terça-feira, 14 de julho de 2009

Palma Inácio

Quem se lembra de Hermínio da Palma Inácio? E, no entanto, como revolucionário, ele foi um percursor: a primeira pessoa a desviar um avião (mas apenas para lançar panfletos sobre o país e quando a aviação civil não tinha a importância que tem hoje), o homem que assaltou a agência do Banco de Portugal na Figueira da Foz levando consigo 30 mil contos, e ainda o que planeaou tomar de assalto a Covilhã - deixando a minha avó sem voz e o meu pai verde de raiva. Dirigente da LYAR, grupúsculo de esquerda, cedo aderiu ao PS e foi um apoiante fiel de Mário Soares. Para ele, não havia lugar para ditaduras, comunistas ou outras, neste país que amava. As suas acções provocaram muita dor nas pessoas que afectaram. Mas esse nunca foi o seu objectivo pirnicpal. Ele considerava que lutar contra o regime de Salazar era uma forma de trazer o bem aos portugueses. Por métodos contestáveis, talvez! Mas isso, só o sabemos hoje. E os seus não eram, de certeza, piores do que o assassinato de Humberto Delgado, friamente planeado e levado a cabo pela PIDE. Palma Inácio, que nunca beneficiou de benesses, morreu hoje. Um lembrança emocionada para um homem que não era, nem um ideólogo, nem um fanático, mas apenas um combatente.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Casamento da Viviana e do Miguel

O Miguel, filho dos meus amigos Luísa Prista e Carlos von Bonhorst, casou-se no sábado passado com a Viviana. Foi uma reunião de amigos, uma festa estupenda. Acho que, na nossa idade, estas coisas (que espero que me aconteçam em breve embora, cá por casa, haja uma certa irreverência diante do casamento) nos dão imenso prazer. Para além de tudo, a canção para os noivos, com poema Prista e, segundo creio, algumas ajudas, interpretação ao piano do seu irmão Francisco (12 anos!), e cantada em coro ao som de Aux Champs Elysées e as gravatas cor-de-rosa que adornavam todos os homens da família foram ideias magníficas. Como este blogue é, de certa forma, a minha maneira de comunicar com os meus amigos, gostaria de vos dizer quanto gostei imenso de ter estado convosco nessa ocasião. Obrigado pelo convite.

sábado, 11 de julho de 2009

Amália e Pedro Homem de Mello

Pedro Homem de Mello era outro poeta cantabile (neste caso, a frase foi de Natália Correia, no obituário que lhe dedicou, se não estou em erro, no Diário de Lisboa, de Ruella Ramos, que morreu há menos de um mês). Para Amália, Homem de Mello compôs vários fados, várias canções. Ficam aqui estes dois, os mais importantes. Mas, se o conseguir descobrir na Net, também não esquecerei O Rapaz da Camisola Verde. A música de Povo que lavas no Rio é de Joaquim Campos; a de Havemos de ir a Viana, de Alain Oulman.







Povo que lavas no rio

Povo que lavas no rio,
Que vais às feiras e à tenda,
Que talhas com teu machado
As tábuas do meu caixão,
Pode haver quem te defenda,
Quem turve o teu ar sadio,
Quem compre o teu chão sagrado,
Mas a tua vida, não!

Meu cravo branco na orelha!
Minha camélia vermelha!
Meu verde manjericão!
Ó natureza vadia!
Vejo uma fotografia...
Mas a tua vida, não!

Fui ter à mesa redonda,
Bebendo em malga que esconda
O beijo, de mão em mão...
Água pura, fruto agreste,
Fora o vinho que me deste,
Mas a tua vida, não!

Procissões de praia e monte,
Areais, píncaros, passos
Atrás dos quais os meus vão!
Que é dos cântaros da fonte?
Guardo o jeito desses braços...
Mas a tua vida, não!

Aromas de urze e de lama!
Dormi com eles na cama...
Tive a mesma condição.
Bruxas e lobas, estrelas!
Tive o dom de conhecê-las...
Mas a tua vida, não!

Subi às frias montanhas,
Pelas veredas estranhas
Onde os meus olhos estão.
Rasguei certo corpo ao meio...
Vi certa curva em teu seio...
Mas a tua vida, não!

Só tu! Só tu és verdade!
Quando o remorso me invade
E me leva à confissão...
Povo! Povo! eu te pertenço.
Deste-me alturas de incenso,
Mas a tua vida, não!

Povo que lavas no rio,
Que vais às feiras e à tenda,
Que talhas com teu machado,
As tábuas do meu caixão,
Pode haver quem te defenda,
Quem turve o teu ar sadio,
Quem compre o teu chão sagrado,
Mas a tua vida, não!


Havemos de ir a Viana

Entre sombras misteriosas
em rompendo ao longe estrelas
trocaremos nossas rosas
para depois esquecê-las.

Se o meu sangue não me engana
como engana a fantasia
havemos de ir a Viana
ó meu amor de algum dia
ó meu amor de algum dia
havemos de ir a Viana
se o meu sangue não me engana
havemos de ir a Viana.

Partamos de flor ao peito
que o amor é como o vento
quem pára perde-lhe o jeito
e morre a todo o momento.

Se o meu sangue não me engana
como engana a fantasia
havemos de ir a Viana
ó meu amor de algum dia
ó meu amor de algum dia
havemos de ir a Viana
e o meu sangue não me engana
havemos de ir a Viana.

Ciganos, verdes ciganos
deixai-me com esta crença
os pecados têm vinte anos
os remorços têm oitenta.

Povo que lavas no rio:
http://www.dailymotion.com/video/x3c0aj_povo-que-lavas-no-rio

Havemos de ir a Viana (e esta foi a melhor das interpretações que consegui encontrar na Net):
http://www.youtube.com/watch?v=-Th_xQVK06s


José Afonso - Amigo

Que pode uma pessoa da minha idade dizer sobre José Afonso? Talvez, apenas, que ele representou, como ninguém, a resistência. Uma forma de estar na vida que não se deixava controlar por ninguém. O exemplo da liberdade!






Amigo

Amigo,

Maior que o pensamento
Por essa estrada amigo vem
Não percas tempo que o vento
É meu amigo também

Em terras
Em todas as fronteiras
Seja bem-vindo quem vier por bem
Se alguém houver que não queira
Trá-lo contigo também

Aqueles
Aqueles que ficaram
(Em toda a parte todo o mundo tem)
Em sonhos me visitaram
Traz outro amigo também

(José Afonso, 1970)

http://www.youtube.com/watch?v=hfKU5pA-CRI

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Cortot - Chopin: Impromptu No.1

A vida de Alfred Cortot foi polémica e, em muitos aspectos, detestável. A sua adesão ao regime de Vichy constituiu uma nódoa que é difícil de apagar. Como Alto-Comissário para as Belas Artes do governo de Pétain, nunca apoiou nenhum artista que contestasse o regime e foi mesmo dos poucos pianistas franceses a deslocar-se a Berlim para tocar diante de Hitler. É difícil compreender que eu, insuspeito de simpatia por essas posições políticas, me comova diante das suas grandes interpretações das obras de Chopin. Mas, como já confessei aqui neste blogue, a única vez que chorei ao ouvir um disco de música clássica foi quando ouvi uma gravação de Cortot, neste mesmo Impromptu que aqui deixo. Homem desprezível, pianista extraordinário. Provavelmente, a vida compõe-se dessas estupendas contradições. Mesmo se é difícil, guardemos sobretudo a memória do pianista. E, sem perdoarmos, deitemos ao caixote do lixo as suas atitudes políticas.

Cortot, Chopin - Impromptu No.1:
http://www.youtube.com/watch?v=yMM3xbjM5kk

Foi Deus - Amália e Alberto Janes

Alberto Janes não era um poeta ou compositor excepcional. Mas aconteceu-lhe encontrar Amália e escrever para ela dois fados cuja popularidade nunca foi desmentida (escreveu outros como Ouça lá, ó Senhor Vinho que não merecem grande referência). Os dois de que falo foram Foi Deus e A Casa da Mariquinhas. Amália dizia que Janes entrava em sua casa com pautas e pautas de música – mas que ela apenas escolhia algumas. Nestas escolhas, teve sorte. Hoje, fica aqui o Foi Deus. No último espectáculo de Amália a que assisti, na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa, em 1986, pouco antes de vir para Bruxelas, pedi-lhe (gritei-lhe do meio do público) que cantasse esse fado. Ela olhou-me e disse que não sabia se ainda seria capaz de o fazer; mas cantou-o. Foi o último grande recital de Amália. A princípio, estávamos todos aflitos – ninguém sabia se ela ainda conseguiria cantar como dantes. Mas, depois das primeiras canções de aquecimento, veio um Há Festa na Mouraria memorável. E aí compreendemos que iríamos assistir a um grande concerto - o seu último grande concerto. Foi Deus veio quase no fim. Não estava previsto. A voz já estava cansada. Mas nunca esquecerei nesse momento.

Para além da interpretação de Amália, deixo aqui também uma interpretação excepcional de Mariza (mais a guitarra portuguesa tocada duma forma especial) num espectáculo de homenagem a Amália, em 2007.

Foi Deus

Não sei, não sabe ninguém
Por que canto o fado
Neste tom magoado
De dor e de pranto
E neste tormento
Todo o sofrimento
Eu sinto que a alma
Cá dentro se acalma
Nos versos que canto

Foi deus
Que deu luz aos olhos
Perfumou as rosas
Deu oiro ao sol
E prata ao luar

Foi deus
Que me pôs no peito
Um rosário de penas
Que vou desfiando
E choro a cantar

E pôs as estrelas no céu
E fez o espaço sem fim
Deu o luto as andorinhas
Ai, e deu-me esta voz a mim

Se canto
Não sei o que canto
Misto de ventura
Saudade, ternura
E talvez amor
Mas sei que cantando
Sinto o mesmo quando
Se tem um desgosto
E o pranto no rosto
Nos deixa melhor

Foi deus
Que deu voz ao vento
Luz ao firmamento
E deu o azul às ondas do mar
Foi deus
Que me pôs no peito
Um rosário de penas
Que vou desfiando
E choro a cantar

Fez poeta o rouxinol
Pôs no campo o alecrim
Deu as flores à primavera
Ai!, e deu-me esta voz a mim.


Amália:
http://www.youtube.com/watch?v=PZFPPnO9qRU&hl=fr

Mariza:
http://www.youtube.com/watch?v=RaTjzSTSVL0

Amália e Ary dos Santos

E, já agora, por que não juntá-los? Num dos fados que de Ary que Amália cantou, sempre com a música do «francês?, Alain Oulman.



















Meu amor, meu amor

Meu amor meu amor
meu corpo em movimento
minha voz à procura
do seu próprio lamento.

Meu limão de amargura meu punhal a crescer
nós parámos o tempo não sabemos morrer
e nascemos nascemos
do nosso entristecer.

Meu amor meu amor
meu pássaro cinzento
a chorar a lonjura
do nosso afastamento

Meu amor meu amor
meu nó e sofrimento
minha mó de ternura
minha nau de tormento

este mar não tem cura este céu não tem ar
nós parámos o vento não sabemos nadar
e morremos morremos
devagar devagar.


Cantado aqui:
http://www.youtube.com/watch?v=yAycagB9Tf8

quinta-feira, 9 de julho de 2009

José Sócrates - Satisfeito comigo ou Dever cumprido

Afinal, José Sócrates já não esta muito satisfeito consigo próprio. Apenas, tem a consciência do dever cumprido. Quem é o novo conselheiro de propaganda do Primeiro-Ministro?



Nota de pé de página:
Quando procurei um fotografia para esta entrada, a princípio fiquei contente. Quando pus «Sócrates» no motor de pesquisa da Google, surgiram-me várias entradas sobre o filósofo grego e a primeira referência ao Primeiro-Ministro português só aparecia na segunda página e, mesmo assim a propósito de uma reunião com Zapatero. Mas, estranhamente, a segunda referência mencionava o futebolista brasileiro Sócrates e a primeira o programa europeu do mesmo nome. Isto dá-nos indicações preciosas sobre o sistema de valores que nos governa. Antes do filósofo, aparecem um programa europeu e um futebolista. Bem pensado. Afinal, para que servem Sócrates (ambos) nos nossos dias?

Bernie Ecclestone - Tanto disparate iníquo

Segundo Bernie Ecclestone, o famoso patrão da Fórmula 1, Hitler fez algumas coisas boas e foi forçado, por razões que Ecclestone (mas mais ninguém) conhece, a perseguir os judeus - o que não era a sua intenção inicial, mesmo se consta da primeira edição do Mein Kampf, escrita entre 1924 e 1925. E Max Mosley daria um excelente Primeiro-Ministro, porque «consegue fazer coisas». Pena é que tenha sido apanhado numa espécie de orgia sado-masoquista com utilização de símbolos nazis... Se não fosse isso, teríamos aí o sucessor inevitável de Gordon Brown à frente do Governo britânico. Por mera questão de eficácia! Claro.

Porque perco tempo com esta gente? Porque me parece que elas reflectem uma parte do espírito da nossa época: a eficácia como valor supremo. O que leva a esquecer a liberdade, a autonomia individual, o respeito pelos direitos fundamentais, ou seja, aquilo que devia caracterizar-nos como europeus - embora os europeus tenham também grandes contas a pagar nesta matéria, nomeadamente pela forma como trataram os povos que colonizaram: o exemplo do Congo belga é o mais conhecido mas está longe, muito longe, de ser único.

E irrito-me ainda porque é esta mesma gente que está sempre pronta a clamar contra os muçulmanos, atrasados, retrógados, terroristas, esquecendo-se que, no mundo do Irão, há uma grande parte da população que como nós, europeus, defende a liberdade, mas muito governante que faz seus estes disparates iníquos propagados por Ecclestone, Mosley e os outros propagandistas da guerra das civilizações.

Amália e o «francês» - Alain Oulman

Amália! Eu não sei se gosto do fado. Talvez não, certamente não como o meu Pai, que gostava sobretudo das canções de Lisboa, de Deolinda Rodrigues, de Maria Albertina e de Lucília do Carmo (quem se lembra delas, excepto de Lucília e só porque era a mãe de Carlos do Carmo), essas fadistas que cantavam no Faia, onde fui um, dois dias, em sua companhia. Amália, para o meu Pai, deixara de ser fadista quando se tornou demasiado intelectual...

Mas sei que gosto de Amália. Que considero que o seu canto era um dos mais magníficos, não só de Portugal (isso é evidente), como do mundo. A sua voz só era comparável às das grandes sopranos que nos deixaram interpretações das canções dos grandes clássicos (como Schubert, Wolf, Richard Strauss) - esta é, pelo menos, a opinião de Rui Vieira Nery, crítico musical, ex-Secretário de Estado da Cultura.

E o grande, o maior, responsável por esta transformação de Amália, de fadista lisboeta em grande artista clássica da canção e do mundo, foi, estranhamente, um francês, Alain Oulman, embora nascido em Portugal, em Oeiras (o que só descobri hoje), em 1926. A vida de Oulman passou-se sempre em Paris e foi Luís de Macedo, em 1962, que o apresentou a Amália. A sua mãe era uma Calmam-Lévy, da família da grande casa editorial francesa e, segundo uma notícia que li há algum tempo, exilou-se em Portugal na altura da guerra da Argélia depois de Raymond Aron ter dirigido a Salazar uma carta a pedir que ele fosse acolhido entre nós. Tudo coisas que tenho ainda que que confirmar.

Mas foi o «francês», como Amália o chamava, que compôs a música para os seus grandes fados, aqueles (de que o meu Pai não gostava) em que ela cantou os grandes poetas portugueses, de Luís de Camões a David Mourão-Ferreira, passando por José Régio e Ary dos Santos. Extraordinário: foi um «francês» que compôs os mais belos fados portugueses.

Deixo aqui, hoje, o Fado Português, com letra de José Régio e música de Alain Oulman. Outros virão.

Fado Português


O Fado nasceu um dia
quando o vento mal bulia
e o céu o mar prolongava
na amurada dum veleiro
no peito dum marinheiro
que, estando triste, cantava
que, estando triste, cantava

Ai, que lindeza tamanha
meu chão, meu monte, meu vale
de folhas, flores, frutas de oiro
vê se vês terras de Espanha
areias de Portugal
olhar ceguinho de choro.

Na boca dum marinheiro
do frágil barco veleiro
morrendo a canção magoada
diz o pungir dos desejos
do lábio a queimar de beijos
que beija o ar, e mais nada
que beija o ar, e mais nada

Mãe, adeus. Adeus, Maria.
Guarda bem no teu sentido
que aqui te faço uma jura
que ou te levo à sacristia,
ou foi Deus que foi servido
dar-me no mar sepultura.

Ora eis que embora outro dia
quando o vento mal bulia
e o céu o mar prolongava
à proa de outro veleiro
velava outro marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.

Ai, que lindeza tamanha
meu chão, meu monte, meu vale
de folhas, flores, frutas de oiro
vê se vês terras de Espanha
areias de Portugal
olhar ceguinho de choro.


Ouve-se aqui:
http://www.youtube.com/watch?v=1YriVM8sC7M&eurl=http%3A%2F%2Fvideo.google.fr%2Fvideosearch%3Fhl%3Dfr%26q%3Dam%25C3%25A1lia%2520fado%2520portugu%25C3%25AAs%26sourceid%3Dnavclient-ff%26rlz%3D1B3GGGL_frBE326BE326%26um&feature=player_embedded

terça-feira, 7 de julho de 2009

Zeca Afonso

E como, nesta espécie de memória da minha juventude, poderia eu esquecer Zeca Afonso? A enorme voz da liberdade, da insubmissão! Quem nos fez sonhar como ele? Deixo aqui as duas canções por que ele foi mais conhecido – e espero voltar com outras de que gosto mais.















Grândola, Vila Morena

Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade

Dentro de ti, ó cidade
O povo é quem mais ordena
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena

Em cada esquina um amigo
Em cada rosto igualdade
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade

Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada rosto igualdade
O povo é quem mais ordena

À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
Jurei ter por companheira
Grândola a tua vontade

Grândola a tua vontade
Jurei ter por companheira
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade


Aqui, cantada em coro como a canção exige:
http://www.youtube.com/watch?v=RuzGPhZwG6Y

Os Vampiros

No céu cinzento sob o astro mudo
Batendo as asas pela noite calada
Vêm em bandos com pés de veludo
Chupar o sangue fresco da manada

Se alguém se engana com seu ar sisudo
E lhes franqueia as portas à chegada
Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo. E não deixam nada [Bis]

A toda a parte chegam os vampiros
Poisam nos prédios, poisam nas calçadas
Trazem no ventre despojos antigos
Mas nada os prende às vidas acabadas

São os mordomos do universo todo
Senhores à força, mandadores sem lei
Enchem as tulhas, bebem vinho novo
Dançam a ronda no pinhal do rei.

Eles comem tudo Eles comem tudo.
Eles comem tudo E não deixam nada.

No chão do medo tombam os vencidos.
Ouvem-se os gritos na noite abafada
Jazem nos fossos vítimas dum credo
E não se esgota o sangue da manada.

Se alguém se engana com seu ar sisudo
E lhe franqueia as portas à chegada
Eles comem tudo. Eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada.

Eles comem tudo Eles comem tudo.
Eles comem tudo e não deixam nada.


Aqui (preferi esta versão à do seu último concerto no Coliseu que, no entanto, é bastante emocionante, porque Zeca já estava bastante doente. A letra do poema não corresponde exactamente ao que canta José Afonso. É difícil, acreditem, encontrar a letra exacta dos Vampiros na Internet. Mas será que é importante?):
http://www.dailymotion.com/video/x2i0p0_zeca-afonso-vampiros-512_music

José Carlos Ary dos Santos - Tourada

O Estado Novo já estava a dar o último estertor. Mas ainda ninguém tinha a certeza de que as coisas acabariam em breve. Foi por isso que esta canção, Tourada, provocou escândalo. Nós, os mais novos, ríamos deliciados: era uma instituição nacional que se punha em causa - com o «inteligente» a dizer que tinham acabado as canções. Os mais velhos - o meu pai, os meus tios, por exemplo - acharam tudo isto escandaloso - quase o fim do mundo. Houve mesmo um protesto dos peões de brega, que acharam que a canção os achincalhava - profissão que não pega!

Hoje, quando se fala de acabar com as touradas, estas coisas devem ser lembradas. Porque, na verdade, as touradas não são, nunca foram (lembre-se o conto de Rebelo da Silva, A ùltima Corrida de Touros em Salvaterra, que, nos nosso tempos, líamos nas escolas - um manifesto do Iluminismo contra os velhos e infamantes costumes) mais do que uma máquina de propaganda. E isto é dito por mim que, aos dezoito anos, e por razões familiares, gostava de touros. Estive, aliás, presente - e com grande entusiasmo - no Campo Pequeno, quando se comemoraram os cinquenta anos da alternativa de João Núncio. Mas há tradições que, simplesmente, não devem manter-se. Peço desculpa à Antónia, minha amiga - mas, há poucas semanas, falando com ela, compreendi que, com o seu Pai, um homem que amava os touros como ninguém, seria impossível para ela ter uma opinião diferente.

Foi ainda a Ary dos Santos e Fernando Tordo que ficámos a dever esta pedrada no charco. Uma canção que punha em causa todo o imaginário do Estado Novo - se faltava falar, com todas as letras, do futebol, do fado e de Fátima, toda a gente percebeu que isso se escondia debaixo da metáfora desta tourada muito especial. Um ano depois, o regime desaparecia. Dez anos depois, ninguém se lembrava dele. Hoje, a juventude nem sabe que ele existiu mesmo se Salazar é ainda considerado a personalidade portuguesa mais popular de todos os tempos em estúpidos concursos de televisão.

Naquele tempo, havia uma liberdade crítica que mesmo hoje, por vezes, nos falta. E as canções do Festival RTP tinham interesse.

Tourada

Não importa sol ou sombra
camarotes ou barreiras
toureamos ombro a ombro
as feras.
Ninguém nos leva ao engano
toureamos mano a mano
só nos podem causar dano
esperas.

Entram guizos chocas e capotes
e mantilhas pretas
entram espadas chifres e derrotes
e alguns poetas
entram bravos cravos e dichotes
porque tudo o mais
são tretas.

Entram vacas depois dos forcados
que não pegam nada.
Soam brados e olés dos nabos
que não pagam nada
e só ficam os peões de brega
cuja profissão
não pega.

Com bandarilhas de esperança
afugentamos a fera
estamos na praça
da Primavera.
Nós vamos pegar o mundo
pelos cornos da desgraça
e fazermos da tristeza
graça.

Entram velhas doidas e turistas
entram excursões
entram benefícios e cronistas
entram aldrabões
entram marialvas e coristas
entram galifões
de crista.

Entram cavaleiros à garupa
do seu heroísmo
entra aquela música maluca
do passodoblismo
entra a aficionada e a caduca
mais o snobismo
e cismo...

Entram empresários moralistas
entram frustrações
entram antiquários e fadistas
e contradições
e entra muito dólar muita gente
que dá lucro as milhões.

E diz o inteligente
que acabaram asa canções.


Ouvir a Tourada aqui:

http://www.youtube.com/watch?v=ZrQzEXIUYQQ

Ou aqui, no Festival da Eurovisão:
http://www.youtube.com/watch?v=TZgMMXyFouQ&feature=related

E perdoe-se, que num caso quer noutro, porque se tratava duma época diferente, o kitsch de ambas as interpretações!

José Carlos Ary dos Santos - Cavalo à Solta

José Carlos Ary dos Santos, primo da minha tia, maricas e poeta, declamador como nenhum outro (era preciso vê-lo a dizer o Cântigo Negro, de José Régio), homem de génio, decidiu dedicar-se à canção. As letras para as músicas que escreveu, com a colaboração de José Niza, de José Calvário (de que soube a morte recente), ou de Alain Oulman, ou tantos outros - todos os outros - tornaram-no no poeta mais cantado da história da música portuguesa. Foi este homem, gordo e feio, mas poeta lindo, que nos deixou as mais extraordinárias canções da música ligeira portuguesa. Colaborou com Amália, Fernando Tordo, Paulo de Carvalho, Tonicha (sim, a Menina é uma das canções cuja letra foi escrita por Ary dos Santos) - sei lá: tantos, tantos outros. E se a música portuguesa teve um momento de libertação, de entusiasmo, duma alegria contagiante, isso só foi possível porque Ary dos Santos viveu para ela.

Fica aqui a letra e o link para a interpretação, por Fernando Tordo, duma das mais bonitas canções de Ary dos Santos, com música do mesmo Fernando Tordo: Cavalo à Solta.

Cavalo à Solta

Minha laranja amarga e doce
meu poema
feito de gomos de saudade
minha pena
pesada e leve
secreta e pura
minha passagem para o breve breve
instante da loucura.

Minha ousadia
meu galope
minha rédea
meu potro doido
minha chama
minha réstia
de luz intensa
de voz aberta
minha denúncia do que pensa
do que sente a gente certa.

Em ti respiro
em ti eu provo
por ti consigo
esta força que de novo
em ti persigo
em ti percorro
cavalo à solta
pela margem do teu corpo.

Minha alegria
minha amargura
minha coragem de correr contra a ternura.

Minha laranja amarga e doce
minha espada
Poema feito de dois gumes
tudo ou nada
Por ti renego
Por ti aceito
este corcel que não sossego
à desfilada no meu peito

Por isso digo
canção castigo
amêndoa travo corpo alma amante amigo
por isso canto
por isso digo
alpendre casa cama arca do meu trigo.

Minha alegria
minha amargura
minha coragem de correr contra a ternura.

Minha ousadia
minha aventura
minha coragem de correr contra a ternura


http://www.youtube.com/watch?v=3KsTJYzA-yQ

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Rosalía de Castro / Adriano Correia de Oliveira

Um poema da grande poeta galega Rosalía de Castro (tradução de José Niza) posto em música por Adriano Correia de Oliveira. Extraordinário. Deixo o texto apenas para ajudar a seguir a música no link que indico no final desta entrada.












Cantar de emigração

Este parte, aquele parte
e todos, todos se vão.
Galiza, ficas sem homens
que possam cortar teu pão

Tens em troca orfãos e orfãs
Tens campos de solidão
Tens mães que não têm filhos
filhos que não têm pais.

Coração que tens e sofrem
longas ausências mortais
viúvas de vivos-mortos
que ninguém consolará


http://fr.utrecht.cc/artist/Adriano%20Correia%20de%20Oliveira/v/378756

Pedra filosofal - António Gedeão, poeta - Manuel Freire, compositor

À procura das canções de Manuel Alegre, descobri hoje, mais ou menos por acaso, que podia pôr aqui neste blogue alguns dos peomas-canções que povoaram a minha juventude. A primeira, por razões que nem sequer acho necessário justificar, é a Pedra Filosofal, de António Gedeão.

















Pedra Filosofal

Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta,
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso,
em serenos sobressaltos
como estes pinheiros altos,
que em verde e ouro se agitam
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho alacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa dos ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
para-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra som televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança


Manuel Freire cantou este poema, no maior sucesso do tempo das «Baladas» em Portugal, e, por isso, encheu a minha juventude e o meu despertar para uma certa forma de encarar a vida, a política, a democracia e o socialismo (que tranformei rapidamente, como António Gedeão - Rómulo de Carvalho - em social-democracia). Ainda hoje a sei de cor, palavra por palavra. E agradeço a estas novas tecnologias a possibilidade de transmitir aos meus filhos estes valoresem que eu acreditava aos dezoito anos. Para além da beleza da balada. Ouçam a música aqui:

http://www.youtube.com/watch?v=iqUI5NyDJmQ&feature=related

domingo, 5 de julho de 2009

Canções de Manuel Alegre

Está na moda falar de Manuel Alegre como um político que, dentro do Partido Socialista, se opõe e não opóe a José Sócrates e que tem uma ideia (confusa, deve acrescentar-se) do que deve ser uma orientação de esquerda em Portugal - que certamente nada tem a ver com os disparates propagados por Francisco Louçã e as ideias de Jerónimo de Sousa com que o próprio Manuel Alegre parece, por vezes, concordar.

Eu prefiro recordá-lo como poeta - um daqueles que fizeram da poesia portuguiesa da segunda metade do século XX a maior expressão do sentimento artístico nacional, comparável apenas a Camões, a Fernando Pessoa (de que todos eles, mas menos Manuel Alegre que os outros, descendem) e às grandes obras dos prosadores do século XIX. E, já agora, como um dos poetas portugueses modernos com maior sentido da rima e da canção - para não falar do conteúdo político e, porque não dizê-lo, revolucionário da sua poesia. Hoje, ficam dois poemas que exprimem os seus aspectos de poeta cantabile. O primeiro - mas segundo em data de publicação - foi cantado por Carlos do Carmo no Festival da Eurovisão de 1976, com música de José Niza (a gravação é má). O segundo é um poema da resistência, com música e interpretação de Adriano Correia de Oliveira, numa versão reduzida que Amália, mais tarde, também cantou.

Uma flor de verde pinho

Eu podia chamar-te pátria minha
dar-te o mais lindo nome português
podia dar-te um nome de rainha
que este amor é de Pedro por Inês.

Mas não há forma não há verso não há leito
para este fogo amor para este rio.
Como dizer um coração fora do peito?
Meu amor transbordou. E eu sem navio.

Gostar de ti é um poema que não digo
que não há taça amor para este vinho
não há guitarra nem cantar de amigo
não há flor não há flor de verde pinho.

Não há barco nem trigo não há trevo
não há palavras para dizer esta canção.
Gostar de ti é um poema que não escrevo.
Que há um rio sem leito. E eu sem coração.


http://www.youtube.com/watch?v=QbtKMXzirDY

Trova do vento que passa

Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.

Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.

Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio -- é tudo o que tem
quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.

Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.

Quatro folhas tem o trevo
liberdade quatro sílabas.
Não sabem ler é verdade
aqueles pra quem eu escrevo.

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.


Na versão e interpretação de Adriano Correia de Oliveira pode ouvir-se aqui:
http://www.youtube.com/watch?v=xyN1A2IOtbA

Federer

Mas afinal, depois dum quinto set épico (16-14), um dos mais longos de qualquer final em Wimbledon, foi Federer quem se impos, sem nunca ter mostrado o seu melhor ténis mas, como sempre, lançando mão, quando foi necessário, das jogadas magníficas que o caracterizam. Com este, são 15 os torneios do Grand Slam que já acumulou, batendo o recorde de Pete Sampras que, por seu lado, nunca venceu Roland Garros, e juntando-se a Agassi como único jogador que venceu todos os quatro quando já eram disputados em quatro terrenos diferentes.

Porque gosto tanto de Federer, no que sou, aliás, acompanhado pelo meu filho Diogo? Não é só por ser, agora sem contestação, o mais fantástico jogador da história do ténis (não gostava particularmente de Sampras, que era um formidável tenista, e detestava Lendl, que também estava longe de ser mauzote). Penso que é pela sua técnica (com ele, tudo é fácil!) e, sobretudo, pela elegância do seu jogo. Tudo o que faz parece natural. Olhem para os seus pés, as suas mãos, o seu pulso quando apanha aquelas bolas do fundo do court: há, nos seus movimentos, uma beleza que Sampras (que tinha a técnica!) nunca conseguiu alcançar e que McEnroe, que a possuía, se via obrigado a envolvê-la numa força que lhe retirava espontaneidade. Todos os movimentos de Federer são de antologia, prontos a serem passados num qualquer filme que mostre aos jovens que se iniciam neste desporto a forma como devem jogar.

E a sua elegância estende-se à sua atitude. Nunca o vi contestar uma decisão dum árbitro (acho que o fez uma vez, mas logo se arrependeu), nem lançar gritos ao público ou aos adversários, nem sequer elevar a voz! Às vezes, isso até me irrita e, durante os dois úlçtimos anos, considerei que sugeria um não empenhamento que explicava as suas derrotas face a Nadal. Mas não! É apenas a sua forma de ser. Num desporto como este, competitivo como poucos em termos individuais, tem sempre uma palavra de apreço pelos adversários derrotados e mesmo, como na final de Roland Garros do ano passado, por aqueles (Nadal) que o derrotam. Um senhor. E um senhor que joga ténis como ninguém!

Os futebolistas bem podiam aprender com ele!

Federer/ Roddick - Em directo (3)

Roddick ganhou o 4º set 6/3 e estamos no quinto. A não ser que Federer se transforme, parece-me que Rodick vai ganhar esta final.

Federer/ Roddick - Em directo (2)

Segundo tie-break: Federer 7/ Roddick 5. Federer a caminho do título? Ainda falta tempo!

Federer/ Roddick - Em directo (1)

Em directo de Wimbledon. Federer merecia ter ganho o primeiro set: teve 4 breaks-points que falhou por menos dum centímetro - mesmo por menos dum milímetro. Ganhou o tie-break do segundo set quase por milagre: de 2/6 passou a 8/6. 6 pontos ganhos sem perder nenhum! Estou a ver a terceira partida; Federer 6/Roddick 5. Enquanto escrevo: Federer 6/ Rodick 6. Novo tie-break... E eu ainda enervado!

Miguel Sousa Tavares pensa abandonar Portugal

Depois das imbecilidades que escreveu sobre Maria João Pires (ver meu comentário de ontem neste blogue), que dirá agora José Manuel Fernandes a respeito das declarações de Miguel Sousa Tavares, em entrevista ao Diário de Notícias, segundo as quais o jornalista está a pensar deixar Portugal e partir para o Brasil? Acusá-lo-á também de falta de respeito para com o país? De não ter cumprido as suas obrigações para com Portugal?

Segundo Sousa Tavares, a vida em Portugal «é uma coisa (...) igual todos os dias, quase claustrofóbica, sufocante.» «Não temos capacidade de aprender com os erros cometidos. Repetimo-[los] (...) umas vezes por burrice, outras por desonestidade pura e simples, oportunidade de negócio, etc. Quase desejava que nos fechassem a torneira dos dinheiros europeus (Comentário meu: ela vai ser fechada, ou pelo menos drasticamente reduzida, quer queiramos, quer não, a partir de 2013.), que fôssemos obrigados a viver com aquilo que produzimos, com a riqueza que produzimos, para que os portugueses aprendessem.»

Vale a pena ler a entrevista por inteiro (disponível no link indicado no final desta entrada) em que Sousa Tavares fala da justiça, da crise, de Sócrates, de Cavaco e de muitas outras coisas. Não é necessário concordar com tudo o que ele diz para perceber a desesperança que justifica a maioria dos seus comentários. Uma desesperança que, como tenho aqui dito várias vezes, atinge todo o país. Só que a maioria dos portugueses não pode mudar-se para o Brasil. Se pudesse, creio que a tendência demográfica de redução da população do nosso Querido Portugal se acentuaria drasticamente.

O que devemos perguntar é o que Portugal oferece à sua população. Possíveis respostas: Nada; Quase nada; Pouco; Muito Pouco; Outras (apenas para os optimistas impenitentes ou para aqueles que consideram o clima como critério fundamental). Aceito apostas sobre a resposta.

http://dn.sapo.pt/inicio/artes/interior.aspx?content_id=1295588&seccao=Livros

Wimbledon 2009 - Final feminina

Numa das finais mais chatas a que já assisti, Serena Williams impos-se à sua irmã Venus sem grande dificuldade. Como costumam dizer os colunistas desportivos, o segundo set foi de sentido único e, a partir do tie-break - o nome exacto devia ser tiebreaker, desculpem o pretenciosismo! - do primeiro set, a vitória da mais nova das irmãs nunca esteve em dúvida.

O que me preocupa é que já no jogo entre Rodick e Murray, nas meias-finais, a beleza do ténis em Wimbledon também me decepcionou. Não sei se é por os courts estarem mais secos e quentes este ano (resultado do tecto?) mas todas aquelas trocas de bolas me pareceram algo forçadas e pouco imaginativas. (Aliás, é por isso que prefiro o ténis em terra batida, incomparavelmente mais bonito). Espero que o jogo de hoje em que torço, como sempre, por Federer, pese embora a minha grande simpatia por Rodick, seja diferente, com aquelas jogadas (volleys e, sobretudo, passing-shots) que faziam das finais de Wimbledon espectáculos magníficos.

sábado, 4 de julho de 2009

José Manuel Fernandes e Maria João Pires - um pouco de vergonha

Leio e não acredito. José Manuel Fernandes escreve isto a respeito de Maria João Pires na rubrica Sobe e Desce do Público de hoje:

«É uma grande artista, talvez a melhor pianista portuguesa de sempre. Belgais era um projecto generoso e bonito. Mas isso tudo não lhe dá apenas direito ao reconhecimento dos portugueses, cria-lhe obrigações para com o seu país. Podia ter continuado a lutar, mas preferiu trocar de nacionalidade. Perdeu a razão, senão o respeito.»

Gostaria de saber, em primeiro lugar, quais são as obrigações que Maria João Pires tem para com o país? Porque, se algumas tivesse, certamente já as teria cumprido. Contribuiu para o prestígio internacional de Portugal e podendo, de há muito, ter-se exilado no estrangeiro, como o fizeram, e fazem ainda, muitos artistas ou cientistas nacionais (que não encontram aqui as condições para exercerem a sua actividade – situação que José Manuel Fernandes está farto de denunciar!), envolveu-se, em Belgais, num projecto educativo inovador de ensino da música, o tal «projecto generoso e bonito». E aí, confrontou-se com a máquina administrativa dum Estado e Governo insensíveis a argumentos que ultrapassem as regras estabelecidas nos regulamentos burocráticos que o Director do Público está sempre a criticar e que considera responsáveis pelo afogamento da iniciativa e inovação no nosso país. Por isso, Maria JoãoPires desistiu. Fartou-se; foi-se embora!

Porque não pensar, pelo contrário, nas obrigações que Portugal tem para pessoas que, pela sua arte, pela sua vida, o honraram? Jorge de Sena e Adolfo Casais Monteiro passaram, com tristeza, a sua vida fora daqui porque nunca lhes foram dadas condições para cá ficarem. Helena Vieira da Silva assumiu a nacionalidade francesa e só se reconciliou com Portugal nos últimos anos da sua vida. Eduardo Lourenço vive em França. Podia multiplicar os exemplos. Posso até, para não dizerem que sou elitista, falar de Cristiano Ronaldo. É certo que o jogador beneficiou do trabalho da Academia do Sporting (um exemplo excepcional por estas bandas) mas alguém tem dúvidas que, se se tivesse mantido em Porugal, nunca seria o jogador que hoje é?

O caso de Maria João Pires não é único. Longe disso. Perdeu o respeito? O respeito de quem? O meu não! Os dos seus congéneres, dos artistas que com ela trabalham, da crítica, também não! Basta ver os artigos que lhe foram recentemente consagrados nas revistas musicais Diapason ou na Classica Répertoire.

Afinal, Maria João Pirs perdeu apenas o respeito de José Manuel Fernandes... Pode viver bem melhor sem ele.

PS Só continuo assinar o Público porque vivo no estrangeiro e o Diário de Notícias não tem assinatura exclusivamente elecrónica...

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Manuel Pinho - Deixem de bater no ceguinho

Fui das primeiras pessoas, neste blogue, a exigir a demissão de Manuel Pinho. Mas o homem já se demitiu. E agora é tempo de deixar de falar do gesto malcriado e insuportável do ex-Ministro. Principalmente, o Presidente da República deveria ter alguma contenção quando se refere a casos destes. Aconteceu com ele o mesmo que com José Sócrates: lembrem-se de Carlos Borrego! E, nessa altura, que me lembre, o Presidente Mário Soares não se referiu ao assunto. Calou-se. Que era o que deveria ter feito Cavaco Silva. Infelizmente, este Presidente é claramente parcial: o seu objectivo é favorecer a vitória do PSD nas próximas eleições. É mau que um Presidente da República seja tão evidentemente partidário e apoie de forma inequívoca o partido da oposição. Quanto a Manuel Pinho, esquecem-no. Não merece mais palavras!

Final de Wimbledon - Federer contra Roddick

E será Federer contra Andy Roddick. Federer quer ganhar o seu 15º título em torneios do Grand Slam para bater o recorde de Sampras. Roddick não quer ser lembrado apenas como o vencedor dum único torneio desse mesmo Grand Slam (US Open em 2003) e provavelmente como o homem com o maior serviço da história do ténis. Por isso, a final de domingo deverá ser magnífica.

Assim vai Portugal - Citação de decisões que afinal não existem

Tenho que pedir desculpa a Luís Filipe Vieira - mas, como não gosto do homem, sempre aqui fica uma caricatura maldosa.

Afinal, parece que não havia qualquer decisão sobre o objecto da providência cautelar interposta por Bruno Carvalho nem qualquer título executivo judicial susceptível de ser executado relativo à inadmissibilidade da lista de Vieira. Segundo o juiz, «não foi proferida sentença de mérito, quer de procedência, quer de improcedência» na providência cautelar da suspensão da deliberação da Mesa da Assembleia-Geral que admitiu às eleições a lista A, liderada pelo actual presidente do clube.

O magistrado defende que a providência de suspensão de deliberação social não comporta medidas de tipo executivo», ao contrário do que sucede com outras providências, entre as quais o arresto, arrolamento ou restituição provisória de posse.

Resta saber, se assim é, como pôde uma agente de execução citar Manuel Vilarinho para suspender a admissão daquela lista às eleições. Parece que a solicitadora extravasou as suas competências. O que só significa que a justiça em Portugal está, verdadeiramente, em estado lamentável.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Demissão do Ministro da Economia

Manuel Pinho foi um dos piores Ministros da Economia de que há memória. Apenas chegou a esse cargo porque José Sócrates precisava de alguém que, sendo socialista, também estivesse ligado aos meios financeiros. Vindo do Banco Espírito Santo, Pinho era o único socialista com um tal currículo. Nada fez de bom! Para dizer a verdade, nada fez! Terminou a sua carreira com um gesto de má-educação que nem sequer o Primeiro-Ministro, sempre pronto a perdoar, pôde aceitar. Forma triste de sair do Governo - mas a verdade é que nunca devia lá ter estado. Sócrates paga agora a falta de coragem de não ter remodelado logo a seguir às eleições europeias. E nós pagaremos, sem ter culpa nenhuma, a chegada ao poder de Manuela Ferreira Leite... Sócrates igual a Guterres! E nem sequer teremos a sorte de Ferreira Leite se tornar Presidente da Comissão Europeia.

Irmãs Williams - Final feminina em Wimbledon

E vamos assitir a mais uma (mais do que merecida) final entre as duas irmãs - eu voto pela Serena! Mas Venus já lhe ganhou aqui.

Manuel Pinho

Não gosto de Francisco Louçã. Acho-o um seminarista falhado, um jesuíta convencido de que tem sempre razão. Homem inteligente, sem dúvida; mas incapaz de olhar para os outros com alguma forma de ternura.

Mas, se este gesto do Ministro da Economia se dirigiu a Louçã, goste eu dele ou não, a única possível atitude do Ministro é demitir-se e a do Primeiro-Ministro aceitar essa demissão. Já!

Em tempo: afinal, segundo se diz agora, o gesto de Manuel Pinho dirigiu-se a Bernardino Soares, líder parlamentar do PCP. Vou recomeçar este artigo: Nâo gosto de Bernardino Soares, etc... Não o acho um seminarista falhado nem um jesuíta convencido. A conclusão é a mesma. Pinho para a rua!

É por estas e por outras que Sócrates vai perder as eleições e que, para mal dos nossos pecados (mas os meus foram muito poucos!), vamos aguentar quatro anos de Ferreira Leite...

Benfica

A sorte de Luís Filipe Vieira importa-me pouco. Não sou benfiquista; e nem sequer falei com o meu irmão Francisco, ou com o meu genro João, que o são, para saber a sua opinião. Mas importa-me que, em Portugal, e ao contrário do que acontece em países soi-disant menos civilizados, continue a existir um Estado de Direito. Porque essa é a única forma de garantir direitos e liberdades individuais.

Assim, quando vejo o Presidente da Assembleia Geral dum grande clube dar-se o direito de recusar a decisão dum juíz, penso que alguma coisa vai mal na república lusitana. Há regras; há regras! Se o Sr. Manuel Vilarinho não concorda com o despacho do magistrado, recorre dele; senão, cumpre-o; não há terceira via; e se o recurso não vier a tempo tant pis.

Eis o que me foi ensinado na Faculdade de Direito de Lisboa... O pior é que esta gente não percebe que estas coisas se podem virar contra os que as praticam. Terão razão hoje; mas não amanhã... Amanhã, será a lista de Vieira que será rejeitada e aeite a lista do seu opositor! Em última análise, em democracia (repito, em democracia!), é a opinião dos tribunais e dos juízes, mesmo quando se enganam, que tem que prevalecer. Dizer o contrário é abrir a porta a todas as ditaduras.

Luís Filipe Vieira, Presidente do Benfica? Para um sportinguista como eu, nenhuma importância. Mas os benfiquistas deveriam pensar se querem homens como este à frente do seu clube.

Miguel Sousa Tavares, auto-estradas, comboios e pontes

A minha filha Sofia mandou-me uma cópia dum artigo de Miguel Sousa Tavares em que ele goza com a fúria das infraestruturas que, desde os célebres governos de Cavaco Silva e, agora, sob a impulsão do Ministro Mário Lino, se apoderou do país. (O artigo, bem escrito, com graça, pode encontrar-se no link indicado no final desta entrada). Reconheço a Miguel Sousa Tavares uma certa coerência: isto é, ele já discordava destas obras públicas no tempo de Cavaco e não o fez apenas quando Sócrates se tornou Primeiro-Ministro. E, ao contrário da Sofia, gosto dele: como o seu pai, hoje tão esquecido, sempre me pareceu que, em questões essenciais, nunca se enganava; e não consigo esquecer que é filho dum dos maiores poetas portugueses - Sophia. Claro que, mesmo com este pedigree, podia ser um idiota - mas não é.

Mas coerência e, até, admiração, não significam que se lhe reconheça sempre razão. Infelizmente, neste caso, não posso concordar com ele. Vou mais longe: nem sequer o percebo.

Ele tem, como eu, idade para se lembrar das nove horas que passávamos na Estrada Nacional nº 1 para fazermos os 300/350 quilómetros que separavam Lisboa do Porto. Idade para se lembrar, se por acaso lhe aconteceu ir de Lisboa à Covilhã, das quatro horas e meia que levava essa viagem. Idade para se lembrar do desastre em que depressa se transformou a EN5 porque Cavaco se recusou a construir a auto-estrada que, mais tarde e com muitos maiores custos, acabámos por ser obrigados a fazer. Estou certamente desfasado do que é hoje politicamente correcto em Portugal. Mas trabalhei bastantes anos na Comissão Europeia, encarregado de programas financiados com fundos comunitários e nacionais, para saber que os investimentos em infraestruturas não foram dinheiro deitado pela janela fora.

É claro que acho um completo disparate fazer uma segunda auto-estrada entre Lisboa e Porto... Mas não acho disparate nenhum ter feito a primeira! E sou claramente partidário de beneficiar dos fundos comunitários para dotar Portugal duma rede de comboios de alta velocidade. Já tenho dúvidas quanto à necessidade dum novo aeroporto de Lisboa. Neste caso, a única razão que julgo válida para avançar com esse projecto é o imenso perigo do actual aeroporto para os habitantes da capital. Claro – dir-me-ão – nunca houve nenhum desastre aéreo. Mas pode haver. E, quando isso acontecer – esperemos que não! – as consequências serão dramáticas. Miguel Sousa Tavares acha um luxo ter um aeroporto dentro da cidade; eu acho um perigo.

Da minha experiência com fundos comunitários, julgo que as infraestruturas construídas se revelaram, em geral, mais proveitosas para o país do que os chamados investimentos soft: ajudas às empresas (que normalmente se limitaram a financiar ou maus projectos ou projectos que, de qualquer forma, as empresas teriam promovido, quando não encheram simplesmente os bolsos de empresários desonestos), formações de todo o tipo e dirigidas a todo e qualquer basbaque (poderia escrever-se um livro inteiro sobre estes desperdícios; ouvi alguém dizer que as verbas atribuídas a uma dada região pelo Fundo Social Europeu chegavam para formar toda a respectiva população pelo menos duas vezes!) Pelo contrário, os investimentos em infraestruturas, com excepção das chamadas obras de prestígio (como o Alqueva, bem pensado, mal aproveitado), permitiram dotar Portugal dum conjunto de equipamentos, nomeadamente em matéria ambiental, que doutra forma teriam sido de concretização impossível – lembre-se o caso da despoluição do Rio Ave. O problema, reconheço-o, é que, como sempre entre nós, o esforço de investimento não foi acompanhado por uma adequada previsão do que representaria o trabalho de manutenção. Acho, por exemplo, que as queixas quanto aos pendulares têm muito a ver com as obras de reparação dos troços afectados do que com o investimento inicial – e nada a ver com o facto de se proibir que as pessoas fumem nos comboios (por amor de Deus!) Aliás, já nessa altura, defendi que devíamos ter seguido a opção TGV (ou CAV).

Em suma, Miguel Sousa Tavares goza com o estado da nação – e fá-lo de maneira engraçada – mas esquece-se do estado deste mesmo país antes de haver a tal auto-estrada, ou a tal estação de tratamento de águas residuais, ou até aquele equipamento colectivo (piscinas, pavilhões desportivos) que serve as populações e (é verdade) contribui para as reeleições dos Presidentes das Câmaras. Estamos melhor do que estávamos há vinte anos? Claro que sim. Poderíamos estar ainda melhor? Sem dúvida. Mas não certamente a gastar dinheiro em apoio a «projectos» culturais ou turísticos de duvidosa validade (a falta de investimento no património histórico e cultural foi certamente um erro clamoroso) ou a apoiar empresas manhosas. Ainda assim, valham-nos as estradas, as pontes, os caminhos de ferro...

Aliás, é estranho que o PSD se preocupe tanto com estas obras em Portugal continental e as apoie na Madeira, quando são feitas por Alberto João Jardim... Disso não acuso Sousa Tavares. Mas acho que ele devia pensar um pouco no país que éramos antes de chegarem esses dinheiros da Europa. A amiga que o acompanhou nesta viagem já lhe teria pedido milhares de vezes para parar numa bomba de gasolina só para poder descansar do enervamento do trânsito. Eu sei – fiz essa estrada com uma amiga minha antes da nova auto-estrada. Ficámos em Coimbra dois dias só porque não queríamos pegar no carro outra vez.

http://maissempremais.blogspot.com/2009/06/miguel-sousa-tavares.html)