Europeus
As gentes de Espanha são enérgicas e activas
Os Franceses são, para nós, guerreiros corajosos
Os Ingleses uns gabarolas de alma pérfida
Os Italianos (Lombardos) são uns poltrões
E os Alemães, uns ladrões.
Se eu tivesse 1,59 milhões de euros, também os dava!
Esta é a minha praia, e como aqui se vê, ao pôr-do-sol, naqueles fins de tarde em que nos deixávamos ficar, deitados na areia, até vir a escuridão, o frio e a humidade.
A Mãe adorava o mar da Foz e, por vezes, pedia‑me que a trouxesse até aqui. Parávamos normalmente lá em baixo, nos cafés que apareceram nos últimos anos, ao longo da estrada que atinge a praia pelo lado da Lagoa e que não existia no meu tempo. Durante uma hora ou duas, conversávamos, sentados em cadeiras de madeira que se guardam no Inverno, diante do areal, e daquele mar, simultaneamente verde e azul, e verde-claro e azul-escuro, e por momentos quase castanho, e debruado a branco pela espuma das ondas que rebentam ao longe e se aproximam da terra, a rastejar, perdendo a pouco e pouco a força e engrossando a areia na sua passagem. Conhecíamos inúmeras histórias de gente que morreu no mar, por desleixo, ignorância ou temeridade sem sentido. Lá em casa contava‑se que, uma vez, o meu Pai se viu obrigado a deixar fugir (e deixar morrer) um homem que se aventurara para além do limite das ondas. O Pai ainda tentou salvá-lo mas teve que desprender-se dele porque sentiu que seriam ambos levados para o largo, onde nenhum resistiria. Não sei se a história é autêntica – não fui à praia no dia em que dizem que aconteceu – mas é daquelas histórias que, reais ou imaginárias, se incrustam na memória das famílias e se tornam, de certo modo, verdadeiras com a passagem do tempo e à força de serem repetidas.
A Mãe era uma excelente ouvinte e, por isso, essas conversas que tínhamos assemelham‑se, na minha memória, a longos monólogos recitados diante do mar; e acho que o seu olhar reflectia os meus desejos e as minhas ansiedades, acolhia as minhas alegrias e, tantas vezes, deixava‑se fechar, como coberto por reposteiros de veludo escuro, perante as minhas tristezas. Pelo menos, é assim que quero recordar-me desses momentos raros em que, perto da praia e já longe da juventude, ainda éramos cúmplices.
O mar ainda lá está, as ondas são as mesmas, o areal enorme tem a cor de um amarelo claro, quase branco, que tinha quando eu me deitava nele. Há umas casas novas no outro lado da Lagoa, e uns cafés a mais deste lado. Mas, para mim, há uma pessoa a menos. E isso muda tudo.
Há já dois dias que aqui não escrevo. Para além do feriado do dia 9 (dia de uma Europa cujo cansaço é evidente) – e os dias feriados, numa casa com dois adolescentes, são os mais cansativos – veio o dia de anos da Vanda (a 10) com jantar num restaurante tunisino perto de casa. Tenho continuado a leitura de Murakami (com piscadela de olhos à Ana, que também anda a lê-lo). E, ao mesmo tempo, comecei um livro de história bastante interessante («The Great Divergence» de Kenneth Pomeranz), que mostra que, no final do século XVIII, a diferença económica entre a Europa e a China não era assim tão grande que justificasse o salto em frente dado pelos europeus na conquista do mundo; e, assim, atribui o «milagre europeu», expressão consagrada mas que não é do agrado do autor, principalmente, e para além de ao acesso fácil a novos meios de energia, como o carvão, à abundância de terra e ao acesso a formas de gestão do espaço e da terra, nomeadamente das florestas, introduzidas pela expansão colonial – num resumo muito simplificado de um argumento complexo mas a ter em conta em certos debates actuais, lusos e não só, sobre a pretensa superioridade da civilização europeia. Continuo a actualização do meu iPod, o que me permite ir passando em revista os principais discos da minha colecção de clássicos: neste preciso momento em que escrevo, escuto o «Concerto para Piano» de Schumann, na interpretação de Maria João Pires, com Claudio Abbado a dirigir a Orquestra de Câmara da Europa. Maria João Pires não é Martha Argerich (mas quanta gente é Martha Argerich?) mas gosto muito desta sua interpretação. Dou alguma atenção – a merecida – à Comissão. Tenho que telefonar ao meu genro João a perguntar-lhe quem será o novo treinador do Benfica. Falo com os meus irmãos, penso na minha Mãe e tenho saudades de ver a minha neta. Em resumo: estou bem.
Em Sofia, admiro a forma como recria o mundo numa simples frase. A nudez enganadora das palavras chega a fazer esquecer, por vezes, que nada é banal no que diz. Os exemplos poderiam ser imensos mas ficam, por agora, estes, tirados de «No Tempo Dividido», publicado em 1954:
Teresinha, Sofia e Diogo em Estrasburgo. (Sim, sei que a ordem devia ser outra, com os pais em primeiro lugar; e que o título desta entrada é algo redutor.) A Sofia apresenta um «paper» numa conferência, o Diogo aproveitou o fim‑de‑semana comprido para desanuviar de Paris e do trabalho e a Teresinha acompanhou-os porque ainda não pode ficar longe deles. Ontem, os pais foram jantar fora e a Teresinha ficou em casa com os tios Ana e Pedro. O Pedro telefonou‑me com ela ao colo para me fazer inveja. Ao que parece, estava sossegada e bem–disposta. E eu, aqui, com ciúmes e a pensar por que não fui ter com eles!
Não me parece que as pessoas se definam pelo que lêem. Há muito sacana que lê e gosta de boa poesia. Mas é possível que duas pessoas se encontrem em torno de alguns autores em particular, numa espécie de experiência intelectual partilhada. Em relação a Rui Tavares (de que li, recentemente, «Pobres e Mal-Educados» e «O Pequeno Livro do Grande Terramoto), é essa a sensação que tenho. Por sua causa, peguei de novo em Calvino («As Cidades Invisíveis»), Murakami (leio em francês mas os títulos ingleses dos livros são: «A Wild Sheep Chase» e «Dance, Dance, Dance») e decidi-me a ler e reler a obra completa de Sebald. Melhor do que perder tempo com romances que, em Portugal como noutros países, saem do prelo à velocidade do relâmpago, sem critério editorial nem interesse de maior.