluindo entradas e sobremesas, num jantar que terá custado, por cabeça, a módica quantia de 300 euros.»

Trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e uma selecção de queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas – eis alguns dos pratos à disposição dos líderes mundiais. Quanto aos vinhos, foram cinco no total, entre os quais um Château-Grillet 2005, cuja garrafa custa cerca de 70 euros. Não contentes com isto – ou talvez com uma petite faim mesmo depois de tais excessos – ainda essa gente se alambazou com champanhe, salmão fumado, bifes de vaca de Quioto e espargos brancos, numa orgia digna dos talentos descritivos de Rabelais. A preparar as refeições estiveram 25 cozinheiros japoneses e estrangeiros, entre os quais alguns dos galardoados com as três estrelas do Guia Michelin.

Segundo a imprensa britânica, o «decoro» dos líderes do G8 levou-os a não convidarem para o jantar alguns dos participantes nas reuniões sobre as questões alimentares, como sejam os representantes da Etiópia, Tanzânia ou Senegal. O que é lamentável porque seriam estes, normalmente, os que mais se regalariam com uma ementa a que poderiam não estar habituados (se bem que, por exemplo, José Eduardo dos Santos, o Presidente duma Angola esfaimada, seja um dos homens mais ricos do mundo e não costume comer em tabernas ou restaurantes baratos).

Ainda de acordo com o «Diário de Notícias», foram os jornais e as televisões inglesas que estiveram na linha da frente da divulgação do serviço de mesa e das reacções concomitantes. Dominic Nutt, da organização «Britain Save the Children», referiu que "é bastante hipócrita que os líderes do G8 não tenham resistido a um festim destes numa altura em que existe uma crise alimentar e milhões de pessoas não conseguem sequer uma refeição decente por dia". Os conservadores ingleses, na oposição, também se emocionaram; mas é difícil acreditar em que David Cameron, o chefe dos tories, venha a desempenhar o papel de Robin dos Bosques quando (e se) chegar ao poder.

Sempre fui contra este tipo de cimeiras em que estas personagens se encontram em mangas de camisa ou sem gravata (história de parecerem todos amiguinhos e despreocupados) e plantam árvores, colocam primeiras pedras em edifícios que nunca verão e, sobretudo, posam para as chamadas fotos de família. Por favor, tratem dos assuntos por telefone ou vídeo-conferência, em encontros bilaterais ou através dos canais diplomáticos normais. Esta cimeira custou um total de 358 milhões de euros, o suficiente para comprar 100 milhões de mosquiteiros que ajudam a impedir a propagação da malária em África ou tratar quatro milhões de doentes com sida. Só o centro de imprensa, construído propositadamente para a ocasião, custou 30 milhões de euros. Há, de certeza, no mundo de hoje, melhores maneiras de utilizar somas como estas. Deixem de nos incomodar com este desperdício de dinheiros e com este exibicionismo de novos-ricos. Um pouco de decoro – é só isso que se lhes pede!

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Outro poema de Sophia

Palmeiras geometria

Palmeiras geometria
São meu alimento
Secura silêncio
São minha bebida
E a infinita ausência
É a minha vida
A funda a secreta
Com sabor a pedra
E perfume de vento

(Geografia, 1967)


(Geometria de terrazas, Fotografia de Pablo López Ramos para Google Earth)

Os políticos franceses e o Québec

Para a França, o Québec é uma questão complicada. Os franceses nunca se refizeram de terem perdido o que então chamavam «La Nouvelle France», em 1763, de acordo com as cláusulas do Tratado de Paris que pôs fim à Guerra dos Sete Anos e pelo qual a França, se bem que mantendo a generalidade das suas posições europeias, desistiu, em favor da Grã-Bretanha, das suas pretensões imperiais.

Em 1967, a 24 de Julho, o General de Gaulle, de visita a este Estado canadiano, lançou o seu famoso e polémico «Vive le Québec libre!». Aliás, não contente com esta frase, já por si capaz de provocar uma imediata urticária nos dirigentes canadianos, acrescentou ainda, no mesmo fôlego, «Vive le Canada français!… Et vive la France!...» A viagem e o discurso de de Gaulle deram origem à mais grave crise diplomática franco canadiana da história moderna, com o governo federal a acusar a França de ingerência nos assuntos internos do Canadá (convenhamos que com alguma razão!) e as relações entre os dois países só melhoraram depois da demissão do General que, como se sabe, não gostava de pedir desculpas.

Durante a recente campanha eleitoral para a Presidência da República francesa, foi Ségolène Royal que originou alguma polémica ao considerar, em resposta a uma questão posta por jornalistas, que o desenvolvimento do Québec e a sua relação privilegiada com a França apontavam no sentido da plena soberania desse Estado.

Agora é François Fillon que excita os ânimos ao evocar as relações entre os dois «pays»! É verdade que o Primeiro-Ministro francês emendou a mão, reconhecendo o seu erro e declarando que melhor seria se tivesse falado em nações, o que não daria lugar a discussão já que o Québec é reconhecido, pela constituição canadiana e pela sua própria, como nação distinta. Mas logo acrescentou, numa espécie de exemplo da famosa máxima portuguesa «pior a emenda que o soneto», que, para ele, pays, palavra que, em francês, segundo Fillon, tem vários significados, era qualquer lugar onde existissem paysans (camponeses). Só que, desta vez, foram os canadianos de origem francesas, os próprios québecquois, que não gostaram da graça.

Moral da história: o melhor é que os políticos franceses não visitem o Québec. Fiquem em casa – ou, nesta fase de amor americano inaugurada por Sarkozy, e antes que Bush parta para imerecido descanso, vão a Washington!

Wimbledon 2008 - A primeira vitória de Nadal

Creio que, se estivesse no lugar de Federer, e depois de digerida a enorme desolação de não conseguir uma sexta vitória em Wimbledon, alcançando novo recorde de vitórias sucessivas e ultrapassando o recorde velho de vinte e oito anos de Björn Borg, teria gostado que a minha primeira derrota em finais neste torneio tivesse vindo depois dum jogo como o de ontem.

Na mais disputada final de Wimbledon nos tempos recentes (e, provavelmente, numa das mais emocionantes e de maior qualidade de jogo de sempre – a par provavelmente da mítica final de 1980, em que Borg derrotou McEnroe pela última vez e em que houve um tie-break que terminou com o resultado de 18-16. Borg perderia para o mesmo McEnroe em 1981 num jogo a que também assisti), Nadal acabou por se impor depois de Federer ter desperdiçado várias oportunidades nos dois primeiros sets, apenas para se recompor e ganhar os dois seguintes com dois tie-breaks de antologia, mostrando, pela primeira vez nesta época difícil para ele, uma combatividade que parecia faltar-lhe. Mas, depois de 4 horas e 48 minutos de jogo, Nadal mereceu cabalmente a sua vitória e mostrou a toda a gente (eu incluído) que não é apenas um jogador de terra batida mas um grande jogador tout-court que cedo chegará a número 1 mundial.

Foi um jogo espectacular, com momentos de ténis que pareciam do outro mundo. Pouco tempo antes do fim, como dizia um dos comentadores ingleses, os dois jogadores ainda tiveram forças para realizar os dois passing-shots mais bonitos do torneio e, provavelmente (pelo menos, o de Nadal), os melhores desta época. Acabou por vencer a maior força física de Nadal, numa altura em que Federer acusou certo cansaço que o levou a algumas pequenas imprecisões nos últimos jogos que, contudo, teriam passado despercebidas face a qualquer outro jogador que não Nadal.

Partidário ferrenho de Federer, que considero um dos melhores jogadores de todos os tempos e o que tem o ténis mais bonito de sempre, tenho-me rendido pouco a pouco à qualidade de Nadal. Por isso, a sua vitória não me desiludiu. Aliás, depois deste jogo, nada me podia desiludir. Que extraordinário espectáculo, a provar que, nestas ocasiões, não há mais belo desporto que o ténis.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Sophia e Hooper















Quadrado

Deixai-me com a sombra
Pensada na parede
Deixai-me com a luz
Medida no meu ombro
Em frente do quadrado
Nocturno da janela

Sophia de Mello Breyner (Geografia - 1967)

Edward Hopper - (Compartment C, Car 293 - detalhe)

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Um poema de Sophia

Um livro recente de Frederico Lourenço (tradutor da Ilíada e da Odisseia, de Homero) fez-me pegar nas poesias de Sophia de Mello Breyner e, principalmente, nas duas obras por ele referidas: Geografia (1967) e Dual (1972). A poesia de Sophia nunca deixa de encantar-me: mergulho nela sempre como se fosse a primeira vez. A surpresa, o deslumbramento, a sensação de segredo e mistério não desaparecem, mesmo depois de mil leituras, mesmo quando sei os poemas de cor. Como é possível dizer tudo numa só curta frase? Como podem as palavras - as mesmas palavras que todos nós conhecemos e usamos - significar tanto e deixar-nos assim extasiados?

Fica aqui uma poesia de Geografia, sobre a morte de Frederico Garcia Lorca. A primeira estrofe faz-me lembrar irresistivelmente uma frase da Carta a meus filhos sobre os fuzilamentos de Goya, de Jorge de Sena, que já aqui citei várias vezes: «foram estripados, esfolados, queimados, gaseados, e os seu corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido, ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória». Por outro lado, sempre pensei que os genocídios só são possíveis, moralmente e fisicamente possíveis, porque os seus autores são incapazes de imaginar o rosto dos que matam.


Túmulo de Lorca

Em ti choramos os outros mortos todos
Os que foram fuzilados em vigílias sem data
Os que se perdem sem nome na sombra das cadeias
Tão ignorados que nem sequer podemos
Perguntar por eles imaginar seu rosto
Choramos sem consolação aqueles que sucumbem
Entre os cornos da raiva sob o peso da força.

Não podemos aceitar. O teu sangue não seca
Não repousamos em paz na tua morte
A hora da tua morte continua próxima e veemente
E a terra onde abriram a tua sepultura
É semelhante à ferida que não fecha

O teu sangue não encontrou nem foz nem saída
De Norte a Sul de Leste a Oeste
Estamos vivendo afogados no teu sangue
A lisa cal de cada muro branco
Escreve que tu foste assassinado

Não podemos aceitar. O processo não cessa
Pois nem tu foste poupado à patada da besta
A noite não pode beber nossa tristeza
E por mais que te escondam não ficas sepultado.

(O desenho é de Carlos Botelho)

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Ingrid Betancourt - livre finalmente

Há poucos minutos, o governo colombiano anunciou a libertação de Ingrid Betancourt, três reféns norte-americanos e onze militares que se encontravam sequestrados pelas FARC há longos anos. Ingrid Betancourt, cujo destino comoveu a França e a Europa, foi raptada em Fevereiro de 2002: há mais de seis anos, passados em condições desesperadas. Disse-se, nos últimos tempos, que a sua saúde era frágil mas o reencontro com o seu marido, os seus filhos meio-franceses dum anterior casamento (uma rapariga e um rapaz, Melanie e Lorenzo, que não viu crescer), a sua família e os seus amigos poderão fazer milagres e ajudá-la a recuperar rapidamente, como aconteceu com outros sequestrados: recordo em particular Jean-Paul Kaufmann, jornalista e escritor francês raptado no Líbano, que retomou a sua vida e escreveu um magnífico «La chambre noir de Longwood», em que acompanhava os passos de Napoleão em Santa Helena. Lembro-me de Ingrid Betancourt na altura em que foi capturada: candidata do Partido do Ambiente à eleição presidencial, na altura em que ganhou o actual Presidente, Álvaro Uribe, apareceu frequentemente na televisão francesa, demonstrando grande lucidez, arrojo e valentia. Nessa altura, a Colômbia era quase uma coutada privada dos grandes barões da droga, das forças de extrema-direita (a que se encontrava ligado o actual Presidente) e das FARC: era um país sempre adiado. Sem nenhuma possibilidade realista de ganhar, Betancourt lançou no entanto pedradas no charco podre da vida política colombiana e fez declarações extremamente corajosas denunciando a corrupção que dominava o país, aqueles (muitos, principalmente na extrema-direita) que faziam o seu caminho entre a política e os negócios de droga e a violência das FARC. Não era uma mulher política pronta a compromissos e foi aliás a sua valentia pessoal, aliada a uma ousadia provavelmente exagerada (o governo tinha-lhe recomendado que não se deslocasse ao território em que dominava a força de extrema-esquerda), que conduziu à sua captura. É agora finalmente libertada. Muito tarde, sem dúvida, mas ainda a tempo para continuar a sua batalha, pelo menos de acordo com as imagens que acabo de ver dela, que a mostram em razoável estado de saúde física e com uma força de convicção que impõe respeito e desperta emoção. Cabe-nos um pensamento de alívio dirigido principalmente ao seu marido e seus filhos que aguardaram tanto tempo este momento.